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Capítulo 3 – Da conflitualidade cotidiana à revolta do povo nos morros do ouro

3.2 Desordens ocorridas nos morros auríferos das Catas Altas

Os mestres de campo, Manoel Nunes Viana e seu primo Manoel Rodrigues Soares, estavam entre os potentados mais importantes das Minas. Residiam em Caeté e eram proprietários de fazendas na região dos currais do São Francisco e de lavras no distrito de Catas Altas, situado no termo da Vila do Carmo. Rodrigues Soares, dono de grande quantidade de escravos, dominou o distrito de Catas Altas e teve participação importante na sedição de 1736 no sertão do São Francisco. Em 1718, ocorreu um embate em Catas Altas, opondo os

289 Relação de um morador de Mariana e de algumas coisas mais memoráveis sucedidas. Códice Costa Matoso, 1999, p. 205.

feitores de Manoel Rodrigues Soares e de Bento Ferraz, outro potentado local, em razão de um serviço de água feito para lavrar as terras minerais dos morros daquele distrito.

Bento Ferraz tentou impedir os negros de Manoel Rodriguez Soares de continuar trabalhando em um serviço de água onde estavam estabelecidos. Segundo o governador Conde de Assumar, o dito Ferraz e seus comparsas juntaram armas para defender a sua causa, sem se atentarem para os bandos que ele havia mandado publicar a respeito da exploração naquele distrito. Afirma, ainda, o dito governador, que “algumas pessoas mal intencionadas queriam envolver, fazendo coisa comum daquilo que é coisa particular.”290 De acordo com Carla Anastasia, Bento Ferraz, ao contrário de Viana e Rodrigues, foi um potentado muito útil à Coroa portuguesa. Ele seria nomeado capitão-mor de Catas Altas em 1733 e teria a patente confirmada por Gomes Freire de Andrade em 1736.291

Tendo tomado conhecimento da desordem, o governador mandou os mestres de campo Joseph Rabelo Perdigão e Manoel Fonseca se dirigirem ao distrito para ouvirem as partes e resolver a questão. Algum tempo depois desse motim o Conde de Assumar informava que Manoel Nunes Viana quis se apossar de todas as terras minerais em Catas Altas, sem se preocupar com os direitos dos donos originais. Ele disse ainda que os negros deste e de seu primo Rodrigues Soares estavam trabalhando armados nas lavras. O Conde de Assumar ameaçou prender Manoel Rodrigues Soares, pois ele não havia cumprido a promessa, feita em tempo anterior, de não incitar disputas nas áreas mineradoras. A situação teria se agravado quando Manoel Nunes Viana começou a apoiar seu primo na contenda.

Com a generalização dos tumultos os moradores de Catas Altas começaram a abandonar as lavras. Porém, o Conde de Assumar tentou evitar esse procedimento, já que o abandono de uma área mineradora significava prejuízo para a Real Fazenda. Para isso, ele determinou que aqueles que tentassem vender seus bens, teriam estes confiscados pela Coroa. Tendo sido informado de que não apenas os negros de Rodrigues Soares, mas de outras pessoas estavam andando

290 APM, Secretaria de Governo da Capitania, SC 11, f. 38.

291 ANASTASIA, Carla Maria Junho. Vassalos Rebeldes: violência coletiva nas minas da primeira

armados, o governador enviou para o local o tenente geral Manoel da Costa Fragoso, com ordem de prender a quem fosse necessário e de levar até ele Antônio Carvalho de Almeida e Manoel Gomes Aires, sobrinho e feitor de Rodrigues Soares, respectivamente. Mas a chegada do tenente geral a Catas Altas só fez agravar a situação, os negros de Rodrigues Soares levantaram-se e, inclusive, conseguiram libertar alguns escravos que já haviam sido presos.292 Diante disso, também foi enviado para as Catas Altas o capitão Paulo Rodrigues Durão, o sargento-mor Antônio Ferreira Pinto e o ouvidor geral da comarca de Vila Rica, Manoel Mosqueira da Rosa.

Por fim, o Conde de Assumar expediu ordem para prender Manoel Rodrigues Soares e Manuel Nunes Viana e ordenou ao ouvidor geral que notificasse todos os moradores de Catas Altas para que apresentassem os títulos de posse de suas lavras. Assim, eles poderiam retomar o seu trabalho naquelas terras minerais que, no período do conflito, estavam sendo lavradas por Manoel Rodrigues Soares. Porém, o ouvidor-geral intimidou tanto as testemunhas que o inquérito acabou tendo que ser invalidado.293 Esse foi um caso típico em que poderosos tentaram se apoderar das terras de mineradores menos abastados, porém, concluindo, o governador também determinou que, naquelas Catas Altas, ninguém haveria de “embaraçar” aos pobres que ali pretendessem faiscar.294 Mais uma vez, vemos o direito de faiscação dos pobres, nos morros, ser preservado, ainda que houvesse outros interesses por trás de tal determinação.

Mas as disputas envolvendo o uso da água para minerar naquele distrito não cessaram. Em junho de 1722, o governador Dom Lourenço de Almeida publicou um bando para regular a exploração aurífera em um morro daquela localidade. Dessa vez era o mestre de campo Manuel Rodrigues Soares e Pedro Vaz, com seus respectivos sócios, que andavam se desentendendo a respeito da água utilizada para a exploração do ouro. Diante disso, o governador foi fazer uma vistoria nos serviços envolvidos na contenda, estabelecendo a água de que poderia se utilizar cada um daqueles mineradores, procurando acabar com os prejuízos que os cofres reais sofriam “por se não ter extraído destas terras o ouro todo que se podia ter tirado, se não procedessem as contendas que tem havido”. Dom

292 APM, Câmara Municipal de Mariana (CMM) 04, f. 41v-42v.

293 ROMEIRO, Adriana. Paulistas e emboabas no coração das Minas: ideias, práticas e

imaginário político no século XVIII. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008. p. 101.

Lourenço também estabeleceu que “fora dos serviços feitos e de forma que lhe não prejudique a nenhum deles, ou seus valos e regos, poderá o povo todo minerar como lhe parecer”.295

Em 1734, houve um novo desentendimento naquele local, do qual resultou outro edital com determinações para a exploração em seus morros. Com um novo descobrimento de ouro, Domingos Rodrigues da Costa, e seus sócios, estabeleceram um serviço de água e requereram quatro datas de terras minerais. Isso contrariou os moradores, que defendiam que “o Morro devia ser comum para todos”. Uma e outra parte enviaram requerimentos ao governador André de Melo e Castro, ao que esse ordenou ao guarda-mor Caetano Álvares Rodrigues que fosse àquele arraial resolver a questão. Caetano Rodrigues, então, determinou que Domingos Rodrigues e seus sócios pudessem continuar trabalhando com seus serviços de água, ficando reservado para a realização do mesmo serviço 280 palmos de comprido e 200 de largura, mas não lhes seriam concedidas as datas requeridas. E também foi determinado que nenhuma pessoa poderia se apropriar das faisqueiras que estavam abaixo desse serviço, por título algum, ficando elas livres para a exploração de todos. Para os buracos que viessem a ser feitos, dessa resolução em diante, a distância mínima de um para outro seria de 60 palmos. Ficou estabelecido também que naquele morro não poderia haver venda de nenhum gênero, nem pessoas vendendo qualquer mercadoria em tabuleiros.296

Por fim, o governador André de Melo e Castro determinou que a mesma faculdade concedida aos sócios citados seria dada a qualquer pessoa que fizesse descobrimentos, porque era conveniente aos moradores daquele arraial “que no dito morro e seus continentes houvesse descobrimentos, e lavras de água, não só pelos buracos e minas que podiam dar, mas também pelas faisqueiras que vinham abaixo de que todos se utilizavam”.297 Portanto, vê se que na interpretação do governador, aqueles que realizavam os descobrimentos teriam o direito de ter parte daqueles morros reservadas para estabelecerem seus serviços. Mas, para tal autoridade, da atividade realizada pelos pretensos descobridores também resultaria o bem comum, pois com ela também se descobriria as faisqueiras que seriam

295APM, Secretaria de governo da capitania, SC 21, 14 de junho de 1722, f. 22v-23. 296 AHCSM, miscelânea, caixa 1, n° 20, f. 14. Regimento de terras e águas minerais. 297 AHCSM, miscelânea, caixa 1, n° 20, f. 14. Regimento de terras e águas minerais.

deixadas à exploração do povo. E o governador encerra o caso com um desabafo, dizendo que

os morros que são realengos são aqueles que se acham dentro de vilas e arraiais como está julgado, e não aqueles que estão em partes remotas, e sobre isto cada dia se está julgando os Ministros das Relações o que lhe parece e assim não me sei determinar com estas leis, sem acabarem de assentarem no que se deve seguir.298

Essa fala demonstra a falta de clareza e o casuísmo que os contemporâneos utilizavam com relação ao que se praticar nos morros, como já apontamos anteriormente.

3.3 Contenda em Congonhas, 1762: as reivindicações dos pequenos