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CAPÍTULO 02 A PERCEPÇÃO DE SISTEMAS DE EXPLORAÇÃO SOCIAL E AS MUDANÇAS ANUNCIADAS NOS ROMANCES DE ADICHIE E DE

2.3 O processo libertário em Hibisco Roxo e em O Sétimo Juramento

2.3.3 Determinação das relações de produção

Tanto em O Sétimo Juramento quanto em Hibisco Roxo as relações são medidas por meio do modo de produção religioso, político, de bens e produtos pelo meio de produção do sujeito.

Estes sujeitos assumem funções diversas dependendo do espaço que ocupam e do outro com quem dialogam. As figuras masculinas, em ambas as narrativas, representam a grande oscilação de poder que permeia as duas tramas.

Eugene impõe-se em casa, nas empresas, no âmbito familiar, mas quando pensa na política nigeriana, ele oscila. Acredita na necessidade de liberdade do país e do povo. Seu mundo é construído e formatado em volta de suas crenças que, ao longo de sua vida, foram modificadas em torno do modo de ser do colonizador inglês.

Suas noções de hierarquia de língua, de etnias, de sistemas, de cor de pele e de religião são alteradas no momento em que abandona o campo e seus familiares para viver na cidade e na casa de um padre inglês.

O espaço da cidade, em ambas as narrativas, é o lugar em que predomina a cultura do colonizador, no caso da Nigéria, inglês e no caso de Moçambique, português.

Já o campo representa o refúgio, lugar de reduto de culturas oprimidas pelo colonizador, mas que podem florescer sob a proteção da natureza. Principalmente em O Sétimo Juramento, o campo é fuga de um sistema opressivo encerrado em uma cultura que não mais diz respeito às personagens centrais da trama. Gradativamente, elas buscam o campo para atingirem também sua religião. Ir para o campo é, tanto para Vera quanto para David, uma viagem interior, é jornada a ancestralidade de cada um, é movimento de descoberta de seus antepassados e, consequentemente, de sua própria história.

Neste romance de Paulina Chiziane, quem ouve as preces tanto do marido opressor, quanto da mulher oprimida é a natureza, que servirá a ambos, contudo, o marido não se contenta com as respostas iniciais produzidas pela natureza e recorre a forças que transcendem e exploram desmedidamente estes elementos naturais para se estabelecer.

As necessidades de David, produzidas pelas relações econômicas e de poder, o fazem explorar, nos mais diversos âmbitos, todos os elementos que consegue ter acesso: natureza, família, feitiçaria, as mulheres e os empregados. Todo e qualquer obstáculo em seu caminho deve ser eliminado ou, no caso de seus inimigos, massacrados.

Vera, a esposa de David, descobre que, ao contrário de seu marido, precisa respeitar estes elementos naturais para poder consolidar-se como membro ativo da família.

Nos dois romances, campo e cidade, apesar de concretizarem experiências distintas no âmbito religioso, social e econômico, revelam sistemas exploratórios que atendem a ânsia econômica de um grupo social. No romance da Chiziane, David assume o poder da empresa estatal que trabalhava e opera forças opressivas de manipulação e dominação do outro também em seu ambiente de trabalho. Ele burla as leis trabalhistas para sobrepor-se ao outro, tirar proveito do que pode. Todos devem estar ao alcance de suas mãos, a sistemática engendrada na empresa o permite tal feito. Quando visita Makhulu Mamba, percebe que outras forças são movidas para aprimorar o sistema exploratório. Nota que há escravos noturnos na casa do feiticeiro que transitam entre a vida e a morte.

Nas mãos de David e nas de Makhulu Mamba pessoas são peças prontas para ser usadas, manipuladas e descartadas quando não mais têm valia, tanto no campo quanto na cidade, o que muda é a forma como a opressão é orquestrada em ambos os espaços e as ferramentas utilizadas para efeitos de dominação.

Na cidade, a fome, o medo, a lei, a indústria, o comércio, a sociedade, a religião do colonizador são instrumentos de contenção do outro. No campo, o trabalho agrícola, o medo, a dor, o sobrenatural e a religião do tradicionalista são meios facilitadores de dominação.

No romance da Adichie, o espaço do campo e o da cidade são descritos como locais de desníveis sociais. Na cidade, especificamente no mercado, pessoas de todos os lugares são oprimidas por policiais ao venderem seus alimentos sem pagarem as altas taxas de impostos estabelecidas pelos sues governantes. No campo, crianças pobres que não têm condições de ir à escola, vendem alimentos nas ruas de terra. Abba é um exemplo de região afastada de

grandes centros e que vive a mercê de grandes empresários que mantêm financeiramente a cidade pagando míseros salários as famílias que lá moram e que se submetem a este sistema para não morrerem de fome. A tensão entre as classes atravessa toda a narrativa.

É no campo que Papa-Nnukwu mora, é lá que ele estabelece as suas crenças. Já Nsukka, campus da Universidade, é o local em que Kambili buscará o equilíbrio entre as duas crenças. Representativamente, Nsukka é espaço de produção de conhecimento, de desenvolvimento humano, por isso é lá que os irmãos Kambili e Jaja alargam sua visão de mundo e percebem a relevância do equilíbrio das ações, dos discursos em âmbitos distintos da vida deles.

Entretanto, os espaços narrativos nos dois romances são irregulares, pois são modificados à medida que as personagens protagonistas também mudam, como o espaço da casa da família de Kambili, que muda de tamanho, cor e contorno quando a menina regressa da casa de sua tia e sofre severas agressões por parte de seu pai.

A casa, para os irmãos, já não era mais espaço familiar, parecia mais como uma imensa e luxuosa prisão, os hibiscos vermelhos e comuns, como a violência e o sangue da casa, encerram a mansão.

Por isso, para os irmãos, principalmente para Jaja, uma ruptura deveria ser concretizada. A primeira delas é o plantar hibiscos roxos trazidos de Nsukka, como se junto com os hibiscos a esperança e a mudança também pudessem florescer no espaço da casa.

Os sujeitos, ao desenvolverem suas produções em sociedade, nas duas narrativas, alteraram e, constantemente, ressignificam tanto as relações previamente estabelecidas como o meio em que estão inseridos.