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Os deuses estão tristes?

O mundo está, mais uma vez, próximo do seu fim – profetizou um xamã, em meados de abril de 2017. As almas já não vêm mais de todas as plataformas celestes como antes, os ajudantes de Tupã “rabiscam” os céus em variadas cores, nervosos, abatendo com seus relâmpagos os sujeitos incontinentes, algumas aves migratórias não voltam mais para a sua nidificação na plataforma terrestre, os rios estão “parados”, os “brancos” chafurdam a terra, as abelhas não produzem mel como antes, os galos cantam “fora de hora”. Aqueles que escutam o anúncio, e o compreendem, iniciam a sua procura por ajuda, através da sua aliança com os deuses, e a sua procura por parceiros para cooperar na fuga através do fim do mundo. Também como antes, poucos dão ouvidos à profecia. Nhanderu, “nosso pai”, não aceita os seus filhos e suas filhas com seus corpos imperfeitos, é preciso que se fortaleçam durante o

ara pyau, o período de renovação da terra na “primavera” e no “verão”, para suportar o ara yma, o período de envelhecimento da terra, quando os deuses descansam e os xamãs são

enfraquecidos. O xamã nos confidenciou que nosso desafio será permanecermos alegres,

javy’a, em comunidade e (“os brancos”) juntos aos Guarani.

Nomes que não voltam

Os nomes-almas são enviados pelos deuses e, às vezes, também as suas mensagens são enviadas por meio de um mediador a um casal que ainda não sabe da gravidez da mulher. O mensageiro preferencial é um pássaro chamado mitã jaryi, o bem-te-vi. Esse nhe’e, o nome- alma, passa a acompanhar a mãe e ela deverá controlar, inclusive, a mobilidade do pai para que não se distancie muito de casa, oo, o que poderia motivar o nhe’e a segui-lo e a se perder pelo caminho. Caso isso ocorra, os pais precisam cantar a maino’i, o beija-flor, para trazê-lo de volta para casa. Esses cuidados do pai e da mãe para com o nhe’e devem permanecer até mesmo depois do nascimento da criança, enquanto o nome-alma não se “senta” definitivamente no corpo e se acostuma, -vy’a, a ficar com os pais e na tekoa.

Portanto, para que o nascimento ocorra bem, os pais devem cuidar, desde a gestação, para que a criança tenha um corpo forte e seu nome-alma queira permanecer ali. Brigas excessivas entre o casal, descumprimentos dos deveres sobre as atividades coletivas e transgressões do recolhimento necessário entre o ara pyau e o ara yma desencadeiam desequilíbrios emocionais, ciclos de vingança, aumento da presença da raiva, -poxy, e o nhe’e pode sofrer uma captura ou decidir ir embora porque não encontrou alegria ali, -vy’a.

Há também o cuidado com a ingestão materna de alimentos com características sensíveis e transmissíveis à criança.

Assim, o consumo de melancia ou batatas muito grandes podem tomar volumosa a cabeça do bebê. A mesma lógica define como impróprio o uso de colares no início da gestação, o que pode fazer com que se enrole o cordão umbilical ao redor do pescoço da criança, dificultando-lhe o nascimento (M.Pissolato, 2007:271).

O mesmo se aplica à necessidade de o pai evitar a construção de armadilhas ou de trabalhar próximo à casa, oo, com ferramentas, como a enxada, o que poderia levar o nhe’e a ser atingido e entristecer-se, -ndovy’ai. A autora Pissolato (idem:274) sugere, então, que o foco da produção da pessoa Guarani seja a satisfação do seu nome-alma.

Não desagradar a alma da criança durante a gestação e agradá-la a partir do momento em que se manifesta como vivente, esta é a regra fundamental do cuidado aos que nascem. Agir, enfim, em prol da alegria daquele ou daquela que vem pisar a Terra é o que mobiliza ou deve mobilizar seus parentes, particularmente seu pai e mãe, que irão, por sua vez, se alegrar e “fortalecer- se” (mbaraete) com a presença da criança que recebem (idem:275).

No parto da criança, os pais devem recolher a placenta e enterrá-la na soleira da sua casa, oo. O enterro da placenta é de suma importância para orientar o nhe’e da criança em direção à sua casa até que se acostume, -vy’a. As mulheres enfatizam, ainda, que o enterro da placenta ajudará no desenvolvimento da criança, a qual verá a sua casa de nascença como um “lugar fixo”, para o qual se poderá sempre voltar e, com isso, evitará a “perambulação” de homens e mulheres que não constituem vínculos com nenhuma tekoa.

Ao final do parto, os pais devem, ainda, acender uma fogueira dentro da própria casa e queimar todos os vestígios de sangue. Depois de concluída a queima, o casal deve aguardar o apagar da fogueira e se banhar com as cinzas para evitar a conjunção com o “animal”, o que desencadearia um processo de transformação denominado -jepota, a transformação do corpo humano em um corpo de outra espécie e de sua correspondente perspectiva.

Alguns cuidados permanecerão vigentes para as crianças até se tornarem homens e mulheres, o que serve, portanto, para meninos, ava’i, e meninas, kunhã’i. Crianças devem evitar comer as vísceras dos passarinhos para não contraírem a aceleração do processo digestivo – os Guarani explicam que os pássaros defecam rapidamente os seus alimentos, o que impede a completa digestão. As crianças devem evitar também comer as patas de galinhas para não incorporar o andar da ave, enquanto não aprenderam a andar como pessoas humanas. E tanto o pai como a mãe devem submeter a primeira carne, após o parto, ao opita’i va’e para que, através do cachimbo, realize o seu benzimentos. O mesmo cuidado se repetirá para as crianças até a voz do menino “engrossar” e a menina tiver o primeiro fluxo

menstrual. Para a kunhã’i, os cuidados seguirão, ainda, por alguns meses para evitar a captura de seu nhe’e por outros seres que habitam o mundo e se sentem atraídos pelo seu sangue.

A vida de uma pessoa Guarani cessa no momento em que o seu nome-alma, nhe’e, separa-se do seu corpo e retorna à sua aldeia celestial. Com a morte da pessoa, uma outra alma, angue, denominada “alma animal”, desprende-se do corpo e segue caminhando entre os vivos.

No relato do destino post-mortem das almas que compõem a pessoa Guarani, Pierri (2013) destaca, em “O perecível e o imperecível: lógica do sensível e corporalidade no pensamento guarani-mbya”, o retorno do nome-alma para a região celeste de sua origem e a devoração do espectro angue (associado à sombra e à vida telúrica) resultante do “fim da pessoa”, que pode perder-se em yvyrupa e seguir perambulando pela plataforma terrestre.

Os Guarani descrevem a morte como um processo de perda de temperatura, o corpo fica frio e a “chama” que estava acesa no peito da pessoa Guarani se apaga. Em algumas situações, o nhe’e da pessoa pode ainda estar próximo do corpo e, a depender das habilidades do xamã, o opita’i va’e pode, através do cachimbo e de rezas, fazer o nome-alma retornar ao corpo e fazê-lo esquentar, novamente.

No entanto, um outro evento torna-se possível. O corpo frio pode ser capturado pela alma animal, mesmo se já enterrado em yvyra rupa, no cemitério. Nesse caso, o corpo continuará vivo e iniciará um processo de transformação, o -jepota. Conta-se histórias desse tipo de transformação do corpo e de sua gradual caracterização física semelhante ao corpo de outras espécies animais.

Um xamã poderoso deve ser acionado ou, como me foi reportado, ele pode sonhar com a transformação do corpo e requisitar a abertura da cova para observar o corpo. Caso a transformação se confirme, ele deve ser queimado em uma fogueira para evitar a conclusão do -jepota, que se tornaria um agressor na comunidade aldeã.

Quando um jovem foi atingido por um raio, por exemplo, surgiram rumores que Tupã havia enviado um dos seus auxiliares para abatê-lo, porque, ainda em vida, teria iniciado uma transformação em outra espécie motivada pelo afastamento de seu nhe’e, descontente com os erros sucessivos que havia cometido em vida, desrespeitou o nhandereko, “nosso modo de vida”.

As interdições relativas ao pós-parto e o cheiro do sangue norteiam muitas das práticas de cuidado com os pais e o recém-nascido, e podem trazer à luz as transformações denominadas -jepota.

Aí a mulher dele ganhou uma criança. Só que ela não parava. Ficava andando no mato. Porque você não pode sair. Aí ficou com dor de cabeça. Diz que tomou remédio e não passava. Aí à noite atravessava o rio, ia para a cidade,

atravessava o rio, que era grande. Ficou assim, até a menininha ficar grandinha. Aí depois ficou doente. Aí ficou na casinha velha e à noite. E ficou assim [posição fetal]. O padrasto deu uma cachimbada nela. Aí depois fez uma fogueira ali e ficou. Aí minha mãe foi lá, colocou a mão nela e estava gelada. Aí minha mãe falou “Já morreu”. Aí de manhã cedinho meu padrasto foi cortar cipó para amarrar, né, só cortava assim, dois, três, quatro, aí com o pano enrolava e amarrava. Não tinha caixão. Aí minha mãe pegou no cabelo, levantou e [a mulher que havia falecido] assobiou que nem macaco. Daí ela soltou a cabeça no chão. E estava morta [a mulher que havia falecido]. Só que o corpo estava mole, não morreu não. Aí eu fui atrás, meu tio, meu padrasto e minha mãe. Quando eu cheguei onde ia ser feito o buraco, aí tinha uma árvore assim, um pé de laranja, sei lá, um pé de café. Aí eu subi na árvore e fiquei olhando. Aí fizeram uma cova assim, para enterrar. Aí enterrou. Aí depois com três dias veio a chuva, trovejando e com um vento. Aí de manhã foi lá ver onde enterrou. Diz que estava quase saindo já. Diz que os dentes estavam para fora [como os dentes de macaco]. Aí, não sei qual foi o índio Guarani aqui da Tenondé que chamaram, ele foi lá e matou. Acho que quatro pessoas foram lá. Aí mataram ele. Põe fogo. Por isso que não pode abusar, tem que ficar em casa. Até quatro meses, aí depois pode sair. Agora não. Dois dias, quando já ganhou a criança, já quer sair.

“Matar o morto” significa aqui queimar o corpo, no qual não existe mais a pessoa Guarani, e do qual se origina o angue, traduzida, corriqueiramente, como “alma penada”. Algumas pessoas entendem que angue é uma transformação de ã, a energia vital visceral. Outros compreendem que as duas almas independem uma da outra.

Deste modo, a proximidade com o sangue do parto exige maior controle das substâncias corporais, tais como o sêmen e o sangue. As interdições incluem também as atividades produtivas, como o preparo de alimentos que, se contagiados, podem enlouquecer uma pessoa, vulnerabilizá-la e levá-la à morte.

Quando a mãe ganha a criança, ela tem que ficar de guarda. Não pode sair. Não pode tomar muito vento. Hoje em dia não tem velho e velha para dar conselho. A mulher ganha a criança no hospital e vem, fica andando. A mulher tem que ficar lá dentro. O homem não pode mexer com a mulher, não pode dormir junto, até seis meses. A mulher não pode mexer com água fria, não pode fazer comida. Aí o homem tem que fazer comida. Ela pode fazer comida só para ela. O homem não pode comer comida que a mulher [sua esposa] faz. Não pode comer carne até um ano. Frango já pode comer. Peixe não pode comer até dois anos. A mulher tem que tomar muito remédio. Tudo isso a mulher e o homem têm que se cuidar. Porque a mulher já está grande só que toda lua nova vai ter um problema de mulher, né, menstruada. Quando estiver menstruada não pode fazer comida. Se não vai fazer mal para o homem. Até criancinha desse tamanho [pouco mais de um ano] não pode ir ao rio. E não pode cortar a menstruação. Só quando já parou.

A relação de contágio e contato pode ser também produzida.

Tem que ficar conversando com ele. Uma vez o N. era pequenininho, aí o pai dele foi para Mangueirinha. Depois à noite ficava assim, gemendo assim [posição fetal]. O umbigo pulava para fora. Aí de manhã levei lá na mulher que benzia. A mulher do cacique falou, “Leva lá para benzer”. Aí levei. E ela falou que não precisava mais, ia benzer de longe. Daí depois de três dias

parou. Não gemia, nem nada. Diz que foi atrás do pai e se perdeu no caminho. Por isso que tem que falar, o anjinho vai e não fica. Diz que se perdeu por uma estrada assim. Não sabe onde foi. “Está no caminho”, disse a mulher. Aí quando chegou em casa estava bem de novo.

Joana explica, “A mulher ganhou criança e disse que não sabia. Aí o pai foi cortar árvore, disse que caiu. O pai dele voltou para casa. E a criança estava ruim, ruim. A criança morreu. Diz que o pai cortou a árvore e ela caiu em cima”. No caso do desconhecimento do destino da alma da criança, é preciso pedir ajuda a espíritos e guardiões para trazê-la de volta, “Aí tem que falar assim. Você não viu o beija-flor? Aí você conversa. Você fala assim, ‘Beija- flor, vai lá buscar ela para mim’ É o beija-flor que vem de lá do céu, não é daqui. À tarde ele já vai embora”.

Para contornar a situação é preciso ensinar a alma a ficar.

Falei para ela. Faz cestinho pequenininho. Pra ela brincar, querer ficar aqui, cuidar do cestinho [para não seguir os pais]. “Cuida disso aqui, não vai atrás de mim”, tem que falar assim […] Falei para ele. Faz flechinha pequenininha. “Cuida disso aqui”, fala pra ele. Aí não vai aonde o vai o pai. A criança fica cuidando.

Alimentar a relação de vínculo com a mãe pode ser uma maneira de assegurar a constância da alma da criança, assim, quando esta se distancia da progenitora, não se sente livre de sua presença reguladora.

Aí o umbigo também não pode jogar fora. Tem que fazer colarzinho até oito anos. Pra não perder. Se não, com três ou quatro meses perde, e a criança faz muita arte, bagunça demais.

Os cuidados relativos à placenta também ocupam lugar central na dinâmica da produção do corpo Guarani e na produção da proteção residencial e do seu pátio. Na narrativa de Kuaray e seu irmão Jaxy, a velhinha/onça pede a seus filhos que coloquem a “bolsa” (placenta) para secar lá fora, com a finalidade de comer a criança retirada do ventre de sua mãe. Em uma relação inversa, a prática de enterrar a placenta na soleira da casa Guarani tem um duplo sentido.

A placenta tem que trazer do hospital. Porque a gente não é assim. O branco já joga no lixo. Os avôs falam que tem que enterrar onde nasceu. Aí um dia que crescer, virar homem e mulher, quando casar, e já fica lá. Que nem eu. Daqui eu não vou mudar. Por isso que tem que fazer isso. Tem algum que já não para. Vai para outra aldeia. Vai para outra. Depois volta. Não enterrou para sempre. Agora quem enterrou, fica. Eu prefiro ficar aqui mesmo até morrer.

O enterro da placenta evita a dispersão descontrolada do sangue da mãe e da criança e a facilitação de sua captura, via rastreamento do seu cheiro. Evitar o sangue motiva as práticas de imersão dos corpos Guarani nas cinzas.

Quando a menina virou mulher, o menino virou homem, tem que tomar banho com cinzas. Ou queimar roupa, assim, em volta. Se não o cheiro vai longe, o bicho cheira. Tem que usar cinza. É assim quando a mulher ganha a criança, toma banho com a cinza.

Joana relata ainda outra forma de submeter o corpo às cinzas. A distinção entre continente e conteúdo é profícua aqui, quando, ao invés do banho com cinzas, a mãe ingere água com cinzas para dispersar o sangue, “Quando essa aqui nasceu, eu fiz chá de cinzas. Eu coloquei cinza, depois água. Quando a água desceu, dei para ela tomar, tirar o cheiro dela”.

É notório que, somada à prática de sentarem-se juntos à fogueira, as práticas de controle dos circuitos de sangue via usos das cinzas produzem o cheiro do fogo para o corpo Guarani. Em outra ocasião, um xamã mencionou a importância de levar fumo nas idas à mata para comunicar aos outros entes o cheiro do corpo Guarani.

A criança precisa ser alegrada (e contagiada pela alegria) para que o seu nome-alma permaneça em seu corpo, viva junto à família e participe harmoniosamente da vida coletiva na tekoa. A produção da alegria é, sem dúvida, a instância primordial da observação do drama cosmopolítico Guarani. Aqui, é importante descrever, sumariamente, a cosmografia dos nomes-almas.

Uma vez revelado o nome-alma da criança no nhemongarai, essa criança, batizada quando tiver aproximadamente um ano de idade, passa a ser chamada pelo seu nome divino. Disseram-me os xamãs que, durante o sonho, os espíritos auxiliares de Nhanderu chamam a pessoa pelo seu nome-alma, ao que ela responde e, assim, recebe orientações. Desse modo, o nome é a via de interlocução divina, da escuta da palavra dos deuses: “O nome, que é também alma, é o meio da aquisição repetida de potencialidades (igualmente dizíveis) fundamentais à produção da pessoa mbya: cantos, rezas, sabedoria que se escuta” (E.Pissolato, 2008:310).

Após a nominação, espera-se da criança uma interação sadia com o núcleo doméstico e com a tekoa, para ali se acostumar, -vy’a. Se a criança não responde ao chamado dos pais, chora demasiadamente ou, ainda, anda pouco ou fala pouco, o xamã pode reavaliar a nominação. Nas ocasiões em que acompanhei situações similares a essa, o xamã pode considerar que houve alguma obstrução na identificação do nome-alma, ocasionando a nominação incompleta, ou o xamã pode recomendar a procura por outro xamã que possa “batizar” a criança de novo para “trocar o nome”. Como veremos, essa não é a única ocasião em que se troca de nome-alma.

Cada alma é proveniente de uma região celestial na qual habita um “pai das almas” e uma “mãe das almas”, respectivamente Nhe’e ru ete e Nhe’e xy ete. A síntese dos nomes distribuídos por regiões celestes foi elaborada por Maria Inês Ladeira (2007:121). Disponibilizo-os na tabela a seguir.

Nhe’ẽ ru Nomes masculinos Nomes femininos

Nhanderu retã (sol nascente)

Avarãtã Takua, Yva, Jaxuka, Jaxuka Mirĩ, Nhanju, Kunhã Karai

Kuaray Amba (zênite)

Poty, Kuaray, Mirĩ, Kuarayju, Kuaray Mirĩ, Nhamandu, tataendy, Xapya, Xunuĩ, Rataendy, Guyrapepo, Avaju Mirĩ

Poty, Para, Para Poty, Para Mirĩ, Para Guaxu, Jerojea, Jerai, Papaju, Mirĩ

Tupã Amba (poente)

Tupã, Tupã Mirĩ, Vera, Vera Mirĩ, Ava Ropeju, Popygua, Vera Popygua, Mbiguái

Tataxĩ, Ara, Arai, Ara Poty, Krexu, Rete, Krexu Mirĩ, Rya Poa

Karai (move-se em sentido anti-horário em direção ao sol nascente ou segue em direção ao zênite e move-se da mesma maneira)

Karai Mirĩ, Karai Poty, Karai Ju, Karai Jekupé, Karai Jeguaka, Karai Rataendy, Karai Tataendy, Karai Ruvixa

Jakairá retã (mesmo movimento de Karai)

Jeguaka, Jeguaka Mirĩ

O xamã falou-me sobre um espírito auxiliar chamado Jekupé, que permanece no alto e em cima dos montes e montanhas, cuidando ao redor do centro da terra, yvy mbyte, e, segundo o mesmo xamã, trata-se também de um nome preferencial para os “mestiços” (filhos e filhas de casamentos com outros povos de yvyrupa). Na descrição onomástica de Ladeira (2007), Jekupé aparece como nome-alma filiado a Karai e não possui região celeste própria. Interessante notar, ainda, que ouvi uma versão dessa cosmografia com um lugar celestial cedido a Jekupé. O estudo da transformação do sistema de nominação foge do escopo do presente trabalho, mas a hipótese de uma transformação inclusiva na nominação dos “mestiços” deverá ser aprofundada, posteriormente, em outro trabalho15.

Maria Inês Ladeira (2007) discute também a distribuição de papéis sociológicos e cosmológicos implicados na nominação. Esses papéis seriam desdobrados de capacidades associadas vinculadas aos nomes, tais como a propensão ao canto, à agricultura, à construção de casas, à caça, ao aconselhamento da comunidade, entre outros. Presenciei discussões mais detidas em relação à personalidade ou ao temperamento vinculados ao

15 Hélène Clastres sugere, inclusive, a centralidade da “marginalidade” nas sociedades Tupi-Guarani para o estudo do profetismo inaugurado no século XVII, “Sabe-se, com efeito, que a partir do século XVII vários profetas foram mestiços, talvez sua própria marginalidade os levasse a escolher esse papel, mas essa posição particular coincidia, como vimos, com a que caracterizava os caraís indígenas, sem o que não poderiam obter êxito algum” (H.Clastres, 1978:64).

nome, sobre o qual não possuo dados exaustivos. Apesar disso, numa determinada ocasião, vi um xamã dizer aos pais que estava muito feliz que “mais um Poty havia sido enviado à terra”, nome associado ao cuidado e de tendência “diplomática”, por assim dizer.

O desaparecimento dos caminhos

Diversas vezes eu ouvi que no ara yma, “tempo velho”, os espíritos auxiliares de Nhanderu e as próprias divindades “fecham as portas do céu” e vão descansar. Costuma-se localizar o ara yma no inverno, a partir da interrupção das chuvas e da queda da temperatura. Em suma, é tempo de recolherem-se os deuses, os homens e as mulheres, as crianças, os animais, as plantas e os espíritos.

Os Guarani estão, duplamente, vulneráveis no ara yma. Com o “fechamento das portas

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