• Nenhum resultado encontrado

Possibilidades de tratamento para dependentes químicos

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Possibilidades de tratamento para dependentes químicos"

Copied!
41
0
0

Texto

(1)

0

UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

DHE – DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO

CURSO DE PSICOLOGIA

POSSIBILIDADES DE TRATAMENTO PARA

DEPENDENTES QUÍMICOS

DÁLCIO ARTUR PETRY

(2)

DÁLCIO ARTUR PETRY

POSSIBILIDADES DE TRATAMENTO PARA

DEPENDENTES QUÍMICOS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para conclusão do curso de formação de Psicólogo da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ.

Orientadora: Profª Angela Maria Schneider Drügg

(3)

AGRADECIMENTOS

Termina aqui mais uma etapa de muitas aprendizagens. Foi necessário lutar com muita garra e dedicação e ter coragem para enfrentar e vencer todos os desafios que foram surgindo durante o curso. Muitas noites mal ou pouco dormidas, e muitos quilômetros rodados para dar conta das aulas e dos trabalhos.

Agradeço primeiramente a Deus por ter me dado forças e ânimo nesta caminhada. Ele tem estado presente em todos os momentos da minha vida.

À minha amada esposa Claudete, que esteve sempre junto, me incentivando quando eu demonstrava fraqueza, sua força e carinho fizeram toda a diferença nesse período.

À minha querida filha Pyetra, que tem me compreendido todas as vezes que não consegui dar a atenção que merecia. Obrigado filha pelo teu sorriso que me anima todos os dias.

Agradeço à Professora Angela M. S. Drügg, pela orientação durante diversos momentos da minha formação, mas de forma especial, a realização deste trabalho que sua atenção e direção possibilitaram concluir.

Aos demais colegas e familiares, que de longe ou de perto, fazem parte desta conquista. Muito obrigado a todos.

(4)

RESUMO

O presente trabalho aborda a temática da dependência química e as possibilidades de tratamento. Para tanto, percorre-se primeiramente o caminho da investigação do uso de drogas na história da humanidade. Na abordagem seguinte, trabalha-se as principais complicações clínicas, psicológicas e sociais no uso de drogas. Na sequência, buscou-se trabalhar as possíveis intervenções na dependência química; e, a escuta possível através da psicanálise a partir de Freud, do sofrimento psíquico, e de sintoma social a partir de Melman. Para finalizar trabalhou-se a recaída como uma possibilidade sempre presente.

(5)

SUMÁRIO INTRODUÇÃO ... 5 1 DROGAS ... 7 1.1 ASPECTOS HISTÓRICOS ... 7 1.2 CLASSIFICAÇÃO E EFEITOS ... 10 1.3 PADRÃO DE USO ... 12

1.4 DEPENDÊNCIA DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS ... 13

1.5 PRINCIPAIS COMPLICAÇÕES CAUSADAS PELO USO DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS ... 17

1.6 COMPLICAÇÕES CLÍNICAS E PSICOLÓGICAS ... 18

1.7 COMPLICAÇÕES SOCIAIS ... 20

2 O TRATAMENTO NA DEPENDÊNCIA QUÍMICA ... 22

2.1 REDUÇÃO DE DANOS ... 22

2.2 INTERVENÇÃO BREVE ... 23

2.3 TERAPIA COGNITIVO COMPORTAMENTAL ... 25

2.4 TERAPIA E ACOMPANHAMENTO ATRAVÉS DA PSICANÁLISE ... 25

2.5 RECAÍDA ... 28

2.6 PROCESSOS DA RECAÍDA ... 30

2.7 FATORES DE RISCO E PROTEÇÃO ... 30

2.8 DETERMINANTES DA RECAÍDA ... 32

CONCLUSÃO ... 36

(6)

INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa compreender como, através de diferentes possibilidades, seja possível acolher e escutar o dependente químico e lidar com a possibilidade da recaída.

O uso de substâncias que alteram o comportamento sempre estiveram presentes em diferentes contextos da humanidade. O uso de drogas é relatado em muitas literaturas em diversas culturas e ao longo da história. Através de uma análise da utilização de drogas em diferentes tempos, é possível perceber sua utilização relacionada a diferentes propósitos como também associado à procura de prazer.

Com a pergunta, “qual a importância da intervenção psicológica no tratamento da dependência química”, procura-se encontrar possibilidades e meios de compreender o que se passa na vida da pessoa que tem usado droga continuamente, a ponto de colocar sua saúde em risco ou inclusive à morte. Para construir esse percurso nos apoiamos em diversos autores entre eles Freud e suas experiências com as drogas, principalmente a cocaína.

O primeiro Capítulo busca, nos primórdios da história, compreender que o uso das drogas era usado na busca de respostas para aquilo que se estava vivendo em determinada época e inserido numa determinada cultura, como por exemplo, substâncias utilizadas sobretudo com fins ritualístico-religiosos ou para suportar as adversidades ambientais, como o hábito de mascar folhas de coca e tabaco para suportar a fome e a fadiga.

Na atualidade, percebemos as substâncias psicoativas incorporadas pela cultura como uma “mercadoria”, influenciadas pelo comportamento da sociedade de consumo. A indústria do tráfico de drogas é a entidade que movimenta as maiores

(7)

cifras no mercado mundial. A falta de perspectiva de futuro dos jovens, a ânsia por experiências cada vez mais intensas, o isolamento, a perda de vínculos afetivos e sociais, e o sistema econômico, acabam por contribuir para uma sensação de vazio existencial que propicia o uso de drogas como sintoma de algo que não vai muito bem.

No segundo capítulo, apresentaremos algumas abordagens terapêuticas sugeridas por autores contemporâneos, como a estratégia de redução de danos que formula práticas que diminuem os danos para os usuários de drogas e para os grupos sociais com que convivem. Veremos ainda sobre intervenções breves, e terapia cognitivo comportamental, realizadas por profissionais com diferentes tipos de formação.

O estudo ainda abordará a terapia e acompanhamento do dependente químico através da psicanálise. Compreender o motivo do uso de drogas, o uso como sintoma e a recaída que envolve diversos aspectos e possibilidades.

(8)

7

1 DROGAS

A vida, tal como a encontramos, é árdua demais para nós: proporciona-nos muitos sofrimentos, decepções e tarefas impossíveis. A fim de suportá-la, não podemos dispensar as medidas paliativas (FREUD, 1996).

Uma leitura atenta sobre as observações de Freud sobre o tema drogas, no contexto de sua exposição sobre as dificuldades experienciadas pelos homens na existência civilizada, permite intuir as razões por que um grande número de pessoas tem seguido esse caminho. Afinal, de maneira quase mágica e instantânea, o seu uso possibilita a produção de sensações de prazer e ao mesmo tempo, livra, pelo menos momentaneamente dos sofrimentos, das aflições e desgostos trazidos pela realidade.

Neste sentido, uma primeira atitude lúcida na abordagem esse assunto delicado seria não negar o enorme potencial de sedução presente no mundo das drogas.

Outra forma de conceituar droga é olharmos a definição segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). Define que droga é qualquer substância natural ou sintética que, administrada por qualquer via no organismo, atua sobre o cérebro, modifica seu funcionamento, altera as sensações, o humor, o grau de consciência, o estado emocional, bem como outras funções psicológicas e comportamentais.

1.1 ASPECTOS HISTÓRICOS

O uso de substâncias psicoativas é tão antigo quanto a história do homem, entretanto, um importante fator a ressaltar é que essas substâncias eram utilizadas sobretudo com fins ritualístico-religiosos ou para suportar as adversidades ambientais, como o hábito de mascar folhas de coca e tabaco para suportar a fome e a fadiga (DIEHL et al., 2011).

Já em 4.000 anos a.C., os sumérios, que ocupavam a região que hoje corresponde geograficamente ao Irã, faziam uso da papoula de ópio, que era conhecida como “planta da alegria”, como uma forma de obter contato com os deuses. Em diversos arquivos históricos de arquitetura e artesanato dessa época encontram-se retratadas as alusões à papoula ou aos estados de torpor decorrentes

(9)

de seu uso nesses rituais. Por volta de 2.000 a.C., o uso da Cannabis (maconha) com finalidades terapêuticas e ritualísticas era difundido na China, na Índia e no Egito. Também sobre o Egito Antigo, são encontrados, na mesma época, registros de pinturas e desenhos denotando estados de embriaguez pelo uso excessivo de álcool, representados por homens sendo carregados por diversos outros, após o uso da substância. Em meados dos anos 500 a.C., o povo Cita, antigos habitantes da região do Rio Danúbio e do Rio Volga, queimava haxixe, um derivado de maior concentração da Cannabis, durante os rituais religiosos de luto (DIEHL et al., 2011).

A síntese da cocaína acontece por volta de 1580, isolando-se a substância ativa da folha de coca. Mas seu uso é bastante difundido somente a partir de 1800, sendo consumida a princípio pelas propriedades analgésicas e anestésicas. Foi usada como tonificante e fortificante, numa infusão de álcool com folhas de coca, e da Coca-cola, no início composta de várias substâncias com efeitos estimulantes, seu uso recreativo difundiu-se rapidamente entre as elites intelectuais.

No meio médico, Freud foi um dos primeiros a recomendar o uso da cocaína, por suas propriedades antidepressivas e analgésicas, além de ele próprio ter feito uso, por vários anos. Chegou a prescrever a cocaína para um amigo, Ernst von Fleischl-Marxow, que era dependente de morfina, resultando em sua morte por

overdose de cocaína.

Apesar dos efeitos aparentemente benéficos, seu uso se alastrou com rapidez pelo mundo. Na época, já se observavam as diversas consequências danosas decorrentes de seu consumo, provocando alterações de comportamento, aumento da agressividade e estabelecendo dependência, o que levou à subsequente proibição de seu uso.

Com o início da Revolução Industrial, um cenário de importantes mudanças sociais e comerciais, marcado, sobretudo, pela transição do modelo artesanal de trabalho para o modelo industrial de produção em série, com intensa exploração do trabalhador, baixos salários e condições subumanas de produção, o álcool adquire um papel importante, no momento em que passa a ser usado de forma abusiva por operários, como forma de alívio para as péssimas condições de trabalho e de vida na época. Mas na década de 1850 esse uso de álcool passa a ser percebido como algo realmente problemático.

(10)

Com o aparecimento da AIDS na década de 1980 e a importante associação da transmissão do vírus pelo uso de drogas injetáveis e com as sucessivas mortes pela doença entre esses usuários, as instituições de saúde mundiais passaram a dar maior atenção a esse fenômeno. Em diversos países da Europa começaram a ser organizados movimentos no sentido de minimizar danos e riscos decorrentes do uso de drogas, como a Experiência de Liverpool, na Inglaterra, na qual médicos prescreviam heroína para os usuários como forma de diminuir os riscos de overdose, e os primeiros centros de distribuição e troca de agulhas e seringas na Holanda e na Inglaterra, entre 1986 e 1987. Diversas práticas aos poucos foram se difundindo ao redor do mundo, como a distribuição de seringas descartáveis, a criação de salas de uso seguro e a comercialização, na Holanda, de drogas consideradas mais leves, em detrimento do uso daquelas consideradas pesadas e de maior risco, como a heroína e a cocaína, pelos estabelecimentos de pontos comercias de venda e uso (DIEHL et al., 2011).

Na década de 1980, com a invenção do crack, um derivado mais barato da cocaína, como forma de aproveitar o sobressalente de menor qualidade de sua depuração, observou-se também uma grande migração de usuários de drogas injetáveis para o uso de crack, pelo medo da contaminação com o vírus da AIDS. Com o passar dos anos, vê-se uma rápida expansão do uso dessa droga ao redor do mundo, falando-se atualmente de uma epidemia de crack, o que configura um grave problema de saúde pública. Tanto isso é verdade que tem sido verificada a migração para o crack de usuários de outras drogas e o rápido desenvolvimento de dependência com pouco tempo de uso entre pessoas de todas as idades e classes sociais.

Em O tratamento do usuário de Crack, 2012, temos um breve relato desse acontecimento:

O Crack surgiu entre 1984 e 1985 em bairros pobres e marginalizados de Los Angeles, Nova York e Miami. Era obtido a partir de um processo caseiro e utilizado em grupos, em casas abandonadas e precárias (chamadas crack houses). Os cristais eram fumados em cachimbos e estralavam (cracking) quando expostos ao fogo, daí o nome da droga. Essa substância produzia uma euforia de grande magnitude e curta duração, seguida de fissura intensa e desejo por uma nova dose.

Em geral, os usuários de crack eram, em sua maioria, jovens, usuários de cocaína refinada atraídos pelo baixo preço da substância, usuários de maconha e poliusuários, que o adicionaram a seu padrão de consumo, e, ainda, indivíduos que adotaram o crack como sua primeira substância. Após o advento da aids, usuários de cocaína por via intravenosa, geralmente

(11)

mais velhos, também optaram pelo crack em busca de vias de administração mais seguras, sem diminuição da intensidade dos efeitos. O baixo preço também atraiu novos consumidores, de estratos sócias mais baixos, que pagavam por dose consumida (RIBEIRO; LARANJEIRA, 2012, p. 33).

Pela observação do uso de substâncias psicoativas ao longo da História, é possível concluir que inicialmente o uso estava de fato mais ligado a uma forma de lidar com as adversidades ou a rituais religiosos. Com ligeira oscilação, as substâncias psicoativas foram sendo incorporadas de forma gradativa pela cultura como uma “mercadoria”, influenciadas também pelo comportamento da sociedade de consumo. Nos dias atuais, a indústria do tráfico de drogas é a entidade que movimenta as maiores cifras no mercado mundial. Além disso, a falta de perspectiva de futuro dos jovens, a ânsia por experiências cada vez mais intensas, o isolamento e a perda de vínculos afetivos e sociais acabam por contribuir para uma sensação de vazio existencial que propicia o uso de drogas como estratégia de enfrentamento dessas dificuldades (DIEHL et al., 2011).

1.2 CLASSIFICAÇÃO E EFEITOS

As drogas são popularmente conhecidas pelo seu caráter lícito ou ilícito. Do ponto de vista médico, elas são classificadas de acordo com sua forma de agir no cérebro, modificando a atividade do sistema nervoso central. Conhecemos então drogas que são depressoras ou estimulantes da atividade cerebral e ainda as que causam alucinações.

Quadro 1: Classificação das drogas do ponto de vista legal

Drogas lícitas Drogas ilícitas

- São aquelas comercializadas de forma legal, podendo ou não estar submetida a algum tipo de restrição, como o álcool, cuja venda é proibida a menores de 18 anos, e alguns medicamentos que só podem ser adquiridos por meio de prescrição médica especial.

- São as proibidas por lei.

Ex.: maconha, cocaína, crack, etc...

A classificação das substâncias psicoativas podem também acontecer de formas diferentes para alcançar objetivos específicos. Neste caso queremos apresentar estas substâncias a partir da ação das mesmas no organismo humano conforme a obra Panorama Atual de Drogas e Dependências (2006).

(12)

As drogas depressoras são aquelas que tornam mais lento o funcionamento do sistema nervoso central (SNC). Em decorrência dessa lentificação, pode aparecer sonolência, que depende da quantidade de droga ingerida pela pessoa. Por causar estes efeitos, algumas dessas substâncias também são chamadas de “sedativos” ou “hipnóticos”. Várias delas são usadas com fins médicos, como os benzodiazepínicos, os opiáceos, os indutores de sono e a anestesia.

Quanto às drogas estimulantes, essas provocam uma aceleração do funcionamento mental e modificam o comportamento, provocando agitação, excitação, insônia e outros efeitos. A cocaína, as anfetaminas e a nicotina são as mais associadas a problemas físicos, mentais e sociais no Brasil.

Podemos ainda classificar as drogas como perturbadoras e alucinógenas. São denominadas perturbadoras as plantas e as substâncias que, quando ingeridas, produzem uma série de distorções qualitativas no funcionamento do cérebro, como delírios, alucinações e alteração na capacidade de discriminar medidas de tempo e espaço (ex. maconha). Esse conjunto de efeitos caracteriza um estado que os usuários conhecem como “viagem”.

Em seu artigo Über Coca, Freud descreve alguns efeitos sentidos ao usar e ao pesquisar outros usuários:

O efeito psíquico da Cocainum muriaticum em doses de 0,05-0,10g consiste em exaltação e euforia duradoura, em nada diferente da euforia normal de uma pessoa saudável. A sensação de excitação que acompanha o estímulo por álcool está de todo ausente; também não se verifica a característica necessidade de atividade imediata que o álcool produz. A pessoa sente um aumento do autocontrole, maior vigor e capacidade para o trabalho. Por outro lado, ao trabalhar, sente falta da intensificação das capacidades mentais promovida pelo álcool, chá ou café. A pessoa está simplesmente normal e logo acha difícil acreditar que se encontra sob a influência de alguma droga. Isso dá a impressão de que o estado de ânimo produzido por tais doses de coca se deve, não tanto à estimulação direta, quanto ao desaparecimento de componentes que, no estado geral de bem-estar, provocam a depressão. Poder-se-ia talvez supor que a euforia resultante da boa saúde também nada mais é do que a condição normal de um córtex cerebral bem nutrido que “não está consciente” dos órgãos do corpo a que pertence. Esta fase de atuação da cocaína não é percebida senão pelo surgimento daqueles sintomas que têm sido descritos como o maravilhoso efeito estimulante da coca. O trabalho mental ou físico de longa duração e intensidade pode ser executado sem fadiga. É como se a necessidade de alimento e de sono, que em outras circunstâncias se faz sentir marcadamente em determinados momentos do dia, houvesse desaparecido inteiramente. Enquanto perduram os efeitos da cocaína, a pessoa poderá comer fartamente sem repulsa, se instada a fazê-lo, mas tem a clara sensação de que a refeição é supérflua. De igual modo, à medida que o efeito da coca diminui, é possível deitar-se e dormir, mas o sono pode ser dispensado com a mesma facilidade, sem consequências desagradáveis.

(13)

Durante as primeiras horas de efeito da coca, não se consegue dormir, mas essa insônia não é de maneira alguma penosa. Eu mesmo experimentei cerca de uma dúzia de vezes esse efeito da coca, que afasta a fome, o sono e a fadiga e robustece a pessoa para o esforço intelectual; não tive oportunidade de me ocupar com trabalho físico (http://www.appoa.com. br/uploads/arquivos/revistas/revista26_-_uber_coca.pdf, p. 112).

1.3 PADRÃO DE USO

A partir dos padrões de consumo e suas complicações é possível determinar a diferença entre uso nocivo e dependência.

O primeiro é caracterizado pela presença de danos físicos e mentais decorrentes do uso, no entanto, não há presença de complicações crônicas relacionadas ao consumo, como a síndrome de abstinência, a cirrose hepática, desnutrição, entre outras.

Já a dependência, é identificada a partir de um padrão de consumo constante e descontrolado, uma relação disfuncional entre um indivíduo e seu modo de consumir uma determinada substância psicotrópica, visando principalmente a aliviar sintomas de mal-estar e desconforto físico e mental, conhecidos por síndrome de abstinência. Frequentemente, há complicações clínicas, mentais e sociais concomitantes (Guia prático sobre uso, abuso e dependência de substâncias psicotrópicas para educadores e profissionais da saúde, 2006).

Apresentamos a seguir quadro explicativo sobre padrão de consumo:

Uso na vida - qualquer uso (inclusive um único uso experimental) alguma

vez na vida.

Uso no ano - uso, ao menos uma vez, nos últimos 12 meses que

antecederam a pesquisa.

Uso no mês - uso, ao menos uma vez, nos últimos 30 dias que

antecederam a pesquisa.

Uso frequente - uso, em 6 ou mais vezes, nos últimos 30 dias que

antecederam a pesquisa.

Uso pesado - uso, em 20 ou mais vezes, nos últimos 30 dias que

antecederam a pesquisa.

Uso abusivo - padrão de uso que tenha causado um dano real à saúde

física ou mental do usuário, mas a pessoa ainda não preenche critérios para ser considerada dependente.

Dependência - conjunto de sinais e sintomas que determinam que a pessoa

(14)

1.4 DEPENDÊNCIA DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS

A dependência de substâncias psicoativas é identificada a partir de um padrão de consumo constante e descontrolado, visando principalmente aliviar sintomas de mal-estar e de desconforto físico e mental, surgindo uma relação disfuncional entre um indivíduo e seu modo de consumir uma determinada substância.

De acordo com Marlatt (1993), antes do uso problemático de uma substância psicoativa ser vista como uma doença, esta era muitas vezes vista como um problema de “controle de impulso”, no qual faltava ao indivíduo força de vontade, fibra moral e capacidade de exercer controle apropriado sobre seu comportamento. Moralistas cristãos têm visto o alcoolismo como resultado de falhas morais e ato pecaminoso.

Nesta perspectiva, Marlatt e Gordon (1993, p. 6) relatam o conteúdo de um bilhete encontrado em meio a garrafas de vinho em um supermercado que dizia:

CORREÇÃO: NÃO É DOENÇA; É ESTUPIDEZ!!! Centenas de colunas em jornais e milhões de dólares têm sido usados na exposição e combate ao “abuso de drogas” e ao “alcoolismo”. “O abuso de drogas é aquilo que as pessoas infligem sobre si mesmas”, de acordo com um artigo publicado no Journal of Nervous and Mental Disease. Em outras palavras, considerando-se as conconsiderando-sequências, é simplesmente o caso de as pessoas usarem drogas – incluindo o álcool – para abusar de si mesmas. Obviamente, portanto, deveríamos admitir que o que é tão comumente denominado de “abuso de drogas” e “alcoolismo” não é doença, mas o resultado do exercício voluntário da estupidez. O registro oficial de Deus acrescenta estes fatos: “Você sabe que o indigno não herdará o reino de Deus? Não se engane; nem fornicadores, nem idólatras, nem adúlteros, nem afeminados, nem aqueles que abusam de si mesmos, nem ladrões, nem mentirosos, nem avarentos, nem beberrões, nem caluniadores, nem usuários, herdarão o Reino de Deus”. É chegada a hora do arrependimento!

Com o avanço das pesquisas, verificamos uma abordagem focada mais no orgânico, em fatores fisiológicos. Finalmente chegamos a algumas conclusões mais brandas e empíricas, onde um conjunto de fatores contribui para que o indivíduo se torne dependente de determinado produto. Dentre tantos fatores podemos citar a susceptibilidade à dependência, fatores genéticos, fatores ambientais e estresse. O dependente químico é um indivíduo em crise, em conflito consigo mesmo e/ou com a família e/ou com a sociedade. Emotivamente frágil, incapaz de estabelecer relações

(15)

interpessoais bem sucedidas, refugia-se na droga para não experimentar a angústia diante de situações difíceis nas quais se sente desconfortável.

E assim começamos a definir dependência de substâncias psicoativas, dizendo que há uma relação alterada entre o usuário e o seu modo de consumo. Qualquer consumo de substâncias psicoativas e psicotrópicas, é influenciado por uma série de fatores que diminuem ou aumentam o risco de complicações agudas e crônicas. Com o passar do tempo, cada um desenvolve um padrão particular de consumo. Este padrão é constantemente influenciado por uma série de fatores de proteção e risco de natureza biológica, psicológica e social.

A interação destes fatores determina a evolução do consumo da substância usada. Ressalta-se que nunca um fator de risco isolado leva à dependência.

Para ilustrar apresentamos a seguir quadro explicativo sobre fatores de risco:

Quadro 2: Fatores de risco para o surgimento da dependência química BIOLÓGICOS

- Predisposição genética.

- Capacidade do cérebro de tolerar presença constante da substância. - Capacidade do corpo em metabolizar a substância.

- Natureza farmacológica da substância, tais como potencial de toxicidade e dependência, ambas influenciadas pela via de administração escolhida.

PSICOLÓGICOS

- Distúrbios do desenvolvimento.

- Morbidades psiquiátricas: ansiedade, depressão, déficit de atenção e hiperatividade, transtornos de personalidade.

- Problemas/alterações do comportamento.

- Baixa resiliência e limitado repertório de habilidades sociais. - Expectativa positiva quanto aos efeitos das substâncias de abuso.

SOCIAIS

- Estrutura familiar disfuncional: violência doméstica, abandono, carências básicas. - Exclusão e violência social.

- Baixa escolaridade.

- Oportunidades e opções de lazer precárias. - Pressão de grupo para o consumo.

- Ambiente permissivo ou estimulador do consumo de substâncias.

Fonte: Guia Prático sobre Uso, Abuso e Dependência de Substâncias Psicotrópicas para Educadores e Profissionais da Saúde. Prefeitura da cidade de São Paulo, 2006, p. 19.

O CID-10 (Classificação Internacional de Doenças) e o DSM-IV (Diagnostic and Statistical Manual)1, são dois critérios diagnósticos que servem para ajudar o profissional de saúde a classificar a doença em questão.

(16)

Critério da CID-10 para Uso Nocivo (ou prejudicial) de substâncias: Padrão de uso que causa prejuízo físico ou mental à saúde, que tenha causado um dano real à saúde física ou mental do usuário, sem que os critérios para dependência sejam preenchidos.

Critérios da CID-10 para Dependências de substâncias: Um diagnóstico definitivo de dependência só pode ser feito se 3 ou mais dos seguintes critérios tiverem sido detalhados ou exibidos em algum momento do último ano.

(a) forte desejo ou senso de compulsão para consumir a substância;

(b) dificuldades em controlar o comportamento de consumir a substância, em termos de início, término e níveis de consumo;

(c) estado de abstinência fisiológico, quando o uso da substância cessou ou foi reduzida, como evidenciado por síndrome de abstinência característica para a substância, ou o uso da mesma substância com a intenção de aliviar ou evitar sintomas de abstinência;

(d) evidência de tolerância, de tal forma que doses crescentes da substância psicoativa são requeridas para alcançar efeitos originalmente produzidos por doses mais baixas;

(e) abandono progressivo de prazeres e interesses alternativos, em favor do uso da substância psicoativa, aumento da quantidade de tempo necessária para obter ou ingerir a substância ou para se recuperar de seus efeitos; (f) persistência no uso da substância, a despeito de evidência clara de consequências manifestamente nocivas, tais como: danos ao fígado, por consumo excessivo de bebidas alcoólicas; estados de humor depressivos, consequentes a períodos de consumo excessivo da substância; ou comprometimento do funcionamento cognitivo, relacionado à droga. Nesse caso, deve-se fazer esforço para determinar se o usuário estava realmente (ou se poderia esperar que estivesse) consciente da natureza e extensão do dano (SUPERA, 2006, p. 4).

Transtornos Mentais e de Comportamento: os transtornos provocados pelo uso de substâncias são codificados por uma letra e dois números. Os diagnósticos relacionados ao uso de substâncias psicoativas, incluindo as bebidas alcoólicas, têm sempre a letra F seguida por dois números que vão de 10 a 19.

Estes são os códigos da CID-10 que indicam a que tipo de substância psicoativa o transtorno está associado:

"Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de substância psicoativa":

F10 - Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de álcool. F11 - Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de opiáceos. F12 - Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de canabinóides (maconha).

F13 - Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de sedativos e hipnóticos.

(17)

F15 - Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de outros estimulantes, inclusive a cafeína.

F16 - Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de alucinógenos.

F17 - Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de fumo (tabaco).

F18 - Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de solventes voláteis.

F19 - Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de múltiplas drogas e ao uso de outras substâncias psicoativas.

Um terceiro número deve ser acrescentado ao código para indicar o tipo de transtorno:

0 - Intoxicação aguda. 1 - Uso nocivo para a saúde. 2 - Síndromes de dependência. 3 - Síndrome [estado] de abstinência. 4 - Síndrome de abstinência com delirium. 5 - Transtorno psicótico.

6 - Síndrome amnésica.

7 - Transtorno psicótico residual ou de instalação tardia. 8 - Outros transtornos mentais ou comportamentais.

9 - Transtorno mental ou comportamental não especificado (SUPERA, 2006, p. 3).

Para melhor entendimento, colocamos a seguir os critérios necessários para caracterizar dependência química, conforme DSM IV:

Critérios para Dependência de Substância

Um padrão mal-adaptativo de uso de substância, levando a prejuízo ou sofrimento clinicamente significativo, manifestado por três (ou mais) dos seguintes critérios, ocorrendo a qualquer momento no mesmo período de 12 meses:

(1) tolerância, definida por qualquer um dos seguintes aspectos:

(a) uma necessidade de quantidades progressivamente maiores da substância para adquirir a intoxicação ou efeito desejado.

(b) acentuada redução do efeito com o uso continuado da mesma quantidade de substância.

2) abstinência, manifestada por qualquer dos seguintes aspectos:

(a) síndrome de abstinência característica para a substância (consultar os Critérios A e B dos conjuntos de critérios para Abstinência das substâncias específicas)

(b) a mesma substância (ou uma substância estreitamente relacionada) é consumida para aliviar ou evitar sintomas de abstinência

(3) a substância é frequentemente consumida em maiores quantidades ou por um período mais longo do que o pretendido

(4) existe um desejo persistente ou esforços mal-sucedidos no sentido de reduzir ou controlar o uso da substância

(5) muito tempo é gasto em atividades necessárias para a obtenção da substância (por ex., consultas a múltiplos médicos ou fazer longas viagens de automóvel), na utilização da substância (por ex., fumar em grupo) ou na recuperação de seus efeitos

(18)

(6) importantes atividades sociais, ocupacionais ou recreativas são abandonadas ou reduzidas em virtude do uso da substância

(7) o uso da substância continua, apesar da consciência de ter um problema físico ou psicológico persistente ou recorrente que tende a ser causado ou exacerbado pela substância (por ex., uso atual de cocaína, embora o indivíduo reconheça que sua depressão é induzida por ela, ou consumo continuado de bebidas alcoólicas, embora o indivíduo reconheça que uma úlcera piorou pelo consumo do álcool)

Especificar se:

Com Dependência Fisiológica: evidências de tolerância ou abstinência (isto é, presença de Item 1 ou 2).

Sem Dependência Fisiológica: não existem evidências de tolerância ou abstinência (isto é, nem Item 1 nem Item 2 estão presentes) (www.psiquiatriageral.com.br/dsm4/sub_index.htm).

Os quadros apresentados acima indicam diagnósticos de transtornos devido ao consumo de substâncias psicoativas (CID-10), e do diagnóstico da própria dependência química a partir do DSM-IV.

1.5 PRINCIPAIS COMPLICAÇÕES CAUSADAS PELO USO DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS

As complicações clínicas ou orgânicas e sociais, causadas pelo consumo de substâncias como o álcool, tabaco ou de drogas ilícitas, a maconha, cocaína, LSD, e outros, são hoje bem conhecidas e consideradas um problema de saúde pública. O tabaco, por exemplo, foi o maior fator responsável pelas mortes nos Estados Unidos, em 1990, contribuindo substancialmente para as mortes relacionadas a neoplasias, doenças cardiovasculares, doenças pulmonares, baixo peso ao nascimento e queimaduras. Cerca de um terço dos acidentes vasculares cerebrais em adultos jovens está associado ao consumo de drogas. Entre indivíduos de 20 a 30 anos, esse índice chega a 90%. (Usuários de substâncias psicoativas: abordagem, diagnóstico e tratamento, 2003).

(19)

Figura 1: Esquema sobre a relação entre uso de álcool e outras drogas e problemas sociais, de saúde física ou mental

Fonte: Adaptado de Babor et al. (2003).

Se observarmos o quadro acima, percebemos que a forma, o padrão e quantidade de uso de álcool e outras drogas, estará trazendo efeitos de acordo com o consumo. Haverá problemas inicialmente com o próprio indivíduo, porém este afetará o meio familiar e dependendo da quantidade e do padrão de consumo, é possível apontar algumas consequências que podem ser de ordem social ou ainda resultarem em doenças crônicas.

Em cada caso, a ocorrência de danos pode ser relacionada a um ou mais mecanismos diferentes e depende do tipo e da forma de uso da substância e da quantidade utilizada. A gravidade dos danos vai depender também de fatores, que variam de pessoa para pessoa e que podem ser fatores de proteção ou de maior vulnerabilidade (física, psicológica ou social).

1.6 COMPLICAÇÕES CLÍNICAS E PSICOLÓGICAS

As complicações clínicas são resultados de um uso de drogas nocivo à saúde do indivíduo. Diagnosticá-las a tempo permite que, na maioria das vezes, sejam passíveis de tratamento e recuperação completa. Muitos indivíduos recusam-se a admitir que recusam-seus problemas estejam ligados com o uso da droga, mas, devido à

(20)

gravidade de seu quadro, aceitam iniciar o tratamento. Quando surgem complicações clínicas, muitas vezes servem como facilitadores e até estimuladores para a continuidade da abstinência.

Estaremos a seguir, apresentando algumas complicações clínicas de acordo com, Panorama Atual de Drogas e Dependências (2006):

Sistema Nervoso

- Neuropatia periférica: 5 a 15 % dos alcoolistas.

- Transtornos mentais orgânicos, temporários ou permanentes, tanto pelo efeito direto do álcool, como por deficiência de vitaminas específicas (Sd. De Wernicke e Sd. De Wernicke-Korsakoff) em cerca de 5% dos pacientes.

- Incoordenação motora permanente por degeneração cerebelar em menos de 1% dos pacientes.

- Risco aumentado de acidentes vascular cerebral do tipo hemorrágico. - Demência alcoólica.

Sistema Cardiovascular

- Estima-se que 25% dos alcoolistas desenvolvem algum tipo de comprometimento cardiovascular.

- Miocardiopatias.

- Hipertensão arterial sistêmica. - Dislipidemias.

- É importante lembrar que o álcool pode diminuir os sinais dolorosos de alerta enquanto aumenta a lesão cardíaca potencial ou a isquemia em pacientes com angina.

Sistema Hematológico

- Anemia megaloblástica, provavelmente relacionada à deficiência de ácido fólico.

- Leocopenia.

- Produção reduzida dos fatores da coagulação e plaquetas.

- As diminuições em vários aspectos do sistema imunológico podem contribuir para o aumento da vulnerabilidade a tuberculose, infecções virais ou bacterianas e neoplasias.

Sistema Reprodutivo e Função Sexual

- As alterações no sistema reprodutivo são, em geral, temporárias e com melhora após cerca de três a quatro meses de abstinência.

- Redução na produção de esperma.

- Redução na produção e defeitos na mobilidade do esperma. - Produção reduzida de testosterona e impotência nos homens. - Irregularidades menstruais nas mulheres.

- Aumento da prevalência de abortos espontâneos entre mulheres alcoolistas (SILVEIRA, 2006, p. 138).

Freud em 1883 mostrou-se interessado pela cocaína após a leitura de um artigo de Aschenbrandt que descreve o seu efeito em soldados. Freud experimentou por várias vezes bem como solicitava a seus colegas que também usassem para somar informações a sua pesquisa. Em seu artigo Über Coca, 1884, ele descreve algumas complicações observadas naquela época:

(21)

Mantegazza refere-se aos seguintes efeitos ocasionais da coca: eritrema temporário, aumento da quantidade de urina, ressecamento da conjuntiva e das mucosas nasais. O ressecamento das mucosas da boca e da garganta é um sintoma habitual, que dura horas. Alguns observadores (Marvaud, Collan) falam de um ligeiro efeito catártico. Diz-se que a urina e as fezes adquirem o cheiro da coca. Diferentes observadores fornecem descrições muito diversas do efeito sobre o ritmo do pulso. Segundo Mantegazza, a coca provoca rapidamente uma intensificação considerável no ritmo do pulso, que se acelera ainda mais com doses maiores. Collins também notou aceleração do pulso depois da ingestão de coca, enquanto Rossier Demarle e Marvaud experimentaram, após a aceleração inicial, um retardamento do ritmo do pulso de duração mais longa. Sob efeito da coca, Christison observou que o esforço físico lhe causava menos aceleração no ritmo do pulso do que experimentara em outras circunstâncias. Reiss contesta qualquer efeito sobre o ritmo do pulso. Para mim, não é difícil explicar a razão dessa discordância: isto se deve, em parte, à variedade dos preparados utilizados (infusão quente das folhas, solução fria de cocaína, etc.) e ao modo como eram aplicados,* e em parte às variadas reações individuais. Com a coca, este último fator, como Mantegazza já havia relatado, é em geral muito importante. Diz-se haver pessoas que não conseguem de forma alguma tolerar a coca; por outro lado, não são poucos os que se mantêm insensíveis a 5cg, que é uma dose ativa para mim e para outros (www.appoa.com.br/uploads/arquivos/revistas/revista26_-uber_coca. pdf, p. 111).

Devemos ainda considerar que o uso abusivo de substâncias que modificam o funcionamento mental aumenta muito o risco de surgimento ou agravamento de transtornos mentais. Poderemos ter dificuldades de identificar o que é causa e o que é consequência. Algumas pessoas que sofrem de problemas psíquicos tendem a usar álcool ou outra droga, que por sua vez agravam os problemas já existentes. São chamados de comorbidades os quadros que ocorrem ao mesmo tempo (SUPERA, 2006).

1.7 COMPLICAÇÕES SOCIAIS

Podemos considerar que o funcionamento social é tão doentio quanto as doenças que produz. Bucher (1996) problematiza posicionamentos que levam a conclusões unilaterais, apontando que precisamos ir além dos questionamentos que buscam explicar e justificar como o usuário de drogas interfere na vida da família, da comunidade e da sociedade onde vive, nos permitindo, também, analisar como essas organizações interferem na vida desses sujeitos ao ponto deles se verem excluídos, marginalizarem-se ou entregarem-se às drogas.

Da mesma forma que em outros países, no Brasil, nas últimas décadas, tem ocorrido aumento significativo da criminalidade, da violência e da superlotação das

(22)

prisões. É nesse contexto que jovens e seus familiares se veem envolvidos por uma mistura de ausência de emprego estável com remuneração justa, falta de opções de lazer, dificuldades escolares, dificuldade de relacionamentos da família e convivência constante com atividades criminosas, violência, repressão policial e carência de políticas de assistência pública.

Nas famílias que tem melhores condições de vida, os problemas nos relacionamentos familiares também se associam ao aumento do consumo de álcool e outras drogas que, por sua vez, agravam a situação (SUPERA, 2006).

(23)

22

2 O TRATAMENTO NA DEPENDÊNCIA QUÍMICA

As primeiras abordagens terapêuticas para tratamento da dependência química datam do século XIX, embora existam relatos e quadros de alcoolismo desde a antiguidade. Devido à complexidade, ainda hoje são realizadas pesquisas que buscam avaliar quais tratamentos sejam mais eficazes.

A dependência química resulta da interação de vários aspectos da vida do indivíduo: biológico, psicológico e social. Desse modo, as intervenções devem ser diferenciadas para cada indivíduo e devem considerar todos os aspectos envolvidos. Neste capítulo estaremos apresentando alguns modelos de tratamento usados atualmente que procuram auxiliar no processo de recuperação e orientação diante do uso, abuso ou dependência de drogas lícitas ou ilícitas.

2.1 REDUÇÃO DE DANOS

Na década de 20, a Inglaterra, diante da dificuldade de ter acesso aos usuários de heroína injetável, e sem a possibilidade de tratá-los de uma dependência grave e de evolução fatal, desenvolveu intervenções denominadas redução de danos, como administrar a própria substância para esses usuários (DIEHL et al., 2011).

Para Duarte e Andrade (2011), redução de danos constitui uma estratégia de abordagem dos problemas com as drogas que não parte do princípio de que deve haver imediata e obrigatória extinção do uso de drogas, seja no âmbito da sociedade, seja no caso de cada indivíduo, mas que formula práticas que diminuem os danos para os usuários de drogas e para os grupos sociais com que convivem.

Constituíram o impulso inicial das estratégias de Redução de Danos, as ações voltadas para a diminuição dos riscos de contaminação com micro-organismos por via injetável ou por via sexual. Em seguida, outras práticas de risco se tornaram foco de ações de Redução de Danos, entre elas os problemas com drogas não injetáveis, como é o caso do crack nos dias de hoje.

Em Integração de competências no desempenho da atividade judiciária com

usuários e dependentes de drogas (2011), lemos, “no Brasil, as estratégias de

Redução de Danos foram implementadas em decorrência da preocupação com o crescimento do contágio com o HIV entre usuários de drogas injetáveis.” Troca de

(24)

seringas usadas por seringas estéreis e descartáveis, distribuição de preservativos, disponibilização de informações sobre como utilizar o equipamento de injeção com menos risco de contaminação e cuidados para a prática de sexo seguro, são estratégias adotadas. Estas estratégias sempre são discutidas com o paciente.

No tratamento baseado em Redução de Danos, os objetivos, as metas intermediárias e os procedimentos são discutidos com o paciente e não impostos. A interrupção do uso de drogas quase sempre é um dos objetivos, mas outros avanços são valorizados, como evitar colocar-se em risco, melhorar o relacionamento familiar e recuperar a atividade profissional. A participação do paciente nas escolhas das metas e etapas do tratamento valoriza e aumenta sua motivação e engajamento. Por trajetórias diversas, muitos têm histórias de relacionamentos conturbados com figuras significativas, e esse é um dos motivos pelos quais é comum que pessoas com problemas com drogas tenham problemas com sua autoestima. Essa insegurança é agravada pelas sucessivas perdas decorrentes do uso de drogas. Por isso, reagem de forma negativa e intensa quando se sentem controladas ou criticadas em suas opções (DUARTE; ANDRADE, 2011, p. 301).

Os usuários também recebem informações sobre serviços de saúde para a realização de exames e de tratamento para problemas clínicos e para a dependência de drogas. Percebemos que a atividade de troca de seringa, por exemplo, não é um fim em si, mas um serviço oferecido com muitos outros cujo objetivo geral é a preservação da saúde.

2.2 INTERVENÇÃO BREVE

A intervenção breve é considerada uma intervenção psicossocial para o tratamento de transtornos por uso de substância. Conforme Diehl et al. (2011), hoje é evidente a eficácia da intervenção breve em reduzir o consumo e os problemas ligados ao álcool, e também aparece como a intervenção mais eficaz em reduzir os riscos ao álcool em serviços de rede de atenção básica de saúde.

A intervenção breve refere-se a uma estratégia de intervenção bem estruturada, focal e objetiva, que utiliza procedimentos técnicos, permitindo estudos sobre sua efetividade. Um objetivo importante da intervenção breve é ajudar no desenvolvimento da autonomia das pessoas, atribuindo-lhes a capacidade de assumir a iniciativa e a responsabilidade por suas escolhas.

A intervenção breve pode ser realizada por profissionais com diferentes tipos de formação, como: médicos, psicólogos, enfermeiras, auxiliares de enfermagem,

(25)

nutricionistas, assistentes sociais, agentes comunitários e outros profissionais da saúde (SUPERA, 2006).

A seguir apresentamos algumas considerações importantes para a realização de uma boa intervenção:

1. Evite usar rótulos, jargões, como: alcoólatra, maconheiro, drogado etc. Isto só intimida e envergonha o paciente, dificultando o estabelecimento do vínculo necessário para uma boa intervenção;

2. Procure fazer perguntas abertas, como: "me fale mais sobre seu consumo de maconha...";

3. Procure fazer a chamada Escuta Reflexiva, que é um modo de demonstrar o entendimento do que o paciente lhe diz. Por exemplo: "você está querendo me dizer que o seu consumo está causando problemas em seu trabalho?" ou "Se eu entendi bem, você disse que costuma beber grandes quantidades quando está com seus amigos de trabalho...". Isto evita que o paciente negue alguma afirmação já feita, mencionando que não foi isto que ele quis dizer, ou que você entendeu errado;

4. Procure demonstrar sensibilidade e empatia, sendo sempre receptivo às questões abordadas pelo paciente;

5. Procure aumentar a consciência do paciente sobre os benefícios relacionados a sua mudança de comportamento. Mostre a ele que as coisas podem melhorar, mas que isso depende principalmente de um posicionamento dele (responsabilidade). Reforce sua liberdade de escolha; 6. Sempre encoraje o paciente e reforce sua autoeficácia (self-efficacy), em relação aos comportamentos que ele gostaria de mudar. Diga que você confia nele, que acredita em sua capacidade de mudar;

7. Preste atenção à comunicação não-verbal do paciente, ou seja, se ele parece agitado, inquieto, nervoso, etc... (SUPERA, 2006, p. 8).

Conforme Diehl et al. (2011, p. 244), a intervenção breve, uma vez aplicada, pode:

1. facilitar o diagnóstico precoce de problemas ligados ao álcool; 2. diminuir o consumo de risco;

3. prevenir problemas ligados ao consumo;

4. prevenir o desenvolvimento de quadros mais graves;

5. encaminhar pacientes com quadros mais graves a serviços especializados.

Segundo Diehl et al. (2011), no Brasil a intervenção breve precisa ser melhor organizada, como vemos na citação a seguir:

Infelizmente, no Brasil, a inclusão de instrumentos de rastreamento e estratégias e IB nos serviços de atenção primária de saúde acontece de forma muito lenta. É necessário informar os profissionais sobre a existência desses serviços e da importância dessa intervenção, além de treiná-los de maneira adequada para poderem implementá-la (DIEHL et al., 2011, p. 250).

(26)

A intervenção breve poderá, se bem conduzida, evitar muitos danos à pessoa, pois haverá condições de verificar a situação e fazer os encaminhamentos necessários.

2.3 TERAPIA COGNITIVO COMPORTAMENTAL

Teoria desenvolvida por Aaron Beck2 na década de 1960, afirma que o que não conta é a vivência em sí, mas o significado que o indivíduo dá a essa vivência e o que ele interpreta com o que acontece (DIEHL et al., 2011).

Para Neufeld (2014), as intervenções visam produzir mudanças nos pensamentos, nos sistemas de significados e uma transformação emocional e comportamental duradoura, e proporcionar autonomia, alcançando assim o alívio ou a remissão total dos sintomas.

Diehl et al. (2011) afirmam que a terapia cognitivo-comportamental parte do pressuposto que cognições, pensamentos e emoções estão entre os fatores considerados precipitadores ou mantenedores do comportamento.

Grande parte da terapia cognitiva (TC) é devotada a técnicas de solução de problemas; os pacientes aprenderão a seguir os passos necessários, como definir o problema, gerar maneiras alternativas de resolvê-lo e implementar soluções alternativas.

2.4 TERAPIA E ACOMPANHAMENTO ATRAVÉS DA PSICANÁLISE

A psicanálise é convocada para realizar uma necessária transformação no foco do problema da toxicomania. O olhar deve se voltar para o sujeito e não para o objeto. E é com esse olhar que Freud, em seu texto O mal-estar na civilização (1930), menciona a intoxicação como uma estratégia muito eficaz para o apaziguamento da dor de existir.

Ao olharmos para o momento atual, verificamos que pouco mudou em relação ao tempo de Freud, que menciona:

2

BECK, A. T. The current state of cognitive therapy: a 40 year retrospective. Arch Gen Psychiatry, 62(9):953-9, 2005.

(27)

As exigências da sociedade tornam o viver dificílimo para a maioria das criaturas humanas, forçando-as com isso a se afastarem da realidade e dando origem às neuroses, sem que o excesso de coerção sexual traga maiores benefícios à coletividade (FREUD, 1996, p. 64).

Quando Freud (1996) afirma que a vida é árdua demais para nós, menciona também que existem três medidas paliativas a serem consideradas na tentativa de amenizar o sofrimento. “Derivativos poderosos, que nos fazem extrair luz de nossa desgraça; satisfações substitutivas, que a diminuem; e substâncias tóxicas, que nos tornam insensíveis a ela” (FREUD, 1996, p. 83).

Para Freud (1996), destes, o método mais atraente para evitar o sofrimento são as substâncias tóxicas, por agirem diretamente sobre a química do corpo humano e, assim, tornar os homens insensíveis à própria desgraça. Pois, segundo ele, "todo sofrimento nada mais é do que sensação; só existe na medida que o sentimos, e só o sentimos como consequência de certos modos pelos quais nosso organismo está regulado" (FREUD, 1996, p. 85). Nesse sentido, certas substâncias tóxicas "quando presentes no sangue ou tecidos provocam em nós, diretamente, sensações prazerosas, alterando tanto também as condições que dirigem nossa sensibilidade, que nos tornamos incapazes de receber impulsos desagradáveis" (FREUD, 1996, p. 86).

A tese freudiana sobre o recurso à substância tóxica, ao sintoma e ao tratamento psicanalítico fundamenta-se na clínica da neurose. A partir desta, que teve início com a investigação sobre a histeria, Freud teorizou sobre a morte do pai, elaboração que se encontra de forma detalhada no texto “Totem e tabu” (1912-1913), e, consequentemente, sua permanência como mito na realidade psíquica do ser humano. Dessa maneira, Freud defende que o pai tem função determinante na constituição da neurose, motivo pelo qual podemos estender a interpretação, afirmando que a função paterna é um fator determinante no recurso ao tóxico, compreendido como uma tentativa de amenizar os efeitos do recalque na neurose.

Neste momento, precisamos ainda lembra sobre a abordagem proposta no livro “ALCOOLISMO, DELINQÜÊNCIA, TOXICOMANIA: Uma Outra Forma de

Gozar” de Charles Melman (1992), o alcoolismo, a delinquência e a toxicomania são

discutidos como sintoma social, pois estão numa posição discursiva própria do discurso social.

(28)

A apresentação do livro é feito por Contardo Calligaris, que deixa bem claro que Melman (1992) “não se contenta em propor um entendimento: se o sintoma é social não tem porque o analista se eximir frente à responsabilidade de propor a partir de seu discurso respostas também sociais”. Afirma também que o alcoolismo fala da reinvindicação de um gozo que aparece ao sujeito como o lote exclusivo de um Outro seja ele feminino, seja ele capitalista. A toxicomania parece inventar um meio para continuar gozando de uma falta.

Percebemos na leitura de Melman (1992, p. 66), a toxicomania como um sintoma social.

Não basta que um grande número de indivíduos em uma comunidade seja atingido por algo para que isso se transforme em um sintoma social. É claro que pode haver um certo percentual de fóbicos em uma dada população sem que, no entanto, isto faça da fobia um sintoma social. Mas pode-se falar de sintoma social a partir do momento em que a toxicomania é de certo modo inscrita, mesmo que seja nas entrelinhas, de forma não explícita, não articulada como tal, no discurso que é o discurso dominante de uma sociedade em uma dada época. É somente neste sentido que podemos falar de sintoma social. E se é um sintoma, é certamente porque este sintoma vem dizer uma verdade que conhecemos e que temos todos lembrado, aquela mesma verdade já sublinhada por Freud em Mal-estar na civilização, onde ele fala, bem entendido, das drogas.

Assim, após as considerações de Freud e Melmann, poderemos construir um saber que permita pensar sobre a importância da terapia e do acompanhamento psicanalítico. Compreender que o uso de drogas vai muito além de um problema de saúde pública, mas envolve o sujeito em sua subjetividade e sua inclusão no meio social. A escuta através de um saber psicanalítico vai proporcionar uma oportunidade ímpar de reelaboração na vida do sujeito.

É necessário, portanto pontuar, que esta não é uma tarefa muito fácil para o psicanalista, considerando que as razões para o uso da droga são muito complexas, de natureza singular mas ao mesmo tempo de natureza social, econômica e de outros tantos determinantes.

Nogueira Filho (1999, p. 14-15) afirma que:

O psicanalista é um mestre da linguagem, um mestre disposto a ouvir se há uma verdade por aí sendo dita, sem o devido reconhecimento. Para além das intenções voluntárias, egóicas, narcísicas do enunciado. E esta não é uma tarefa fácil para o psicanalista quando o sujeito em ato é o toxicômano. O toxicômano reduplica a alienação que a linguagem impõe para o humano. O toxicômano é um desistente do jogo de linguagem, é um desistente da

(29)

simbolização. O toxicômano é aquele que encontrou um meio (a droga) para o prazer que aniquila com o passar do tempo, o próprio prazer. Não são poucos os usuários de drogas que reconhecem que o álcool, a cocaína, não exercem mais efeitos prazerosos e isto não é condição nem necessária nem suficiente para que abandonem o uso da droga.

Assim sendo, o psicanalista não trata a dependência química, mas trata de um sujeito que sofre de toxicomania. Nas toxicomanias tem-se uma formação sintomática, na qual há uma cristalização da posição do sujeito numa relação de exclusividade com a droga. Dando ênfase às questões do sujeito é possível o afastamento do paradigma da dependência química, para considerar a relação do sujeito com o tóxico. As toxicomanias se constroem enquanto sintoma quando o sujeito entra em uma relação tóxica com a droga, isto é, quando seu consumo passa a ser solução para seus conflitos psíquicos, não considerando qualquer ingestão de drogas como toxicomanias.

Nesse sentido, o processo de cura aposta numa mudança de posição subjetiva, no qual o analista deve abster-se de indicar qual a melhor saída para o sujeito. Diferentemente de outras correntes, para a psicanálise, a indicação de cura não significa abstinência ou não-abstinência, mas sim a escuta do desejo inconsciente (TOROSSIAN, 2004).

2.5 RECAÍDA

É difícil reconhecer que as diversas propostas terapêuticas estão longe de um sucesso absoluto, ainda mais, se este for medido exclusivamente pelo padrão da abstinência, e que usuários, dependentes ou não, continuarão existindo.

Bittencourt (1994), sinaliza a existência de um outro perigo, quanto à dificuldade de recuperação ou de reelaboração das questões singulares, quando afirma que o “equívoco básico, e perigoso do ponto de vista da saúde pública, é confundir a incapacidade ou a falta de motivação, num dado momento, para a abstinência, com a impossibilidade de reduzir os danos advindos desse consumo que persiste.”

Podemos constatar aqui que o uso de drogas faz parte da história, sempre existiu e sempre existirá. Bittencourt (1994, p. 72) afirma que:

(30)

Usuários problemáticos e não problemáticos das diversas substâncias psicoativas sempre existiram e sempre existirão no horizonte do humano, e tanto mercados existirão e serão criados desde que as necessidades que engendram o consumo se desloquem para novos produtos, por força da dinâmica social espontânea ou por força das injunções jurídicas, policiais ou de outra natureza.

Assim, certo de que teremos sujeitos com dificuldades maiores outros menores de ressignificação de sua vivência, do seu uso e abuso de drogas, olharemos para as mudanças alcançadas, mas que no decorrer da vida, experimentam o retorno à drogadição.

Ao olharmos a recaída pela abordagem da Prevenção da Recaída de Marlatt e Gordon (1993), verificamos a recaída como um processo transicional ou transacional, como uma série de eventos que podem ou não ser seguidos por um retorno aos níveis básicos do comportamento-alvo. Sem uma visão pessimista na qual a recaída é vista como um beco sem saída, fracasso do tratamento ou retorno ao estado de doença, entende-se que houve inicialmente um lapso como uma bifurcação na estrada, com um trajeto retornando ao nível de problema anterior ou recaída e ainda reinstalação da dependência química, e outro continuando na direção de uma mudança positiva.

Diante disso, a recaída é uma importante característica da dependência de substâncias psicoativas o que torna um problema primário no tratamento de abuso de drogas (STEWART, 2000), e o que tem levado ao desenvolvimento de técnicas de prevenção de recaída (LARIMER; PALMER; MARLATT, 1999). A recaída é o retorno ao uso do álcool aos mesmos níveis antes da intervenção terapêutica ou abstinência (MARLATT, 1993). Esse conceito pode ser estendido a todas as outras substâncias psicoativas.

As pessoas em tratamento para a dependência de substâncias psicoativas, após um período sem o uso da substância, seja de semanas, meses ou anos, ao tentarem fazer uso controlado ou esporádico da mesma, se não buscam ajuda de imediato, em breve voltam a apresentar os sintomas de dependência, isto é, ocorre a reinstalação da síndrome de dependência.

Considerando que o indivíduo inicia com o uso, o abuso, uso nocivo, ao atingir os padrões de dependência, parece não haver mais retorno para o consumo nos padrões de uso ou de abuso, mesmo após um período sem usar a substância. Ou seja, ao usar a substância, ocorre a reinstalação da síndrome de dependência. A

(31)

síndrome de dependência, processo que pode levar até anos para se desenvolver, pode reinstalar-se num prazo de 72 horas após a quebra da abstinência, como se houvesse uma “memória” irreversível (RAMOS; BERTOLOTE, 1997).

2.6 PROCESSOS DA RECAÍDA

O processo da recaída é complexo, mas podemos e precisamos buscar entendê-la se quisermos contribuir de algum modo. É relativamente fácil mudar nosso comportamento por algumas horas ou até por alguns dias, mas o difícil é manter a mudança projetada. Quando falamos em dependência química, a dificuldade é semelhante. Parar de usar drogas, sejam elas lícitas ou ilícitas, não representa o maior obstáculo, a manutenção desta proposta, que se torna normalmente penoso. Por ser um transtorno crônico, aumenta ainda mais as chances a lapsos e recaídas.

Ao estudarmos o modelo cognitivo-comportamental utilizado na Prevenção à Recaída de Marlatt, verificamos a recaída como uma retomada do antigo padrão de consumo e que o uso ocasional ou apenas um episódio, poderá ser considerado um lapso.

A recaída, isto é, o uso de drogas depois de um período de abstinência, assume diferentes padrões, cada um dos quais exibe diferentes implicações para o tratamento e a recuperação (DE LEON, 1990-91). A recaída pode referir-se a um incidente único, discreto, ou a um retorno completo aos níveis de uso de antes do tratamento.

2.7 FATORES DE RISCO E PROTEÇÃO

As pessoas que enfrentam problemas com dependências químicas, bem como seus familiares, precisam aprender a detectar situações de risco. Enquanto o indivíduo estiver consumindo drogas, aumenta a probabilidade desta detecção não acontecer de forma satisfatória.

Numa análise de Marlatt (1996), de 311 episódios de recaída ocorridos com problemas associados ao beber, tabagismo, adição em heroína, jogo compulsivo e excesso alimentar, os pesquisadores identificaram que quase três quartos das recaídas estavam associadas com três categorias de situações de alto risco:

(32)

a) estados emocionais negativos: 35% da amostra. Humor ou sentimento negativo ou desprazeroso (frustração, raiva, ansiedade, depressão ou tédio, antes ou no momento da ocorrência do primeiro lapso);

b) pressão social: 20% da amostra. Situação em que o indivíduo está respondendo à influência de outra pessoa ou grupo de pessoas. Esta pressão social pode ser direta (contato interpessoal direto com persuasão verbal), ou indireta (observando o comportamento de outras pessoas adictas, mas sem pressão direta);

c) conflito interpessoal: 16% da amostra. Conflitos em andamento ou recentes associados com qualquer relacionamento interpessoal: casamento, amigos, relação empregador-empregado.

As situações de risco em relação ao uso de álcool e outras drogas são variáveis e envolvem aspectos psicológicos, ambientais, comportamentais e genéticos. Ou seja, estão tanto no próprio indivíduo, como na família, na escola, na comunidade, na sociedade em geral. Vale ressaltar também, que em fases diferentes da vida, ocorrem também diferentes fatores de risco, que podem levar o indivíduo ao uso ou a quebra da abstinência. Um mesmo fator pode representar risco para uma pessoa e proteção para outra.

Na adolescência é grande o risco para envolvimento com substâncias psicoativas atribuindo-se em parte este risco às características da adolescência, tais como: necessidade de aceitação pelo grupo de amigos, desejo de experimentar comportamentos vistos como "de adultos", sensação de onipotência "comigo isso não acontece", grandes mudanças corporais gerando insegurança, início do envolvimento afetivo, aumento da impulsividade e busca de sensações novas.

Há outros aspectos importantes a ressaltar, em relação ao uso de drogas na adolescência:

1. É no período compreendido entre a adolescência e a fase jovem da idade adulta que ocorrem os maiores níveis de experimentação e problemas relacionados ao uso de álcool e outras drogas.

2. A adolescência é um período do desenvolvimento humano em que ocorrem importantes transformações de ordem física, emocional, cognitiva e social, e o uso de substâncias pode comprometer este processo.

3. O início do uso de substâncias, em geral, acontece na adolescência. Sabe-se que os jovens, apesar do pouco tempo de uso de substâncias, passam muito rapidamente de um estágio de consumo para outro, além de fazerem uso de múltiplas substâncias.

(33)

4. Por outro lado, uma grande parcela deles diminui significativamente o consumo no início da idade adulta, para adequar-se às expectativas e obrigações da maturidade, como trabalho, casamento e filhos.

5. Vários estudos demonstram associação positiva entre precocidade do uso de substâncias e desenvolvimento de dependência (SUPERA, 2006, p. 56).

Outras situações de risco, como ambientes impróprios, famílias em conflitos e/ou disfuncionais e conceitos próprios em relação às drogas, facilitam o uso, o abuso e na continuidade da instalação da dependência química nos adolescentes. Todas as situações de risco anteriormente citadas são igualmente perigosas numa situação de abstinência pós-tratamento para uma eventual recaída.

Os principais fatores de proteção ao uso de drogas são especialmente relacionados à família:

- bom relacionamento familiar;

- supervisão ou monitoramento dos pais em relação ao comportamento dos filhos;

- noções claras de limites;

- valores familiares de religiosidade ou espiritualidade.

Na fase adulta temos fatores de risco e proteção mais voltados para a realidade de cada indivíduo. Muitos fatores de risco estão atrelados com o comportamento anterior, ou seja, na adolescência ou na juventude. Idosos que iniciaram um consumo na juventude ou na maturidade, o mantiveram ao longo da vida (SUPERA, 2006).

2.8 DETERMINANTES DA RECAÍDA

Enquanto o indivíduo experiência o autocontrole na abstinência sente-se confiante. Esta fase se reforça a cada instante, ou seja, quanto mais tempo em abstinência maior a percepção de autoeficácia. O comportamento em geral está sob controle desde que, não ocorra neste período, uma situação de alto risco.

Podemos definir uma situação de alto risco como qualquer situação que represente uma ameaça ao senso de controle do indivíduo e aumente o risco de recaída (MARLATT, 1993).

Com o intuito de avançar em nossa temática, apresentamos o quadro a seguir:

(34)

Fonte: Marlatt (1993, p. 35).

Marlatt afirma que se o indivíduo for capaz de dar uma resposta de enfrentamento cognitiva ou comportamental a altura da situação de risco, a probabilidade de recaída diminui. Toda vez que houver resposta de enfrentamento haverá compensação, ou melhor, o sujeito experienciará um senso de domínio ou percepção de controle, sentimento que lhe fará muito bem. Ao superar uma situação desconfortante, normalmente a pessoa aumenta sua capacidade de lidar eficazmente num próximo evento desafiador.

A expectativa de ser capaz de lidar com sucessivas situações de risco está intimamente associada com a noção de autoeficácia. Saber e sentir-se capaz de enfrentar as adversidades tende a aumentar a autoconfiança à medida que a duração da abstinência aumenta e o indivíduo é capaz de lidar efetivamente com mais e mais situações de alto risco. A percepção da eficácia aumenta de forma cumulativa e a probabilidade de recaída diminui proporcionalmente.

Por outro lado, quando não há resposta de enfrentamento em situações de risco ou alto risco, inicia-se um processo de recaída. O indivíduo ao não dar uma resposta de enfrentamento, estará diminuindo sua autoeficácia associada a um

Situação de risco Resposta de enfrentamento Aumento da autoeficácia Diminui a probabilidade de recaída Sem resposta de enfrentamento Diminui autoeficácia Expectativas de resultado positivo Uso inicial de álcool (lapso) Efeito de violação da abstinência: culpa e autorresponsabilidade

Referências

Documentos relacionados

De fato, a aplicação das propriedades da regra variável aos estudos lingüísticos além da fonologia não constitui assunto tranqüilo, seja porque a variável passa a ser

Os motins na América Portuguesa tanto quanto na Espanhola derivam do colapso das formas acomodativas - como será melhor explicado à frente -, ou melhor dizendo, do rompimento

Acaso não seja possível o pagamento de todos os credores titulares de créditos entre R$ 5.000,01 (cinco mil e um centavo) até R$ 7.500,00, em razão de o valor adquirido com

As coisas relativas à vida com Deus e ao seu serviço lhes são tediosas, e não podem encontrar qualquer alegria nelas, porque apagaram o Espírito Santo e

O diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Edvaldo Santana, disse ontem que o atual cenário de turbulências no setor elétrico “está caminhando para

Há amplo espaço para preocupação quanto às dificuldades para aprovação de reformas necessárias à contenção do déficit público, peça crucial para o sucesso

Processo de se examinar, em conjunto, os recursos disponíveis para verificar quais são as forças e as fraquezas da organização.

Nossos olhos se arregalaram por um momento, até que alguém resolveu, corajosamente, questionar: “Mas por quê?” E a resposta veio pronta: “Porque, meu filho, por mais que nós