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Marcos quis fotografar a Pedra da Cebola (Foto 18 e 19) e depois as outras pedras que estavam à volta. Perguntei se achava as pedras bonitas, e ele respondeu-me afirmativamente. Então disse a ele que também tinha admiração pelas pedras. As crianças descobriram algumas árvores carregadas de frutas e quiseram saber o que era. Falei que era um pé de araçá, parecia um pouco com a goiaba. Quiseram experimentar e não queriam mais parar de colher e comer araçás e depois descobriram os pés de pitangas.

Preparamos-nos para ir embora e, assim, fomos de carro até o bairro Itararé. Deixei o carro e fomos para o ponto esperar o ônibus São Benedito. No ponto, o sol estava escaldante, dividíamos o pequeno espaço de sombra com várias pessoas. Saíam uns e chegavam outros e nada do nosso ônibus. Mesmo na sombra, o calor era grande. As crianças inventavam brincadeiras: soco-soco, bate-bate, soco-bate, soco- vira... e assim o tempo passava. Depois Maria Izabel teve uma ideia:

– A gente podia ir na piscina na casa da Célia!

Safira: Eu nunca fui lá, não sei onde fica.

Marcos: Eu não posso, não tenho dinheiro. Maria Izabel: É só dois reais, pede à sua mãe!

Marcos: A minha mãe não tem dinheiro nem para comprar as coisas pra dentro de casa.

Pesquisadora: Que lugar é esse, Maria Izabel?

Maria Izabel: É a casa da Célia. Lá tem uma piscina que a gente paga e pode ficar um tempão brincando.

Pesquisadora: Olha só, vamos combinar uma coisa: primeiro vocês vão para a casa, para pedir à mãe de vocês, se ela deixar vocês vão, está certo?

Voltaram a questionar por que não subíamos de carro. Expliquei que tinha medo de dirigir naquelas ladeiras em curvas acentuadas. Sugeriram, então, que subíssemos a pé ou de táxi. Depois de reclamarem, pareciam esquecer por um momento da espera exaustiva e começavam outra brincadeira. Dessa vez foi Marcos que começou a falar, e as meninas caíam na gargalhada e depois repetiam juntos:

– Óiaa, óia a reio e a coxa! óiaa, óia a reio e a coxa! Quem vai querê?!

Cheguei mais perto para tentar compreender aquela conversação que era própria deles e não consegui, até que o Marcos me explicou:

– É que lá, no São Benedito, tem um homem que passa vendendo rede e colcha e ele grita assim: Óia, óia a reio e coxa, quem vai querer!

Rimos juntos e nada de o ônibus chegar. Lembrei-me da senhora que reclamara: “Acho que eles pensam que a gente não precisa sair de casa no final de semana”.

Por fim, desistimos do ônibus, aceitei a ideia dos meninos e fomos até o supermercado para pegar um táxi. Acertamos de nos encontrar no próximo sábado, na escola, às dez horas para combinarmos a nossa próxima saída.

4.4.4 Passeio ao parque Horto Municipal de Maruípe

A enorme espera no ponto de ônibus e depois um engarrafamento inesperado em um longo trecho da Avenida Nossa Senhora da Penha contribuíram para que eu chegasse atrasada à escola. Ao chegar próximo à escola, ouvi uma voz de criança gritando o meu nome e, ao olhar, vi Sofia que foi logo falando:

– Você demorou muito, já estava de raiva!

Pesquisadora: Como, Sofia?

Sofia: É, eu já estava de muita raiva! Pensei que você não viesse mais.

Pesquisadora: O ônibus demorou muito e, além disso, para completar, peguei um trânsito grande na Avenida Reta da Penha. Eu também fiquei de raiva, sabia? Bom, agora não precisamos ficar mais de raiva, tá bom?

Falei com um tom de brincadeira, imitando o palavreado usado por Sofia, pois era a primeira vez que ouvia essa expressão.

Estavam me esperando Sofia, Maria Izabel e Marcos. Olhei no relógio e eram dez horas, então sugeri:

– Olha, hoje nós vamos conversar aqui na escola e planejamos o nosso passeio para o próximo sábado. O que vocês acham?

Olhei para eles e vi uma carinha de decepção. Argumentaram: Sofia: Ah, não! Vamos sair. Vamos hoje no Horto de Maruípe!

Marcos: É, é pertinho e a gente pode descer o morro a pé que é mais rápido do que esperar o ônibus.

Maria Izabel: É mesmo, vamos!

Olhando para a expressão deles e a expectativa da espera, ponderei que poderíamos fazer um rápido passeio ao parque Horto de Maruípe.

Pesquisadora: Então vamos, mas hoje não vamos demorar. Vai ser um passeio mais rapidinho e vocês aproveitam para me apresentar o bairro de vocês, enquanto a gente desce. Combinado?

Enquanto descíamos, iam me apresentando a lojinha de frutas e verduras. Marcos me apresentou a casa onde a mãe dele o leva para cortar o cabelo. Disse para eles da dificuldade que tinha para localizar onde terminava o bairro São Benedito, onde iniciava o Itararé e onde começava o bairro da Penha. Todos estavam atentos às placas com os nomes das ruas e bairro, mas o Marcos ia um pouco à frente para trazer a informação mais rápido. Percebi que esses limites não eram fáceis de serem identificados também para eles, mas observei que era um desafio e, assim, faziam um esforço para compreender esses limites, para me situar. Maria Izabel disse que ia até lá embaixo para fazer compras para sua mãe e às vezes descia com sua irmã menor. Sofia e Marcos só fizeram referência em descer sozinhos na área do entorno do São Benedito.

Ao chegar à altura do monumento em cimento colocado em homenagem aos primeiros moradores do bairro São Benedito, paramos e lemos:

“Altar Pátrio- Homenagem aos fundadores que lutaram e sofreram 1968 a 1970.”

Perguntei se conheciam o significado daquele monumento e Maria Izabel, Marcos e Sofia disseram que não sabiam o que representava e que nunca haviam observado aquela placa, então conversamos sobre o estudo que eu estava fazendo e expliquei que havia lido sobre o início do processo de ocupação do Morro São Benedito. Muitas famílias que vieram do interior do Estado e de outras localidades, que estavam sem lugar para morar, viram uma possibilidade nessas regiões de morros. Esses novos moradores começaram a ocupar essas regiões, mas ocorreram muitos conflitos. Eles contaram com o apoio de um sargento chamado Carioca, que ajudou a demarcar os lotes e organizar o processo de ocupação. Tudo isso era feito de forma escondida, pois havia perseguição por parte dos policiais que, às vezes, derrubavam os barracos construídos durante a noite. Foram muitas lutas.

Ficamos olhando a placa por alguns instantes e depois continuamos a nossa caminhada em direção ao Horto. Ao olhar a vitrine de uma loja, Sofia disse:

– A gente podia ir passear no Shopping, não é?

Sofia: Sim, e você gosta?

Pesquisadora: Não muito, só às vezes.

Pesquisadora: E você, Marcos, gosta de ir ao Shopping?

Marcos: Não muito também, a gente fica só olhando um monte de coisas, não tem dinheiro para comprar, o que a gente vai fazer lá, só ficar olhando?

Sofia: Eu vou olhando assim na vitrine e vou falando: um dia eu vou comprar isso, isso, isso... e vou apontando tudo o quero comprar.

Maria Izabel: Eu gosto de ficar subindo e descendo nas escadas...

Marcos: Acho muito chato, vamos pra um lugar que tem brinquedos pra gente brincar, acho melhor...

Maria Izabel: É mesmo, a gente podia ir no Parque Moscoso! Sofia: É mesmo.

Ao chegarmos ao parque, observamos que uma parte dele estava cercada para obras. Subimos para o parquinho que fica localizado na parte alta. Havia poucas crianças no espaço. Brincaram e exploraram os balanços e depois começaram a explorar as pedras que estavam à volta. Tive receio de que se machucassem e nos sentamos em uma pedra um pouco mais baixa. Propus que Sofia e Maria Izabel mostrassem as fotos que tinham feito para a gente. Assim elas ligaram a máquina e foram mostrando os lugares em que brincam, os seus brinquedos e brincadeiras. As fotos mostravam que os seus espaços de brincadeiras eram dentro de casa ou no quintal, com os seus riozinhos imaginários. Fotografaram o gato de estimação e um cachorro que também faziam parte de suas brincadeiras. Sofia, ao olhar a foto do irmão de Maria Izabel com os braços cruzados, como se estivesse com armas, comentou:

– Eu e Maria Izabel não gostamos de nossos irmãos!

Pesquisadora: Mas por que vocês não gostam dos irmãos?

Sofia: Eles são muito chatos.

Pesquisadora: Como assim?

Maria Izabel: É que eles se acham...

Por outro lado, elas se fotografaram mostrando as suas redes de amizades, suas invenções, traduzindo suas alegrias em suas brincadeiras nos espaços de suas casas e entorno. Mostraram a vista da cidade a partir de suas casas e dessa forma,

revelaram algumas perspectivas: Ponte da Passagem, o manguezal, a Ufes e Monte do Mestre Álvaro (Fotos 20 a 24).

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