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3.2. O problema do livre-arbítrio na teoria da ação de John Searle

3.2.3. Determinismo Neurobiológico?

Searle considera que temos liberdade psicológica. As causas puramente psicológicas de nossas ações não são, na maioria das vezes, causalmente suficientes para determiná-las. Contudo, surge um outro problema um pouco mais complexo: a neurobiologia subjacente. Questiona Searle:

Devemos ter livre-arbítrio no nível psicológico, no sentido de que a psicologia como tal não era suficiente para fixar nossas ações. Mas, a neurobiologia subjacente, que também determina essa psicologia, pode ser causalmente suficiente para determinar nossas ações? (SEARLE, 2004, p. 226)40.

Neste sentido afirma-se que a neurobiologia subjacente é suficiente para causar nossos estados mentais de consciência, nossos estados intencionais e os estados racionais e, por conseguinte, as razões para nossas ações. Como Searle defende a emergência das propriedades mentais, para ele todos esses aspectos mentais emergem da neurobiologia subjacente. Dessa forma, se pode dizer que há uma redução causal dessas propriedades emergentes ao nível da neurobiologia. A psicologia é, assim, um produto da neurobiologia. Contudo, não podemos esquecer que essa redução, na filosofia searleana, se dá apenas no âmbito das relações causais entre propriedades que podem ser descritas em níveis diferentes (as

40 We might have free will at the psychological level in the sense that the psychology as such was not sufficient to fix our actions. But the underlying neurobiology, which also determines that psychology, might itself be causally sufficient to determine our actions.

neurofisiológicas e as mentais) como já foi explicado no primeiro capítulo que trata do naturalismo biológico de Searle.

Mas, então, como explicar a existência de uma lacuna, na esfera da neurobiologia? Essa é uma questão principal que deve ser respondida tanto pela neurociência quanto pela filosofia a fim de refutar ou não a hipótese de que há livre-arbítrio.

Searle (2004, 2018) apresenta duas considerações que ele acredita dar sustentação às conclusões do seu naturalismo biológico. E é tendo em vista essas considerações que se pode levantar o problema da liberdade dentro da física contemporânea. Senão para dar uma resposta à questão de saber se temos livre-arbítrio ou não, pelo menos para enquadrar o problema dentro do campo das ciências, sem ter que desconsiderá-lo de imediato como propõe o determinismo.

Sua primeira consideração consiste em afirmar que nossos estados psicológicos (como crenças, desejos, intenções etc.) não são causalmente suficientes para determinar nossas ações. Pode acontecer que em alguns casos de raiva, impulso, compulsão, por exemplo, no nível psicológico algumas ações não sejam livres, pois o agente está coagido por condições psicologicamente suficientes.

Contudo, a experiência mostra que nem todas as ações livres são no formato de impulso, compulsão etc. O que se nota é que agimos normalmente com base em nossos estados intencionais, que eles atuam causalmente no nosso comportamento, mas isso não significa que eles o determinam, “esta forma de causa e efeito não é determinística. Poderíamos ter tido exatamente esses estados mentais e, apesar de tudo, não termos feito o que fizemos” (SEARLE , 2018, p. 12). Sendo assim, é possível dizer que a lacuna é real, psicologicamente falando, não é uma ilusão.

A segunda consideração de Searle é que todos os nossos estados psicológicos são determinados pela estrutura do cérebro, naquele momento. Como já havíamos colocado antes, sem uma estrutura neurobiológica, quaisquer estados mentais seriam impossíveis. Conforme lembra nosso filósofo, “nossos estados conscientes são de nível superior ou características do sistema do cérebro e, consequentemente, não existem dois conjuntos separados de causas - a psicológica e a neurobiológica”41 (SEARLE, 2004, p.227). O estado psicológico é apenas o estado cerebral (neurobiológico) descrito em um nível superior.

41 Our conscious states are higher-level or system features of the brain, and consequently there are not two separate sets of causes – the psychological and the neurobiological.

Nessa altura, grita um grande problema, a saber: podemos sentir a experiência da lacuna no nível psicológico, visto que nem todas as nossas ações são determinadas por esse nível, mas como afirmar que existe tal lacuna no cérebro? No nível inferior, no da neurobiologia, ocorrem sinapses, descargas elétricas e outros eventos entre os neurônios, um sistema inteiro que funciona a todo momento. Como dizer que há uma lacuna no cérebro? Searle é enfático em dizer que não existe lacuna no cérebro. Ele vai lembrar:

Mas se a liberdade psicológica, a existência da lacuna, deve fazer uma diferença para o mundo, então, de uma forma ou de outra, ela deve se manifestar na neurobiologia. Como isso poderia ser? (...) Se a liberdade é real, então a lacuna deve descer até o nível da neurobiologia. Mas como poderia? Não existem lacunas no cérebro42 (Ibidem, p. 228).

Dessa forma, haveria um determinismo na estrutura biológica? Ela é suficiente para determinar as causas das ações humanas? Vale salientar que para Searle não há dois conjuntos de causas, psicológicas e neurobiológicas, para a ação humana, pois se assim fosse teríamos uma sobredeterminação causal, o problema apontado por Kim (1998). De acordo com o fechamento causal do mundo, abordado no segundo capítulo deste trabalho, o que há é um só conjunto de causas suficientes para causar as ações dos agentes. Assim, pois as propriedades físicas são suficientes, pois são elas que produzem as propriedades psicológicas. Uma consequência disso seria então que, se aplicarmos o modelo de redução interteórica43, como a neurobiologia é mais fundamental e, portanto, mais abrangente, então, as propriedades físicas (no nível neurofisiológico) se sobrepõem as propriedades psicológicas, pois aquelas estão na fundação. É importante, neste momento, lembrar da posição de Searle com respeito à causação mental. Ele é a favor da redução causal das propriedades psicológicas às propriedades neurobiológicas. Mas, quando ele fala está falando de níveis psicológicos e neurobiológicos ele está se referindo a níveis diferentes de explicação de um único sistema, no nível macro, ou mais completo, (sem gozar de qualquer destaque) está o nível psicológico, e no nível micro está o nível biológico que causa o primeiro. À medida que os níveis vão sendo explorados, também vai mudando os níveis de explicação. E aqui voltamos ao problema do início. Se experienciamos a

42 But if the psychological freedom, the existence of the gap, is to make a difference to the world, then it must somehow or other be manifested in the neurobiology. How could it be?

43 A redução inter-teórica, pode ser expressa pela redução de um conjunto de conceitos por uma ciência primária, que reduz de forma dedutível a formulação de uma explicação científica sobre diferentes manifestações dos fenômenos de macro nível, pela unidade explanatória do fenômeno de micro nível.

(CHRISTÓFALO, 2017, p. 226)

lacuna no nível macro (psicológico/mental), e se este é causado pelo nível micro (neurofisiológico), como explicar aquela lacuna neste nível?

De antemão podemos dizer que Searle não propõe uma resposta para o problema, de fato, a reflexão do livre-arbítrio se enquadra na mesma perspectiva dos problemas levantados na questão da relação entre mente e corpo. O determinismo, corrente materialista, define logo a experiência da lacuna como uma ilusão, sem levar em consideração a experiência psicológica dos sujeitos da ação. Searle por sua vez, movido pela convicção de que agimos por causa da consciência de que temos liberdade, se coloca na disposição de discutir o problema, sem antes dar um veredito sobre ele.

Quanto ao determinismo neurobiológico, Searle se dispõe a construir um exemplo onde há uma diferença factual entre uma ação livre e uma ação determinada.

É a chamada: a maçã de Páris.