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2 REVISÃO DA LITERATURA

2.4 Determinantes individuais e contextuais da mortalidade neonatal:

Os fatores determinantes da mortalidade neonatal são alvos de investigação da comunidade científica brasileira e internacional, que reconhecem como desafiadora a luta pela manutenção de taxas menores desse indicador. (OLIVEIRA; MINAYO, 2001).

A compreensão da magnitude da mortalidade neonatal requer a análise de uma rede causal complexa envolvendo fatores biológicos, aqueles relacionados a vida reprodutiva da mãe, outros voltados para as condições socioeconômicas, bem como aqueles fatores relativos à qualidade da assistência prestada durante o período antenatal, o parto e ao neonato. (DRUMOND; MACHADO; FRANÇA, 2007; BRASIL, 1998).

Na cadeia de eventos das mortes neonatais, os fatores biológicos como recém-nascidos do sexo masculino e os portadores de malformações congênitas graves apresentam maior vulnerabilidade e susceptibilidade aos agravos ocorridos em decorrência de uma assistência inadequada. (SARQUIS et al., 2002).

A identificação dos fatores determinantes desse evento possibilita a implantação de políticas de saúde efetivas e o interesse por essa temática ultrapassa as pretensões acadêmicas, pelas suas implicações reais nas políticas e programas de saúde em todo o mundo. O estudo dos fatores de risco dos óbitos entre neonatos possibilita a elucidação da rede de eventos determinantes, a identificação de grupos expostos, bem como das necessidades de saúde de subgrupos populacionais, permitindo a programação de intervenções voltadas à redução dos óbitos. (ALMEIDA; BARROS, 2004).

A associação entre as condições de vida e de saúde, e acessibilidade e qualidade da atenção nos serviços de saúde, tem sido considerada importante na determinação da mortalidade neonatal em muitos países. (LUO; ZARLBERG, 2001; VICTORA; VAUGHN; BARROS, 2000; SZWARCWALD et al., 1997; SALINAS et al., 1997). A situação socioeconômica das mulheres é um importante preditor da sua fertilidade, do acesso aos cuidados pré-natais e aos cuidados durante o parto. (TROEDSSON; MARTINES, 2002).

Bambang et al. (2000), analisando a relação entre causa específica as taxas de mortalidade perinatal, a privação material e peso ao nascer entre os nascimentos em três anos consecutivos (1991-1993) ocorridos em West Midlands Health Region (Inglaterra), correlacionaram as taxas elevadas de mortes perinatais e as condições socioeconômicas precárias (Townsend Deprivation Index), apontando variações do risco de morte entre recém- nascidos com mais de 2.500g de acordo com o grupo social.

A deficiência dos sistemas e serviços de saúde no que tange o acesso à qualidade da atenção determina altas taxas de mortalidade perinatal e neonatal precoce. (LANSKY et al.,

2006; LANSKY et al., 2002a). Entretanto, o aparato tecnológico de assistência ao pré-natal, parto e recém-nascido não está equitativamente disponível à população, contribuindo para as diferenças nos padrões de mortes perinatais e neonatais. (WISE, 1999).

Troedsson e Martines (2002) acrescentam que a inabilidade para reconhecer doenças severas em recém-nascidos e o acesso inadequado a serviços de boa qualidade contribui para a mortalidade neonatal e ressaltam uma grande proporção de mortes perinatais devido às complicações durante o trabalho de parto, à prematuridade e fatores maternos antenatais conforme dados de Matlab, Bangladesh.

No Brasil, as severas desigualdades regionais refletem as tendências e os diferenciais entre os fatores determinantes das mortes neonatais. Menezes et al. (1996) atribuíram as diferenças nas taxas de mortalidade neonatal precoce de crianças de muito baixo peso menos e mais favorecidas, ao acesso desigual à assistência perinatal, especialmente a deficiente disponibilidade de leitos hospitalares em unidades de terapia intensiva neonatal.

Analisando espacialmente a mortalidade neonatal precoce no município do Rio de Janeiro, Andrade e Szwarcwald (2001) estabeleceram as variáveis que melhor explicariam os aglomerados espaciais: a proporção de mães adolescentes, a proporção de pessoas residentes em favelas e a proporção de chefes de famílias com renda de até um salário mínimo.

No Nordeste do Brasil, em Recife-PE, um estudo para identificar fatores de risco para óbitos neonatais do ano de 1995, verificou risco de morte 46 vezes superior para crianças nascidas com baixo peso ao nascer em relação aquelas com peso ao nascer igual ou maior que 2.500g. (SARINHO et al., 2001). Outra variável do mesmo estudo que apresentou acentuada força de associação à morte neonatal foi o índice de Apgar no quinto minuto de vida menor que 7, refletindo assim as condições de vitalidade do recém-nascido, além da prematuridade.

Estudo desenvolvido por Morais Neto e Barros (2000) sobre a mortalidade infantil na região Centro-Oeste do Brasil em 1992 demonstrou que os fatores socioeconômicos estão

mais relacionados ao componente pós-neonatal da mortalidade infantil, tendo sido encontradas para o período neonatal, OR significativas para nascidos em hospital público estatal (OR = 2,28) e baixo peso ao nascer (OR = 8,92).

No município de Montes Claros em Minas Gerais, um estudo de coorte de nascidos vivos entre os anos de 1997 e 1999, identificou o baixo peso ao nascer, a prematuridade (idade gestacional inferior a 37 semanas) e o escore de Apgar inferior a sete no primeiro e quinto minuto de vida como fatores de risco independentes para o óbito no período neonatal. (MARTINS; VELÁSQUEZ-MELÉNDEZ, 2004).

Em Pelotas no Rio Grande do Sul, estudo sobre os fatores de risco associados à mortalidade perinatal concluiu que o coeficiente de mortalidade perinatal foi cerca de 2 vezes maior para as crianças oriundas de famílias de baixa renda e pouca escolaridade. Houve forte associação entre idade materna igual ou superior a 35 anos e a mortalidade perinatal, apresentando razão de Odds de 2,5, permanecendo estatisticamente significativa após acréscimo das outras variáveis do estudo no modelo de análise multivariada. Crianças do sexo masculino apresentaram risco quase duas vezes maior para a mortalidade neonatal precoce e de 1,5 para mortalidade perinatal em relação àquelas do sexo feminino. (MENEZES et al., 1998).

Em São Paulo, os principais fatores de risco independentes para mortalidade neonatal foram semelhantes àqueles encontrados em outros contextos, tendo sido classificados por Almeida et al. (2002) em quatro categorias: das condições biológicas do recém-nascido, das características maternas (ausência de pré-natal, mãe adolescente, perda fetal anterior e grande multípara), das condições socioeconômicas (residir em área de má qualidade de vida, grau de instrução materna inferior ao 2º grau e ausência do nome paterno) e da qualidade da atenção. Confirmam, também, que o peso ao nascer e a prematuridade são fatores mais importantes na determinação das mortes neonatais e que a prevalência de baixo peso ao nascer tem sido

associada às condições socioeconômicas desfavoráveis, inadequada atenção antenatal, paridade elevada, aos extremos de idade materna, intervalo interpartal reduzido, desnutrição materna e tabagismo.

Estudo realizado para identificar fatores associados ao baixo peso ao nascer em municípios do Estado de São Paulo evidenciou associação estatisticamente significante entre baixo peso ao nascer e o sexo feminino, prematuridade, os extremos da idade materna e paridade materna. (COSTA; GOTLIEB, 1998).

Os fatores associados ao baixo peso ao nascer em estudo no município de Guaratinguetá-SP foram a idade materna inferior a 19 anos e maior de 35 anos, mães com menor escolaridade, menor número de consultas no pré-natal e gravidez anterior com desfecho desfavorável, ou seja, relato de aborto ou natimorto. (NASCIMENTO; GOTLIEB, 2001).

A avaliação dos fatores de risco para mortalidade neonatal precoce na região sul de São Paulo incluiu a baixa escolaridade do chefe da família, domicílio em favela, com até um cômodo, filhos de mães com união recente e sem companheiro, presença de maus tratos, presença de intercorrência na gravidez, nascimento prévio de baixo peso, pré-natal ausente ou inadequado, presença de problemas no parto, mães que foram ao hospital de ambulância, baixo peso ao nascer e nascimento de pré-termo. (SCHOEPS et al., 2007)

Machado e Hill (2003), estudando os determinantes da mortalidade neonatal e pós- neonatal em uma coorte de nascimentos de 1998 do município de São Paulo, observaram associação entre morte neonatal e número baixo de visitas pré-natal, baixo peso ao nascer, nascimento pré-termo e escores baixos de Apgar.

Andrade et al. (2008) avaliaram as desigualdades da proporção do baixo peso ao nascer no Brasil segundo aspectos sociais e espaciais e utilizando informações do Sistema de

Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC) do ano de 2005 e mostraram que a escolaridade da mãe influencia o baixo peso ao nascer em nascidos vivos de gestações não-múltiplas.

Em Londrina-PR, estudo analisando mortalidade intra-hospitalar dos recém-nascidos de muito baixo peso (entre 500g e 1.500g), concluiu que mesmo com o uso de tecnologias, a mortalidade foi alta quando comparada aos países desenvolvidos e os fatores de risco envolvidos no desfecho foram: a baixa renda per capita, não uso de corticosteróide antenatal e a não utilização de pressão positiva contínua de vias aéreas. (CARVALHO; BRITO; MATSUO, 2007).

Gomes et al. (2005) ao delinearem a assistência e mortalidade neonatal do setor público da cidade do Rio de Janeiro entre os anos de 1994 e 2000, observaram que as intervenções realizadas na década de 90 não foram suficientes para reduzir as taxas de prematuridade e baixo peso ao nascer do município e que ações estratégicas deveriam garantir a estrutura necessária ao funcionamento das unidades neonatais, buscando a extinção da superlotação.

Em Caxias do Sul-RS, Araújo et al. (2005), encontraram fatores de risco para morte neonatal entre recém-nascidos com peso inferior a 2.000g, índice de Apgar no 5º minuto inferior a quatro, ausência de realização de pré-natal, a necessidade de reanimação em sala de parto e a indicação de ventilação mecânica durante a internação, sugerindo que muitos óbitos neonatais ocorreram por falhas no atendimento da gestante e do recém-nascido.

Utilizando um modelo conceitual combinando variáveis demográficas, sociológicas e epidemiológicas em nível macro e micro para a análise da mortalidade infantil em Nova York, Matteson, Burr e Marshall (1998) mostraram que o número de médicos per capita de cuidados primários e os gastos do governo local sobre os serviços de saúde e hospitais são positivamente associados a um aumento na probabilidade de morte infantil e que o indicador de infra-estrutura hospitalar é negativamente relacionado ao risco de morte.

Estudo multicêntrico sobre os fatores perinatais associados ao óbito neonatal precoce no Brasil, concluiu que a prematuridade, a presença de hipertensão arterial materna, Apgar de 0 – 6 no 5º minuto de vida, a presença de síndrome do desconforto respiratório e o centro de nascimento foram os determinantes das mortes nesse período, apontando a necessidade de adoção de melhores e uniformes práticas do manejo ao atendimento da gestante e neonato. (ALMEIDA et al., 2008).

No Brasil, dos municípios brasileiros com população acima de 80 mil habitantes que compuseram os quartis com maior mortalidade infantil por causas evitáveis apresentaram também menor Índice de Desenvolvimento Humano Municipal, Produto Interno Bruto per capita, pessoas que vivem em domicílios com banheiro e água encanada, despesa total com saúde por habitante e médicos por mil habitantes; e maior coeficiente de Gini. (BOING; BOING, 2008).

Recentemente, um estudo pioneiro no Brasil, conduzido para analisar os determinantes da mortalidade neonatal segundo modelo de regressão logística multinível e modelo hierárquico clássico de uma coorte de nascimentos vivos do ano de 2003 do estado do Rio Grande do Sul, revelou associação positiva entre a mortalidade neonatal e a taxa de pobreza (percentual da população com renda per capita inferior a ½ salário mínimo) e com o percentual de domicílios com abastecimento de água (percentual de domicílios com água canalizada à rede geral) e a redução na variância do modelo indicou que 15% da variação na mortalidade neonatal pode ser explicada pela taxa de pobreza em cada área. (ZANINI et al., 2010).

Ainda há muito a ser realizado para reduzir as mortes neonatais no Brasil e as estratégias de ação estão direcionadas: à assistência antenatal, ao parto e ao recém-nascido. No grupo de estratégias ao atendimento ao neonato, deve-se buscar a qualidade e

uniformidade da atenção integral em todos os setores da instituição responsável pelo atendimento ao recém-nascido, incluindo as Unidades Neonatais de Alto Risco.