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Após preparar o lanche conforme havia combinado com as crianças, fiz o percurso como habitualmente costumava fazer. Fui de carro até o bairro Itararé, deixei o carro estacionado e me dirigi para o ponto de ônibus para subir para o bairro São Benedito. Aproximadamente às 8h5min já estava no ponto e percebi que, apesar de

passarem vários ônibus, uma senhora continuava sentada no banco. Desconfiei que estivéssemos aguardando a mesma linha, pois já tinham passado vários ônibus e ela permanecia ali. Iniciamos uma conversa e, reclamando da escassez de ônibus nos finais de semana, disse:

Nos finais de semana, eles reduzem ainda mais os ônibus, acho que cortam pela metade. Eles pensam que, no final de semana, a gente não precisa sair de casa, que a gente deve ficar preso dentro de casa (DIÁRIO DE CAMPO, 03-03-2011).

Somente após quase 40 minutos que estava no ponto, apareceu o ônibus. Sentei na cadeira ao lado da janela, logo atrás da roleta, com o vidro aberto para amenizar o calor. Descia um caminhão caçamba carregado de entulhos e lixo. O ônibus começou a andar bem próximo das casas para possibilitar a passagem do caminhão, pois, nesse ponto, não havia calçada. De repente, ouvi um barulho estranho que vinha em minha direção, pulei da cadeira e me coloquei de pé em uma atitude de reflexo. Ao pular da cadeira, entraram dois vergalhões pelo vidro da janela em que estava sentada. Os vergalhões estavam na janela de uma casa e, como não havia espaço entre a casa e a rua, os vergalhões arrastaram-se pela lateral do ônibus e entraram pela janela. Os passageiros ficaram revoltados e um deles comentou: “Já pensou se fosse uma criança que estivesse sentada aí?”.

Ao chegar à pracinha do ponto final, transcorria uma briga entre um senhor e um homem alto e magro que mal conseguia ficar em pé. Já havia visto esse homem outras vezes e sempre com aspecto de quem estava embriagado. A praça é pequena e, apesar da pressa para o encontro, permaneci dentro do ônibus. O senhor empurrou o homem e ele caiu sentado, levantou-se e pegou uma pedra grande para atirar, o outro, que aparentava estar mais sóbrio, passou a mão em um vergalhão e foi em direção ao senhor. Outros homens que estavam na praça e observavam a briga seguraram os dois impedindo que se machucassem. Já havia presenciado outros momentos de conflito ali na comunidade, mas era a primeira vez que via a intervenção de quem estava à volta para impedir uma briga. Aproveitei para descer rapidamente e apressar o passo para sair do campo do conflito e chegar à escola.

Ao chegar à escola, Safira veio correndo avisar que Maria Izabel estava em sua casa, que sua mãe iria descer para o trabalho de carro e ofereceu carona para

descermos. Circulei pela escola à procura das outras crianças, mas não encontrei. De certa forma, fiquei aliviada por não ter encontrado o João, pois não tinha autorização de seus pais para sair com ele e sabia da dificuldade em convencê-lo de que não poderia levá-lo. Marcos não havia participado do encontro passado, no entanto estava na rua em frente à escola e ficou me acompanhando e me seguindo com os olhos. Circulava à nossa volta. Percebi, no seu jeito calado e silencioso, o desejo de perguntar se poderia ir com a gente e, assim, falei com ele sobre o encontro no sábado anterior, perguntei onde morava, apontou-me a sua casa. Disse que poderia ir se quisesse e se a sua mãe deixasse. Ele foi à sua casa, trocou a camisa e voltou rapidamente pronto para sairmos.

Descemos com a mãe de Safira até o bairro Itararé. Ali pegamos o carro e fomos em direção ao parque. Ao passarmos em frente à Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), eles perguntaram o que era aquilo, falei que era a Universidade e, quando passamos em frente ao Teatro, Safira e Marcos falaram que já haviam ido lá com suas famílias, em uma festa, não se lembravam muito bem, mas disseram que era uma festa do trabalho de alguém da família e já fazia muito tempo.

Perguntei a eles se sabiam o nome da cidade em que morávamos e Marcos disse que achava que era Espírito Santo, Maria Izabel concordou com Marcos e Safira falou que não, achava que era Vitória. Então voltamos a conversar sobre o estudo que estávamos fazendo sobre a cidade de Vitória e, por isso, iríamos circular por alguns lugares.

Safira perguntou que bairro era aquele em frente à Ufes, quando falei que era Jardim da Penha, ela afirmou:

Ah! é aí que a minha mãe falou que gente vai morar. Ainda bem que a gente

vai mudar de lá. Eu tenho muito medo de morar lá. Minha mãe está estudando e meu pai também, eles vão fazer prova para ser policiais, mas isto é segredo, ninguém lá pode saber, senão os ‘meninos’ não vão gostar e é perigoso.

Ao chegarmos ao parque, as crianças estavam empolgadas. Era a primeira vez que iam àquele lugar. Descemos e começamos a caminhar. Eles estavam curiosos e queriam saber se ali tinha parquinho. Sugeri que fôssemos até a fazendinha, mas, ao chegarmos lá, havia poucos animais, entretanto ficaram encantados com cada animal que viam. Safira, apesar de se entusiasmar, tinha medo de passar perto do

mato e ter uma cobra. Ficou com medo das galinhas garnisé e d’angola que correrem atrás dela. Quando viram o pavão, curiosos queriam saber que bicho era aquele. Ficaram surpresos com as tartaruguinhas no lago, os gansos, tudo parecia ser novidade. Estávamos com máquina fotográfica, mas, inicialmente somente, Safira estava interessada em fotografar.

Ao voltarmos da fazendinha, caminhamos em direção ao parquinho, Safira reclamou que estava com fome, pois não havia tomado café da manhã. Marcos e Maria Izabel também concordaram e disseram que estavam com fome. Dessa forma, decidimos parar para lanchar. Maria Izabel perguntou se havia levado alguma coisa para forrar o chão. Sugeri que fizéssemos como em um piquenique, e Safira deu a ideia para que abríssemos a toalha toda para sentarmos em cima da toalha e assim fizemos. Eles ajudaram a tirar o lanche para arrumar em cima da toalha. Quando começamos a comer, Safira perguntou se tinha colocado azeitona e, ao afirmar que havia colocado um pouquinho, ela falou que não gostava muito e começou a retirar alguns pedacinhos que estava em seu lanche. Marcos comentou:

– Quem gosta muito de azeitona lá em casa é meu irmão. Meu pai, quando compra azeitona, ele esconde.

Safira: O quarto do Marcos é lindo. É todo pintado de azul e branco, parece um arco-íris. O pai dele falou que vai pintar o meu quarto igual ao dele, só que rosa. Marcos: Meu pai trabalha construindo casa, mas a minha mãe fala pra ele que ele não ganha nada, nem um centavo...

Maria Izabel: O meu pai também trabalha construindo casa, lá em casa tem comida, não falta nada. O meu pai trabalha... a minha mãe trabalha...

Marcos: A minha mãe tá procurando trabalho, mas ela ainda não conseguiu. Safira: A casa do Marcos é linda! Você precisa ver!

Marcos: A minha casa era pequenininha, não cabia nem a gente direito. O meu pai cavou e aumentou a casa e agora eu tenho um quarto!

Pesquisadora: Que legal, Marcos, você tem um quarto só para você?

Marcos: Não, eu tenho um quarto com meu irmão de seis anos e o outro maior.

Pesquisadora: Ah, sim!

Marcos: Antes a minha casa só tinha um lugar que dormia todo mundo e uma cozinha pequenininha! O banheiro era fora da casa. Agora a gente tem um quarto pra gente e outro para o meu pai e minha mãe e ainda temos um banheiro, não precisa mais sair de casa para ir ao banheiro.

Pesquisadora: Que legal, Marcos!

Pesquisadora: Quero falar para vocês sobre os nossos encontros, o que cada um de vocês falar e for pedido segredo, a gente poderia combinar de respeitar o pedido. Se vocês estão pedindo é porque é importante. Vocês concordam? Quando eu estiver escrevendo a pesquisa, vou falar de nossos passeios, de nossas conversas, mas acho que poderíamos combinar de cada um escolher um nome e, assim, na hora que estiver escrevendo sobre os nossos encontros, ao invés de usar o nome de verdade de vocês, usaria o nome que vocês escolhessem. O que vocês acham disso?

Antes de falar o que achavam sobre o assunto, já começaram a discutir sobre os nomes que gostariam de serem conhecidos, em uma atitude de que já concordaram. E, assim, eles escolheram os nomes com os quais gostariam de serem conhecidos. Começamos uma conversa sobre os lugares que conheciam da cidade. Fizeram referência ao passeio do ano anterior pelo bairro e às saídas que faziam com o Programa de Educação Integral.9 Ao conversarmos sobre a escola, Marcos falou:

– Eu gosto da escola, mas não gosto dos professores!

Maria Izabel: É mesmo!

Safira olhou pensativa, interrogando Marcos e afirmou:

Safira: É..., mas eu gostava da professora do ano passado, ela era legal!

Pesquisadora: Em que ela era legal, Safira?

Safira: Ela era boazinha!

Pesquisadora: Como assim?

Safira: Ela não gritava com a gente.

Pesquisadora: Ah! Entendi.

Marcos: Eu gosto das aulas de Matemática e Educação Física...

Pesquisadora: Ah que interessante! Você gosta de Matemática?

Marcos: Não! Eu não gosto de matemática, eu gosto é de informática e Educação Física.

9 “Educação Integral é um Programa de Governo voltado para alunos da Educação Infantil e Ensino Fundamental. Sua proposta pedagógica visa à permanência do aluno na escola, assistindo-o integralmente em suas necessidades básicas e educacionais [...]” ( www.vitoria.es.gov.br).

Terminamos o lanche e eles estavam ansiosos para brincar. Fomos até o parquinho próximo ao lago, eles olharam os brinquedos e um sorriso se abriu, entretanto, inicialmente, permaneceram parados olhando. Safira exclamou:

– Nossa, quanta gente!...

Pesquisadora: Então, vocês querem brincar?

Safira: Nossa! Eu tenho vergonha... você não tem não?

Pesquisadora: já tive, mas agora não tenho mais.

Olharam para o lago que ficava em frente ao parquinho e quiseram ir até lá. Marcos ficou admirado com as tartaruguinhas e quis fotografar. Riam e se divertiam com as tartarugas que às vezes só colocavam a cabecinha para fora, outras se esticavam em cima das pedras que compunham o lago (Foto 13).

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