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2.3 OS “VALORES” EMPRESARIAIS, AS COMPETÊNCIAS E AS DEMANDAS DO MERCADO

2.3.1 O desperdício das competências

Nas empresas pesquisadas observou-se que assim como outras demandas vindas do mercado, as competências solicitadas na contratação dos novos funcionários e descritas em manuais, poderiam estar representando mais um modismo que precisaria ser adotado. Desde o “autocontrole”, por exemplo, até a exigência de formação como cursos de pós-graduação, podem ser tratadas com pouca ou quase nenhuma importância no dia-a-dia.

Observa-se que profissionais capacitados podem não estar sendo aproveitados em suas capacidades. No processo de seleção de gerentes podem estar sendo escolhidos os mais criativos, os mais capazes de agir com rapidez e de administrar conflitos, além dos que possuem “domínio de inglês” e, no mínimo, uma “pós-graduação”.

Percebe-se que as oportunidades que as empresas pesquisadas oferecem para que essas exigências sejam praticadas podem ser reduzidas. Para desenvolver a criatividade, por exemplo, seria preciso um ambiente de liberdade, um espaço para o livre pensamento, a troca de idéias, o respeito às diferenças. Em ambientes onde a informação é um privilégio de alguns que poderiam retê-la pelo medo de perder o poder, a criatividade poderia não ser necessária e se tornaria inútil.

“Autonomia para decidir”, que no vocabulário empresarial poderia ser sinônimo de “pró-atividade” poderia tornar-se inútil em ambientes centralizadores, de gestão autoritária, onde o erro não é admitido e a insegurança para decidir pode ser constante.

Um informante relata a sua experiência nesse sentido, ao referir-se ao curso de pós-graduação que concluiu:

Terminei “uma pós” e apenas um diretor veio me cumprimentar. Olhou o certificado e mandou que eu enviasse para o RH. Bem, pelo menos estou enquadrado no perfil do cargo e agora posso ser promovido. Gastei uma grana. A gente tem que investir, senão tá fora, né? (Analista de Marketing Junior).

Percebe-se em outra empresa pesquisada, que paga 50% do curso para os funcionários, a dificuldade para freqüentar as aulas devido ao volume de trabalho.

Uma informante que demonstra estar com dificuldade para colocar em prática o que aprendeu e, algumas vezes, repetia disciplinas por excesso da faltas, observa:

Os funcionários de TI não gostam de atender o cliente. Gostam é de fazer o seu trabalho, atender o cliente é um caos. Há uma incapacidade de não ir além, de buscar outra coisa. Se tu pedes uma caneta preta e o cara não tem, ele não te oferece uma azul, entende, apenas responde que não tem. Hoje tenho 05 pessoas a menos e quadriplicou a demanda. Quando alguém falta fica um caos e eu digo prá eles que é preciso administrar o estresse. O clima interno poderia ser melhor. Há pessoas que estão há muito tempo na empresa e que não me respeitam, sou nova. Eu sou peão, não sei ser gestora. Fiz um curso de gestão. Eu prefiro fazer do que ter que explicar e pedir. Como vou colocar em prática o que aprendi no curso de gestão se eu não tenho tempo? Estou com as pessoas no limite. Isso vai ser no dia de São Nunca. Tenho uma equipe com muita disparidade. Uns muito bons e comprometidos e outros péssimos. O que acontece? Sobrecarrega os bons que acabam ficando doentes (Coordenador da Central de Soluções).

A empresa pode ganhar credibilidade no mercado ao mencionar os benefícios que oferece, como bolsas de estudos e capacitação gerencial, investindo no seu “capital intelectual”. Entretanto, percebe-se um “desperdício do indivíduo” que chegaria preparado e motivado para, aos poucos, ir se acomodando.

O que pode estar ocorrendo é uma dificuldade das empresas de assimilarem os conhecimentos dos funcionários. Pode haver uma visão estruturada de competências e atitudes que são listadas e estariam servindo de justificativa e parâmetro para contratar, promover e demitir, o que pode ocasionar o não aproveitamento dos atributos exigidos pelo mercado na seleção e contratação.

Entre os valores de uma das empresas pesquisadas está o “conhecimento”. O diretor explica que “a soma dos conhecimentos de todos os funcionários é o que chamamos hoje de capital intelectual. O conhecimento só tem valor quando é utilizado para ajudar a pessoa e a empresa a melhorar o seu desempenho”.

Percebe-se no discurso do informante que não há referência às trocas de conhecimento ou às diferentes possibilidades de construí-los a partir da interação entre as pessoas ou do que poderiam significar as suas próprias experiências e crenças.

Nessa empresa foi contratado um Gerente Comercial “novo” para “fazer as mudanças”. Um informante analisa a situação:

O outro gestor não valorizava o conhecimento, mas a disciplina e a dedicação. Isso criou uma geração de executivos que não estavam acostumados a pensar. A lealdade e a disciplina, como num quartel, eram

valorizadas. Muitos estão presos ao velho modelo e deverão ser desligados. Não é feito na marra, as pessoas sabem que não servem mais se não mudarem. Tem muita gente acomodada aqui. Eu faço parte do grupo que quer a mudança (Gerente de Marketing, 10 anos de empresa).

O Diretor da empresa afirma que os novos gerentes contratados produzirão a mudança desejada. Já vêm com esse objetivo e foram identificados no mercado como profissionais “altamente capacitados para lidar com esse tipo de desafio. Eles são um novo oxigênio”. Conforme um informante que está na empresa há dezessete anos, a mudança causa estresse e é irreversível:

Qualificar era treinamento em produto não em comportamento. Eu não quero mais ter um chefe nas minhas costas. Tem diferença entre treinamento e adestramento. Aqui eles não confiam que a gente possa fazer direito e acertar. Estão sempre pegando no teu pé. O outro gerente era uma “murrinha”, cobrava coisas da gente como se fôssemos crianças. Esse tá vindo pra arrebentar e colocar as contas em ordem. Tenho a impressão que tudo que aprendi até agora está sendo colocado fora, não serve mais. O cara deixou isso bem claro pra gente na reunião de apresentação, pois vai implantar sistemas e controles de vendas, mapas de visitas e relatórios on

line, um vendaval tecnológico que eu não sei se vou agüentar (Gerente de

Loja).

Percebe-se que sem resistir aos “novos tempos” alguns funcionários conseguem permanecer. O discurso parece distante da prática em várias situações, pois ao mesmo tempo em que os “colaboradores” são o “capital intelectual”, a qualquer momento poderiam ser dispensados e substituídos. Há um descarte natural. Um informante percebe a situação de outra maneira: “Eu pago para ver se eles conseguem mudar tudo como dizem. O clima é de insegurança. Tem gente com 25 anos de empresa sendo demitida. Alguns fazem acordo, outros ganham plano de saúde por mais uns meses”.