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Enquanto o indivíduo experiência o autocontrole na abstinência sente-se confiante. Esta fase se reforça a cada instante, ou seja, quanto mais tempo em abstinência maior a percepção de autoeficácia. O comportamento em geral está sob controle desde que, não ocorra neste período, uma situação de alto risco.

Podemos definir uma situação de alto risco como qualquer situação que represente uma ameaça ao senso de controle do indivíduo e aumente o risco de recaída (MARLATT, 1993).

Com o intuito de avançar em nossa temática, apresentamos o quadro a seguir:

Fonte: Marlatt (1993, p. 35).

Marlatt afirma que se o indivíduo for capaz de dar uma resposta de enfrentamento cognitiva ou comportamental a altura da situação de risco, a probabilidade de recaída diminui. Toda vez que houver resposta de enfrentamento haverá compensação, ou melhor, o sujeito experienciará um senso de domínio ou percepção de controle, sentimento que lhe fará muito bem. Ao superar uma situação desconfortante, normalmente a pessoa aumenta sua capacidade de lidar eficazmente num próximo evento desafiador.

A expectativa de ser capaz de lidar com sucessivas situações de risco está intimamente associada com a noção de autoeficácia. Saber e sentir-se capaz de enfrentar as adversidades tende a aumentar a autoconfiança à medida que a duração da abstinência aumenta e o indivíduo é capaz de lidar efetivamente com mais e mais situações de alto risco. A percepção da eficácia aumenta de forma cumulativa e a probabilidade de recaída diminui proporcionalmente.

Por outro lado, quando não há resposta de enfrentamento em situações de risco ou alto risco, inicia-se um processo de recaída. O indivíduo ao não dar uma resposta de enfrentamento, estará diminuindo sua autoeficácia associada a um

Situação de risco Resposta de enfrentamento Aumento da autoeficácia Diminui a probabilidade de recaída Sem resposta de enfrentamento Diminui autoeficácia Expectativas de resultado positivo Uso inicial de álcool (lapso) Efeito de violação da abstinência: culpa e autorresponsabilidade

sentimento de impotência e tendência de render-se passivamente a situação. Na medida em que a autoeficácia diminui na situação de risco, a expectativa para lidar eficazmente com situações problemáticas também começa a cair. A probabilidade de recaída aumenta ainda mais se o indivíduo continua mantendo expectativas positivas quanto ao resultado dos efeitos da substância envolvida. Esta combinação, incapacidade de lidar com situações de risco e as expectativas de resultado positivo para os efeitos da antiga droga, aumentam imensamente a probabilidade de ocorrência de um lapso e da recaída (MARLATT, 1993).

Conforme Marlatt (1993), algumas situações importantes são apontadas como situações de alto risco para a recaída:

A – Determinantes intrapessoais

1. lidar com estados emocionais negativos (frustração, depressão);

2. lidar com estados físico-fisiológicos negativos (relacionados ou não com as drogas);

3. intensificação de estados emocionais positivos;

4. testar o controle pessoal ("vou consumir para ver se não volto a ficar dependente");

5. ceder a tentações ou desejos de consumir. B – Determinantes interpessoais:

1. estados emocionais positivos; 2. conflito interpessoal;

3. pressão social.

As estratégias de enfrentamento de situações de risco podem e devem ser aprendidas e aplicadas. A estratégia é um plano de ação. É a capacidade de saber usar as ferramentas necessárias para atingir o objetivo de enfrentar, lidar com segurança numa situação de risco. Todo dependente em tratamento precisa identificar, a partir de sua realidade, de seu meio, quais são as situações de risco que irá enfrentar. Apontá-las e elaborar respostas de enfrentamento, principalmente para aquelas situações em que se achar mais vulnerável, é um bom exercício.

Pensar o uso de drogas e consequentemente a recaída através de outro viés permite reconhecer as várias possibilidades existentes. A toxicomania a partir de um sintoma social e a recaída a partir do mal-estar. Melman (1992, p. 66) afirma, “Esta verdade é o mal-estar na civilização, quer dizer, nossa civilização como mal-estar: a civilização é um mal-estar”.

Melman (1992) seguindo os pensamentos de Freud, nos lembra “que se trata do mal-estar que concerne à insatisfação fundamental, no qual o ser falante está mergulhado, que culmina na insatisfação sexual.” Neste momento entendemos a tentativa do toxicômano como uma entre outras, para remediar este mal-estar.

Melman (1992) toma como verdade que o toxicômano não somente tem seu objeto ao alcance da mão, mas que ele supõe que é impossível estabelecer uma relação verdadeiramente analítica. Neste caso o sujeito-suposto-saber estaria destituído de antemão que o saber estivesse do lado do dependente químico e não do lado do analista.

Percebemos assim a dificuldade no tratamento, e as possíveis causas da recaída a partir do sistema capitalista. Melman (1992) afirma:

Por outro lado, vejo uma causa que, estranhamente, é social. Quer dizer que o que se chama para nós “a sociedade de consumo” repousa sobre um ideal, mas ignora que esse ideal é o toxicômano que o realiza. Com efeito, o sonho de todo publicitário, de todo fabricante é de realizar o objeto do qual ninguém poderia mais passar sem; objeto que teria qualidades tais que apaziguaria, ao mesmo tempo, as necessidades e os desejos, que necessitaria de uma renovação permanente, uma perfeita dependência.

Falar do uso de drogas, ou ainda, do retorno ao uso após um período de abstinência, remete-nos ainda a pensar a drogadição pela vertente da defesa. Defesa contra tudo e contra todos. Um uso como alívio, uma amenização da angústia, do sofrimento, mas que não dá muito certo. Defesa contra a depressão, contra a psicose, contra as frustrações e decepções (NOGUEIRA FILHO, 1999).

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CONCLUSÃO

Os encaminhamentos deste trabalho tiveram o propósito de conceber a compreensão do uso, abuso ou dependência de drogas, através de um percurso não apenas psicanalítico, mas também com outros olhares teóricos voltados ao uso das drogas como doença, inclusive crônica e incurável.

Iniciamos esta pesquisa buscando compreender o uso de drogas através da história. Percebemos que certas substâncias eram utilizadas já na antiguidade com fins ritualísticos-religiosos ou para suportar as adversidades ambientais, como suportar a fome e a fadiga. Esta primeira descoberta não nos impressiona muito, porque ela nos parece muito viva ainda na contemporaneidade, frente as dificuldades diárias que enfrentamos. Soma-se a esta descoberta, a gradativa incorporação das substâncias psicoativas na cultura como uma mercadoria e ainda como sintoma social.

As drogas, a partir da psiquiatria, são classificadas de acordo com sua forma de agir no cérebro e podem ser divididas em depressoras, estimulantes e ainda, as que causam alucinações. Compreender o que significa padrão de consumo, desde um único uso na vida, uso frequente, ou de abuso até chegar à dependência, tem me levado a pensar a partir desse “padrão” e da classificação, de qual é, e de quanto preciso, para aliviar sintomas de mal-estar ou de desconforto físico? O que esse consumo diferenciado para cada pessoa, nos quer mostrar no momento que analisamos esta informação através da psicanálise? Talvez seja uma verificação importante na busca de compreensão do conflito, da angústia ou ainda de busca de prazer simplesmente.

Na continuidade dos trabalhos, verificamos que o uso abusivo de substâncias que modificam o funcionamento mental, aumentam muito o risco ou

agravamento de transtornos mentais. Devemos também considerar que o uso de substâncias pode acontecer justamente devido um sofrimento psíquico já existente.

Os modelos de tratamento detalhados durante a pesquisa nos servem de parâmetros e de observação do que está sendo realizado em busca de respostas para a questão do uso e abuso de drogas. A redução de danos surge no Brasil na tentativa de diminuir os riscos de contaminação do vírus HIV. Logo em seguida o foco das ações envolvia os problemas com as drogas não injetáveis como o uso de crack, por exemplo. Na intervenção breve, percebemos a preocupação em reduzir o consumo e os problemas ligados ao álcool. Nesta abordagem, vemos a busca por autonomia das pessoas, ajudando-as a resgatar capacidades de assumir a iniciativa e a responsabilidade por suas escolhas.

Na terapia cognitivo comportamental, são apresentadas técnicas de solução de problemas. Os usuários aprenderão a seguir os passos necessários, como definir o problema, gerar maneiras alternativas de resolvê-lo e implementar soluções alternativas.

Com tudo isto que foi construído é necessário, agora, pensar em como a psicanálise pode vir a ser suporte para o sujeito que está em sofrimento. Compreender o sujeito usuário de drogas a partir do entendimento da toxicomania permite uma ampliação do olhar sobre esse sujeito que vai além do ponto de vista da dependência química. Uma das conclusões é que a psicanálise possibilita a escuta do sujeito da dependência, e não apenas da dependência do sujeito, ou em outras palavras, tratar o sujeito do sintoma e não o sintoma do sujeito.

Com as abordagens, podemos entender a toxicomania a partir de outras perspectivas, o que permite enxergar que a toxicomania ou então o uso de substâncias, não se reduz a fenômenos de compulsão e de dependência química, e que não representa simplesmente uma tentativa do sujeito de destruir-se, pelo contrário, através da psicanálise, percebemos a toxicomania como uma busca do sujeito por um lugar para existir. Destacamos ainda que o processo de cura aposta numa mudança de posição subjetiva, onde não é possível indicar a melhor saída para o sujeito.

Uma questão que pode ser elaborada a partir deste trabalho é como aplicar o entendimento psicanalítico da toxicomania no tratamento de dependentes químicos em uma instituição que possui profissionais de formações diversas, onde diferentes olhares são lançados simultaneamente na busca de respostas que

dificilmente são encontradas. Talvez a resposta surja quando, por exemplo, num momento em que uma técnica cognitiva comportamental, aliada a um trabalho de escuta subjetiva do desejo inconsciente, tragam resultados mais satisfatórios.

Assim, realizamos um percurso que permite entender, ao menos em alguns pontos, o que o uso de drogas representa à psicanálise e a outras abordagens, mas há muito ainda a ser discutido, uma vez que, os sujeitos vão se reinventando no decorrer da história. É necessário que a busca, a interpretação e o estudo continuem produzindo referenciais para aqueles que procuram entender o sofrimento psíquico.

REFERÊNCIAS

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