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Detalhamento dos procedimentos de pesquisa

No documento fabioricardodosanjosribeiro (páginas 154-163)

Inicialmente, apliquei o questionário que apresento no APÊNDICE A a 59119 alunos de 3º Ano do Ensino Médio em uma escola estadual na cidade de Ewbank da Câmara/MG. Trata-se do único colégio de Ensino Médio do pequeno município e concentra as pessoas da cidade que, por razões facilmente atribuíveis ao pertencimento de classe (limitações de capital econômico e cultural: falta de recursos para arcar com transporte e demais custos envolvidos no deslocamento para outra cidade, bem como com mensalidades, material didático etc., além de indisposição, desconhecimento, desconfiança em relação ao ingresso em melhores colégios públicos em cidades vizinhas, atitudes características da antecipação do fracasso, normalmente manifestas em expressões do tipo ―Isso não é para mim‖ 120

), não vão, diferentemente de alguns mais abastados, estudar na circunvizinhança mais próspera.

Através dessa sondagem foi possível constatar que a quase totalidade dos pais e mães, os provedores mais frequentes nas famílias nucleares desses alunos de em média 18 anos, é composta por pais pedreiros (80% dos casos com resposta) e mães empregadas domésticas (72% dos casos, excetuando- se as não-respostas e as variações em torno da resposta ―dona de casa‖). Os graus de escolaridade desses pais e mães (Tabela 2), aspecto fundamental na formação do capital cultural dos filhos, são, majoritariamente, das antigas 5ª a 8ª séries do Ensino Fundamental e 1ª a 4ª Séries do Ensino Fundamental para as mães (32,8% e 31%, respectivamente) e das antigas 1ª a 4ª séries (33,9%

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Alunos de 3º Ano que estavam presentes - em um total de 70 matriculados, de acordo com os registros da diretoria do estabelecimento - nos três dias em que visitei a escola para aplicação do questionário.

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Frequentemente iniciei e/ou terminei a aplicação dos questionários perguntando, informalmente (mas não sem real curiosidade sociológica, confesso!), sobre planos dos respondentes em relação a uma possível vida acadêmica, uma vez concluído o Ensino Médio que então cursavam. Não foi difícil ouvir essa típica frase ou variações dela nas respostas dos alunos. A antecipação do fracasso, em alguns casos, foi tão explícita e presente que se mostrou de maneira desavergonhada: mesmo havendo alunos que divergissem desse cenário de ―pessimismo‖, localizando-se, por exemplo, mais próximos de um valor mais geral e legitimado no universo escolar (que enfatiza principalmente o sucesso no mercado de trabalho), houve, camufladas por discursos aclamadores de virtudes populares como esperteza, malandragem e até masculinidade, frequentes chacotas em relação aos que obtinham mais sucesso no mercado escolar e que, por isso, ambicionavam ingresso em uma ―Faculdade‖.

dos casos) e 5ª a 8ª (16,1%), para os pais. Agrupando-se os valores referentes ao período escolar, temos que 63,8% das mães e 50% dos pais concluíram apena a Educação Básica.

Tabela 2: Escolaridade pais e mães – jovens de classe baixa – Ewbank da Câmara.

Fonte: Respostas à questão P7 do questionário apresentado no APÊNDICE A.

No que tange à renda familiar, atributo cujo levantamento reputei importante para a tentativa de captar correlações entre classe, audiência aos programas policiais e visão de mundo, o intervalo mais frequente foi o de 1 a 2 salários mínimos121 - R$788,00 a R$ 1.576,00 - (46,3% dos casos), secundado pelas menções ―Não menos que um salário mínimo‖ - R$788,00‖ (20%) e ―De 2 a 4 salários mínimos‖ - R$1.576,00 a R$3.152,00‖ (24%).

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O valor do salário mínimo adotado como referencia diz respeito ao praticado em março de 2015.

Escolaridade Mãe Pai

Não frequentou escola 5,2% 3,6%

1ª a 4ª Ens. Fundamental 31,0% 33,9%

5ª a 8ª Ens. Fundamental 32,8% 16,1%

Ens. Médio incompleto 12,1% 7,1%

Ens. Médio completo 8,6% 12,5%

Ens. Superior incompleto 1,7% 3,6%

Ens. Superior completo 1,7% 5,4%

Pós-Graduação 1,7% 3,6%

Tabela 3: Renda Familiar – jovens de classe baixa – Ewbank da Câmara.

Fonte: Respostas à questão P13 do questionário apresentado no APÊNDICE A.

A escolha por iniciar a pesquisa empírica em um colégio, no caso da cidade de Ewbank da Câmara, deveu-se ao fato de, dadas a inexistência de demais espaços públicos de tal monta na cidade, a escola ser o melhor lugar para encontrar uma considerável quantidade de pessoas, de uma só vez, dispostas e disciplinadas o suficiente para, num período curto de tempo, responderem a um questionário com questões abrangendo temas tidos por polêmicos e pessoais. Ademais, ao tomar em consideração as escolaridades dos pais desses alunos como representativa da escolaridade média dos demais habitantes de mesma faixa etária no município (de acordo com dados disponíveis no site IBGE - Cidades122), é possível deduzir que os jovens pesquisados, além de terem maior nível de escolaridade que seus pais, fazem parte da parcela mais escolarizada do município, em valores estatisticamente significativos. Esse dado sobre capital escolar é extremamente relevante para minha argumentação, uma vez que parto do princípio de que a escola é uma instituição, talvez a mais importante em um município de pequeno porte, que tem(ria) condições de oferecer visões de mundo alternativas, sobretudo no que tange a contextos de experiência distante, àquelas fornecidas pelos meios de comunicação de massa.

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Disponível em: <http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=312500>. Acesso em: 26 nov. 2015.

―P13. Qual a sua renda familiar, aproximadamente (considerado todos que contribuem para a renda da sua casa)?‖

Não mais que 1 salário mínimo (R$ 788,00) 27,8%

De 1 a 2 salários mínimos (R$ 788,00 a R$ 1.576,00) 46,3%

De 2 a 4 salários mínimos (R$ 1.576,00 a R$ 3.152,00) 24,1%

De 4 a 10 salários mínimos (R$ 3.152,00 a R$ 7.880,00) 1,9%

De 10 a 20 salários mínimos (R$ 7.880,00 a R$ 15.760,00) -

O questionário serviu para captar tendências de opinião a serem investigadas mais detalhadamente nas entrevistas e nos grupos focais. Para esse procedimento escolhi alunos que cumprissem pelo menos três condições: a primeira foi que tivessem pelo menos 18 anos (mesmo que tal procedimento não tenha sido exigido pela direção dessa escola estadual, julguei ser mais prudente proceder dessa maneira, uma vez que discutiríamos questões bastante polêmicas e que poderiam gerar constrangimentos pessoais); a segunda foi que tivessem declarado assistir a algum programa policial, seja explicitamente àqueles estudados aqui, sejam outros, congêneres; terceira condição, que consentissem em participar. A partir desses quesitos, pude selecionar 12 alunos - 7 do sexo feminino e 6 do sexo masculino – os quais distribuí em dois grupos. Com cada grupo realizei dois encontros, em dias diferentes, nos quais a discussão foi norteada pelo roteiro apresentado no APÊNDICE B. Como procedimento normal em grupos focais, procurei propor os assuntos, por meio de perguntas e afirmações, solicitando a manifestação relativamente livre dos participantes. A existência de um roteiro, como também é de praxe, não impossibilitou que os participantes levassem a conversa para rumos até então imprevistos, ocorrências que procurei não impedir, na medida em que as discussões pareceram-me pertinentes para os objetivos desta pesquisa. De cada grupo focal selecionei para participar de uma entrevista mais aprofundada participantes cujas manifestações pautaram os debates de maneira mais frequente.

A fim de possibilitar uma análise comparativa, estratégia central na argumentação que procuro levar a cabo neste trabalho, apliquei o mesmo questionário, seguindo o mesmo procedimento subsequente, em 27123 alunos de 2º e 3º Anos do Ensino Médio em uma escola privada localizada em um bairro de classe média de Juiz de Fora, escola essa que parece atrair filhos da classe média local. As análises que faço dos discursos têm como foco principal

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Diferentemente do caso anterior, nesse colégio, como circunstância claramente sintomática da condição de classe, que tradicionalmente leva à maior exigência em relação aos direitos individuais, no Brasil, precisei formalizar pedido de autorização aos pais dos alunos, através da direção do colégio, para que seus filhos respondessem ao questionário. Os 27 pesquisados são aqueles de cujos pais obtive autorização e que estavam presentes nos dois dias em que estive aplicando o questionário no colégio. De todo modo, esse número correspondeu a cerca de 35% de todos os matriculados nos três anos do Ensino Médio, no estabelecimento.

a recepção hegemônica dos telejornais policiais ocorrida entre os jovens de classe baixa, mas o exercício de tornar evidente o fenômeno só foi possível pela comparação contrastiva com a realidade encontrada na pesquisa junto aos jovens de classe média. Sendo assim, quando os dados obtidos nesse último contexto não forem apresentados de maneira explícita – a fim de se evitar a excessiva repetição -, estarão compondo implicitamente as análises.

Dos respondentes do questionário no universo socialmente mais privilegiado, 78% declararam-se brancos, seguidos de 18,5% que se disseram pardos. Não houve nesse colégio quem marcasse a opção ―preta‖ para ―cor ou etnia‖, o que, já de início, dá-nos uma noção da situação de classe - estruturalmente relacionada no Brasil à cor da pele – ocupada pelos alunos do colégio.

Sobre a escolaridade, 33,3% das mães têm pós-graduação completa, seguidas de 29,6% com ensino médio completo e 18,5% com ensino superior como escolaridade máxima. A fração de mães que cursaram apenas da 1ª a 8ª séries124 do Ensino Fundamental, situação que no caso de Ewbank ultrapassa 60% dos casos, aqui corresponde a diminutos 3,7% para 5ª a 8ª séries, sem ocorrência para a opção ―de 1ª a 4ª...‖. A escolaridade dos pais, comparativamente, também é consideravelmente mais alta. Enquanto que 47% (mais da metade dos casos, se excluirmos a opção ―Não sei.‖) dos pais dos alunos da escola pública concluíram apenas a Educação Básica (1ª a 8ª séries), a maior parte dos pais de classe média tem pelo menos curso superior (34,6% completaram o curso; outros 15,4% fizeram pós-graduação).

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Tabela 4: Escolaridade dos pais e mães – jovens de classe média – Juiz de Fora.

Fonte: Respostas à questão P7 do questionário apresentado no APÊNDICE A.

As rendas familiares desses alunos do colégio privado, como esperado, estão em faixas bem mais altas, para famílias em média menores (compostas por 3 pessoas, além do respondente, nas famílias mais abastadas, enquanto naquelas mais pobres a média encontrada foi de 4 pessoas, além do respondente): em 30,8% das respostas declarou-se renda ―de 4 a 10 salários mínimos‖; a mesma percentagem declarou ―de 2 a 4...‖; o próximo valor mais frequente foi ―de 10 a 20 salários mínimos‖ - 23% das ocorrências - seguido de 14,4% para a opção ―de 1 a 2...‖

Escolaridade Mãe Pai

Não frequentou escola - -

1ª a 4ª Ens. Fundamental - -

5ª a 8ª Ens. Fundamental 3,7% -

Ens. Médio incompleto - 11,5%

Ens. Médio completo 29,6% 15,4%

Ens. Superior incompleto 11,1% 7,7%

Ens. Superior completo 18,5% 34,6%

Pós-Graduação 33,3% 15,4%

Tabela 5: Renda familiar – jovens de classe média – Juiz de Fora.

Fonte: Respostas à questão P13 do questionário apresentado no APÊNDICE B.

Entre as profissões desses pais e mães há uma variação de ocupações, como profissionais liberais, profissões que exigem algum tipo de especialização escolar (técnicos de nível médio), funcionários públicos, proprietários de pequenas empresas e, com significativa frequência, correspondente a 16% de todas as respostas para pais e mães, ―professores‖ e ―professoras‖, conforme declaração espontânea dos respondentes.

É importante chamar atenção para o fato de que os alunos entre os quais pesquisei, nesse colégio privado, como é possível depreender da leitura dos dados acima, pertencem a uma ―classe média tradicional‖, isto é, a uma parcela da sociedade que herdou dos pais os capitais que lhe auferem essa posição. A condição social dos pais desses alunos já lhes auferia ―de berço‖ grandes volumes de capital econômico e cultural em relação aos pobres e mesmo aos ―batalhadores‖ (pobres ascendentes) (SOUZA, 2012), estes, por sua vez, representados apenas nos perfis mais bem sucedidos encontráveis entre os alunos da escola estadual.

A escolha por pesquisar em escolas de Ensino Médio foi feita também a fim de possibilitar a comparabilidade e também por causa das consideráveis vantagens em relação ao gasto de tempo na aplicação e receptividade à

―P13. Qual a sua renda familiar, aproximadamente (considerado todos que contribuem para a renda da sua casa)?‖

Não mais que 1 salário mínimo (R$ 788,00) -

De 1 a 2 salários mínimos (R$ 788,00 a R$ 1.576,00) 15,4%

De 2 a 4 salários mínimos (R$ 1.576,00 a R$ 3.152,00) 30,8%

De 4 a 10 salários mínimos (R$ 3.152,00 a R$ 7.880,00) 30,8%

De 10 a 20 salários mínimos (R$ 7.880,00 a R$ 15.760,00) 23,1%

pesquisa por parte dos respondentes. Aproveitando o ambiente sui generis da escola, e almejando conseguir o maior número possível de respondentes, permiti que os questionários fossem autoaplicados: no ambiente da sala de aula, propício à realização de atividades que exigem concentração e boa vontade para a participação coletiva, distribuí os questionários aos alunos, passei instruções gerais e orientei que me indagassem caso tivessem dúvidas. (Apliquei alguns poucos questionários pessoalmente, apenas para testar a clareza das questões para os alunos.) Essa estratégia trouxe para a pesquisa problemas causados pela atribuição de autonomia aos respondentes (ocorrências de questões sem resposta, escolhas múltiplas em questões onde só caberia uma opção, preenchimentos indecifráveis, blefes, brincadeiras e inconsistências de informações - situações em que, por exemplo, o sujeito declara que nunca assiste à televisão, mas lista telejornais a que assiste), mas possibilitou, por outro lado, abrangência mais censitária possível dentro do universo de alunos daquelas escolas.

Claro que, ao realizar a pesquisa entre jovens que cursam o último ano do ensino médio, regularmente frequentadores de suas escolas, não pretendo que os achados sejam válidos igualmente para toda a população circundante, nem para faixas etárias diferentes na mesma classe social. São necessárias outras pesquisas para que se possa fazer esse tipo de dedução, sobretudo em se tratando de fenômeno tão complexo como a produção e circulação de representações sociais. Não deixarei, entretanto, de arriscar aqui algumas induções igualmente fundamentadas em certa literatura pertinente já existente.

Uma vez que a amostra de minha pesquisa é pouco representativa de todo o universo abarcado, poderei fazer poucas inferências a partir desses critérios de classe. Como não conseguirei enxergar uma gradação que dê conta, por exemplo, da variedade de ocupações possíveis, muito menos da variedade de graus de escolaridade e de níveis de renda, a análise será simplificada em termos da seguinte oposição:

1) cidade pequena/baixa renda/pouca escolaridade dos pais/pouca possibilidade objetiva de gratificação advinda do capital escolar (portanto, menor investimento relativo nesse tipo de capital, sobretudo

naquilo em que não implica ganhos imediatos nos níveis intermediários do mercado de trabalho, a saber, nas profissões técnicas de nível escolar médio na indústria e comércio. O serviço público é pensado como uma possibilidade remota, mais difícil de acessar, já que exige tempo de estudo de retorno incerto. Equipara-se, nesse sentido, à formação no Ensino Superior não tecnológico).

2) No outro polo, dentro dos propósitos deste trabalho, visualizo o grupo dominante, com relativamente maior capital escolar dos pais (e probabilidade de ganhos nesse campo)/cidade maior/maior contato com a diversidade de visões de mundo/ maior renda familiar etc.

A hipótese que norteia essa estratégia comparativa é a de que o acesso prioritário à televisão como fonte legitimadora de visões de mundo, de opiniões legítimas, através de porta-vozes especialistas em produção de representações, como Datena e Marcelo Rezende, torna as pessoas que o fazem mais frequentemente reprodutoras dessas visões. Na formação das opiniões dos jovens que negaram veementemente ser telespectadores de programas como Brasil Urgente e Cidade Alerta, ao contrário, atuam mais intensamente – e em concorrência com o programa – pelo menos os pais (que possuem, comparativamente, maior capital cultural e, portanto, valorizam mais o fato de se ter uma ―opinião pessoal‖ (cf. BOURDIEU, 2007)) além da própria escola (que geralmente compartilha os mesmos valores dos pais, uma vez que, inclusive, têm frequentemente nas demandas destes – economicamente impostas através das mensalidades – suas referências éticas e pedagógicas). Em outras palavras, a hipótese é que maiores capitais econômico e cultural geram maior disposição em se produzir leituras ―opositivas‖ (HALL, 2003) sobre assuntos apresentados nos telejornais policiais e vice-versa, ao mesmo tempo em que gera maior probabilidade de que as opiniões sejam formadas através da concorrência de outras instâncias igual ou superiormente legítimas. O conhecimento de diferenciadas apropriações de um mesmo conteúdo televisivo, mediado para os receptores por constrições de classe social, tornará mais fácil a visualização do lugar ocupado pelas visões de mundo reverberadas e legitimadas nos telejornais policiais.

4.2 Análise do material dos grupos focais e entrevistas

No documento fabioricardodosanjosribeiro (páginas 154-163)