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CAPÍ TULO

Foto 09: Devido aos altos investimentos na compra do tanque de expansão, nem todos os pequenos

produtores têm condições de adquirir este equipamento. Assim, como se observa na captação do leite pela Confepar na comunidade de Vila Rica, o armazenamento em tambores ainda se mantém.

pecuária leiteira enfrenta atualmente, tanto por parte do mercado como do Estado, tendo o transporte de ser realizado a granel e resfriado e não mais em tambores. Assim, com a perspectiva de modernização do setor leiteiro no país após a década de 1990, visando à melhoria da qualidade do leite, os produtores familiares acabam sofrendo pressões para se modernizarem, seja pelos laticínios, cooperativas ou agroindústrias.

A aquisição dos tanques de resfriamento nas comunidades rurais se deu em virtude da ação da Colari (Cooperativa de Laticínio de Mandaguari – Pr), pois esta cooperativa, direta ou indiretamente, passou a partir de 2000 a ser um agente importante nesse processo de tecnificação do setor. No caso em particular, o produtor ao entregar a produção de leite resfriado à cooperativa recebe R$ 0,01 a mais por litro e um adicional de 5,0% no valor da produção mensal destinado aos custos com energia elétrica. Além dessa relativa melhoria do preço do leite96, constituindo um incentivo para o produtor, outros elementos acabam fazendo com que os mesmos busquem se enquadrar na proposta da cooperativa. Primeiramente, com a vacinação do rebanho em dia e o resfriamento do leite, esses pequenos produtores ainda têm mercado garantido para a produção e, secundariamente, os produtores terão a produção absorvida de dois em dois dias (isso não acarreta redução de custos para o produtor, pois o transporte do leite é cobrado por litro) na própria unidade de produção, não precisando transportá-la 4 km à cavalo até uma outra estrada rural de melhores condições, em que era o ponto do leiteiro.

Pode-se dizer que a melhoria da qualidade do leite nas unidades produtivas ainda não se enquadra nas normas do Programa Nacional de Melhoria da Qualidade do Leite (PNMQL) e da Portaria 56, pois os passos nessa direção ainda são tímidos: o rebanho não é especializado na produção leiteira; a ordenha é manual; as condições de higiene dos estábulos não são as melhores; enfim, essa atividade mesmo sendo comercializada não é vista pelos produtores como um negócio, mesmo porque, para tais investimentos estes necessitam de recursos disponíveis, não sendo o caso das localidades estudadas.

Ao se identificar a importância econômica da pecuária nas unidades de produção familiar, verifica-se que a renda obtida nos sítios com essa atividade na maior parte das UPFs, 52,0% no Pinhalzinho e 47,0% na Vila Rica, advém da venda conjunta do leite (mensal), com a de bezerros e de vacas – descartadas por produzirem pouco ou por estarem doentes. A renda exclusiva do leite obtida nas unidades produtivas da primeira comunidade, representa 7,0% e

96 Relativa uma vez que o percentual adicional não cobre os custos com a energia elétrica, sendo um encargo a

10,0% da renda nas unidades produtivas de Pinhalzinho e 7,0% da Vila Rica97. As unidades que têm a criação animal só para o consumo (o leite não é comercializado) corresponde a 28,0% no Pinhalzinho e 20% na Vila Rica.

Diante do exposto, constata-se que a criação do gado constitui-se numa atividade importante no complemento da renda nas unidades de produção familiar, embora não deva ser considerada a única, haja visto a diversificação dos sítios com a produção agrícola, o que demonstra a importância da produção para o autoconsumo da família. Além disso, se o produtor dependesse só da produção leiteira não conseguiria se manter enquanto tal, uma vez que como será discutido no capítulo 04, a maioria da renda oriunda do leite não fica com o produtor, mas é drenada para outros setores da sociedade. Ou seja, a renda da atividade mercantil destes produtores está subordinada pelo capital, sendo que para os mesmos fica somente o suficiente para se reproduzirem enquanto tal.

3.4 – Relações Sociais de Produção e Organização do Trabalho

Como se procurou demostrar a conquista da terra, a adaptação ao novo lugar e as estratégias de existência adotadas pelos produtores para tornar a unidade produtiva sócio e economicamente viável são pontos pertinentes na análise da produção familiar. No entanto, estes por si só não bastam, pois se faz necessário entender como se constitui as relações de produção e organização do trabalho, os motores do processo produtivo familiar. Deste modo, visa-se caracterizar, num primeiro momento, as relações sociais de produção encontradas nas unidades produtivas, como o trabalho familiar, o temporário, a ajuda mútua e o trabalho acessório. Posteriormente, se privilegia as formas de organização do trabalho, enfocando-se as contradições presentes no cooperativismo, no qual o produtor embora seja cooperado, na prática não se sente como tal.

3.4.1 – O trabalho familiar, o temporário e a ajuda mútua.

Tavares dos Santos em Colonos do Vinho (1978, p. 27) afirma que na unidade de produção familiar, quem move o processo de trabalho “é a força de trabalho familiar”. Essa é

97 No capítulo 04 será realizado uma análise mais detalhada da participação da venda do leite e de bezerros na

os membros da família e sem a contrapartida do pagamento de salário. A família munida de objetivos normalmente consensuais constitui a principal relação de trabalho presente no sítio. É ela que se organizará para a execução das múltiplas tarefas cotidianas a serem desenvolvidas, tanto na “lida” com o gado, na ordenha, nos cuidados com a saúde do rebanho, na reforma de cercas e na roça de pasto, na alimentação de suínos e aves, bem como, na própria manutenção da casa – cortando lenha, puxando água ou ligando a bomba, no preparo das refeições, entre outras tarefas. Enfim, a força de trabalho familiar é a característica básica e fundamental nessa categoria de produtores.

A família só recorrerá a outras formas de relação de trabalho quando a mesma não conseguir desenvolver todas as atividades na unidade produtiva e, quando isso ocorre, é por pouco tempo. Entre as outras formas de relações de trabalho destacam-se o trabalho temporário, na forma de empreita e diárias – o mais utilizado entre os produtores – e a ajuda mútua. Porém, antes de se adentrar nessas outras formas, procurar-se-á entender como se dá a constituição da força de trabalho familiar nas comunidades rurais de Pinhalzinho, apresentada no Quadro 04, e Vila Rica, apresentada no Quadro 05.

Com base nos Quadro 04, constata-se que a força de trabalho familiar das 29 unidades produtivas da comunidade de Pinhalzinho, eqüivale a 56,5% da população total, com 69 pessoas. Para a Vila Rica, conforme o Quadro 05, o percentual é de 46,0%, com 42 pessoas. Quanto ao pessoal ocupado por unidade produtiva, para a primeira comunidade, os percentuais são os seguintes: 21,0% da força de trabalho é composta com uma pessoa, 38,0% com duas, 28,0% com três, 10,0% com quatro e 3,0% com cinco. Na Vila Rica, 20,0% da unidades produtivas têm uma pessoa ocupada, 20,0% duas, 40,0% três, e 20,0% com quatro, cinco e seis. Assim, a maioria das unidades produtivas (79,0% no Pinhalzinho e 80,0% na Vila Rica) ocupam de duas a seis pessoas.

Ainda com base nos referidos quadros, no que tange ao grau de parentesco, torna- se perceptível o fato da maior parte das famílias serem chefiadas pelo patriarca98, tornando-o uma figura importante na composição da força de trabalho, sendo ele na maioria das vezes, quem decide o quê e como produzir e para quem vender. Entretanto, esse gerenciamento não ocorre sozinho, pois se a decisão final parte do chefe da família, antes que este a tenha tomado, a esposa e os filhos mais velhos são consultados. O papel da esposa, embora na

98 As exceções existem, uma vez que algumas unidades de produção são gerenciadas por mulheres: duas no

tomadas no sítio, não deve ser desprezado. O marido sempre à consulta e, as vezes, aos filhos mais velhos, sobre a tomada de alguma decisão. Isso ficou claro ao responder os questionários; em vários casos, a resposta só era confirmada por ele após consultar a esposa ou os filhos. Os dados referentes as datas de nascimento e escolaridade dos filhos, os anos dos deslocamentos, meses de venda da produção ou de animais, normalmente é a esposa quem responde ou informa ao marido. Já os dados acerca da produção, área plantada, sacas colhidas, vacas ordenhadas, quantidade de litros de leite produzidos por mês e o preço recebido, por exemplo, é o esposo ou os filhos quem sabem.

Quadro 04

Pinhalzinho – composição da força de trabalho familiar

Grau de parentesco N.º UPF N.º de Pessoas

Chefe da família Esposa Filho Filha Neto Cunhado

01 2 1 1 02 2 1 1 03 3 1 1 1 04 4 1 2 1 05 4 1 3 06 3 1 1 1 07 3 1 1 1 08 3 1 1 1 09 2 1 1 10 2 1 1 11 1 1 12 5 1 1 3 13 2 1 1 14 1 1 (mulher) 15 2 1 1 16 4 1 1 2 17 3 1 1 1 18 2 1 1 19 1 1 20 1 1 21 2 1 1 22 1 1 (mulher) 23 2 1 1 24 3 1 1 1 25 2 1 1 26 3 1 1 1 27 3 1 1 1 28 2 1 1 29 1 1 Total 69 29 11 21 3 4 1 % 100,0 42,0 16,0 30,5 4,0 6,0 1,5

Fonte: Dados coletados no trabalho de campo (Março/03). Org.: O autor

pois esta também participa dos trabalhos na lavoura e na roça de pasto, em especial quando se faz necessário intensificar o trabalho, além de estar incumbida das tarefas domésticas, ou seja, lavar, cozinhar, arrumar a casa, cuidar da alimentação de pequenos animais e, quando têm filhos pequenos, cuidar das crianças. As filhas também, na maioria dos casos, ocupam-se das atividades domésticas e nos momentos mais “apurados vão prá roça”.

Quadro 05

Vila Rica – composição da força de trabalho familiar

Grau de parentesco N.º UPF N.º de pessoas

Chefe da família Esposa Filho Filha

1 3 1 2 2 3 1 2 3 2 1 1 4 3 1 2 5 3 1 1 1 6 6 1 1 4 7 1 1 8 1 1

9 4 1 (mulher) 1 e sua esposa 1

10 1 1 11 3 1 1 1 12 2 1 1 13 2 1 1 14 3 1 1 1 15 5 1 1 3 Total 42 14 7 19 2 % 100,0 33,0 17,0 45,0 5,0

Fonte: Dados coletados no trabalho de campo (Março/03). Org.: O autor

Os filhos constituem importante elemento da força de trabalho familiar, pois são os homens que realizam os serviços considerados mais pesados, tanto na produção agrícola (preparar a terra, capina, colheita e beneficiamento da produção) como na criação animal (roçar pasto, curar os animais doentes, ordenhar as vacas etc.).

Na Comunidade de Vila Rica, como se observa no Quadro 05, eles são a maior parte do pessoal ocupado, sendo que em cinco unidades estes são de dois a quatro pessoas, além das cinco unidades com um membro cada uma. No Pinhalzinho, como se constata no Quadro 04, em 12 dos sítios a família conta com um filho trabalhando e, em quatro unidades produtivas, eles são de dois a quatro indivíduos. Os filhos em idade escolar também ajudam em horários diferenciados: aqueles que estudam durante o período matutino ou vespertino, trabalham meio período; aqueles que estudam à noite, são liberados mais cedo das obrigações, embora trabalhem o dia todo.

é utilizada segundo o seu valor de uso”, pois é como atividade orientada para a realização das diferentes tarefas “que a capacidade de trabalho de cada membro possui significado para a família” (TAVARES DOS SANTOS, 1978, p. 33 – 34). Cada pessoa desempenha um trabalho útil e concreto, conforme o momento e a necessidade, estruturando-se no interior da família uma divisão do trabalho, que também é sexual – entre mulheres e os homens –, articulada pelo processo de cooperação, resultando numa jornada de trabalho combinada pelos vários membros da família.

Todavia, como pode ser observado nos Quadros 06 e 07, quando a família não consegue completar totalmente a sua necessidade de mão-de-obra, ela cria a possibilidade da combinação de outras formas de relação no âmbito do sítio, recorrendo às vezes ao trabalho assalariado temporário – especialmente pela empreita e diária –, a ajuda mútua e a parceria. Segundo Oliveira (1997, p. 56), tal complementaridade e complexidade de relações é fundamentalmente articulada pela família, “a partir da hegemonia que o trabalho familiar exerce nessa unidade de produção e consumo”.

O fato do produtor familiar recorrer ao trabalho assalariado, mesmo que seja por poucos dias, não implica numa relação capitalista, entre patrão e empregado. Isso porque, este só recorre a esse tipo de relação quando a família por si só não dá conta de todas as atividades a serem feitas no sítio, principalmente no momento da roçada de pastos e na colheita. Os pastos são roçados periodicamente, pelo menos uma vez a cada seis meses, o que deve ser feito para não prejudicar a sua qualidade, que nem sempre é boa.

Assim, procura-se deixar as pastagens sempre roçadas, tanto para facilitar a circulação do gado, como para não passar uma impressão de abandono ou de desleixo com a terra. Para essa tarefa, como se constata nos Quadros 06 e 07, a empreita é a mais utilizada, já que 52,0% dos produtores do Pinhalzinho a adotam, sendo 41,0% para a roça de pastos e reforma de cercas. Na Vila Rica, 47,0% dos produtores recorrem a esse tipo de relação de trabalho temporário; 40,0% a utilizam para a roça de patos e reforma de cercas.

No que tange ao uso de diária para completar o trabalho familiar nas comunidades rurais, ainda com base nos referidos Quadros, constata-se que 41,0% dos produtores do Pinhalzinho e 40,0% da Vila Rica adotam esse tipo de trabalho temporário, destinando-se principalmente para a produção agrícola, com ênfase na fase da colheita. A colheita é um momento em que se concretiza um longo ciclo de trabalho da família, no qual a produção nem sempre pode esperar para ser retirada da terra, ainda mais quando as condições do tempo não são favoráveis, como por exemplo, no verão, com a estação chuvosa.

Pinhalzinho – relações de trabalho adotadas nas UPFs

Trabalhado temporário

Empreita Diária

Ajuda mútua (troca de dias) N.º

UPF Sim Preparo

da terra Plantio Capina Colheita Roça de pasto / Reforma de cercas

Sim Preparo

da terra Plantio Capina Colheita Roça de pasto / Reforma de cercas

Sim Preparo

da terra Plantio Capina Colheita Roça de pasto / Reforma de cercas 01 X X X X X X X 02 03 X X X 04 05 X X X 06 X X X X X X 07 08 X X 09 X X 10 X X 11 X X 12 13 X X X 14 X X X X 15 X X X X X 16 17 X 18 X X 19 X X 20 X X X X 21 X X 22 X X X 23 X X 24 X X 25 X X 26 X X X 27 X X 28 X X 29 X X X X X Total 15 2 0 0 3 12 12 2 1 1 6 2 7 0 0 3 4 1 % 52,0 7,0 0,0 0,0 10,0 41,0 41,0 7,0 3,0 3,0 21,0 7,0 24,0 0,0 0,0 10,0 14,0 3,0

Quadro 07

Vila Rica – relações de trabalho adotadas nas UPFs

Trabalhado temporário

Empreita Diária

Ajuda mútua

N.º

UPF Sim Preparo da terra Plantio Colheita Roça de pasto / Reforma de cercas

Sim Preparo da terra Plantio Colheita Roça de pasto / Reforma de cercas

Sim Preparo da terra Plantio Colheita

01 X X X 02 03 X X 04 X X X X X X X X 05 X X X 06 X X X X 07 X X 08 X X X X 09 X X X X X X X 10 X X X X 11 X X 12 13 X 14 15 Total 7 0 0 1 6 6 2 2 3 1 5 1 2 4 % 47,0 0,0 0,0 7,0 40,0 40,0 13,0 13,0 20,0 7,0 33,0 7,0 13,0 27,0

Fonte: Dados coletados no trabalho de campo (Março/03). Org.: O autor

ser entendido como uma relação capitalista, pois a força de trabalho utilizada não é de trabalhadores expropriados dos seus meios de produção, proletários rurais, mas, de outros produtores das próprias comunidades, donos do seu meio de vida e produção, que estão exercendo o trabalho acessório para complementar a renda familiar.

Desse modo, “tanto do lado da procura quanto do lado da oferta, é a força de trabalho familiar que provoca a necessidade da utilização do trabalho assalariado, bem como o seu desaparecimento (...)” (TAVARES DOS SANTOS, 1978, p. 44).

Em tal contexto, da parte do produtor familiar que utiliza o trabalho assalariado, a sua lógica é vender um produto, trocando-o por dinheiro, para comprar outro produto que satisfaça as necessidades da sua família. Conseqüentemente, o dinheiro adquirido com a comercialização da produção não se capitaliza, pois o excedente é destinado ao consumo familiar. Assim, desse processo não “se constitui o capital que depende da mais-valia gerada pela força de trabalho assalariada para se reproduzir em escala ampliada” (TAVARES DOS SANTOS, 1978, p. 43). Não se verifica a existência de relações capitalistas de produção na relação entre as pessoas envolvidas no processo de trabalho, ou seja, entre o produtor familiar que necessita da ajuda e, o produtor, dono dos meios de produção, que em determinados momentos consegue ser liberado da sua unidade produtiva, buscando complementar a renda da família por meio do trabalho acessório.

Por isso, é necessário deixar claro a distinção entre a produção familiar e a produção capitalista. Segundo Oliveira (1995, p. 68), na produção capitalista, tem-se o movimento de circulação do capital expresso nas fórmulas: D – M – D na sua versão simples, e D – M – D’ na sua versão ampliada. Já na produção familiar,

[...] estamos diante da seguinte forma: M – D – M, ou seja, a forma simples de circulação das mercadorias, onde a conversão de mercadorias em dinheiro se faz com a finalidade de se poderem obter meios para adquirir outras mercadorias igualmente necessárias à satisfação de necessidades. É, pois, um movimento do vender para comprar (OLIVEIRA, 1995, p. 68).

A ajuda mútua por meio da troca de dias de trabalho constitui-se numa outra relação de trabalho que a família recorre para os momentos mais críticos ou quando esta necessita de um complemento da mão-de-obra familiar e não dispõe de dinheiro para o pagamento da mesma. Nas comunidades rurais analisadas, essa relação ocorre, conforme os Quadros 06 e 07, principalmente na forma da troca de dias de trabalho entre os produtores familiares, sendo adotada por 24,0% das unidades produtivas do Pinhalzinho e por 30,0% da

utilizada, embora também ocorra quando algum produtor fica doente, necessitando de ajuda na produção agrícola, para reformar ou construir uma casa, ou no momento de beneficiar algum produto, como “bater o feijão ou o arroz”. No Pinhalzinho, essa prática se dá entre um grupo de produtores familiares de uma das “águas”, prevalecendo entre vizinhos e parentes e, na Vila Rica, sua ocorrência também está ligada às pessoas com maior afinidade, alguns vizinhos, parentes e compadres.

A ajuda mútua já foi mais expressiva nas localidades quando a produção agrícola era mais significativa e a lavoura exigia mais braços para o cultivo. Naquele momento se utilizava mais o arado para preparar a terra, para “tombar” e “riscar” o solo, para posteriormente plantar. A troca de dia passava a ser recorrida no preparo da terra, no plantio, na capina (uma vez que nem todos os produtores adotavam os herbicidas), no momento da colheita e no beneficiamento desta.

Não resta dúvida que tal prática foi se tornando mais rara entre os produtores pela própria diversificação das atividades nos sítios, uma vez que a criação do gado leiteiro não ocupa a mesma quantidade de pessoas como a lavoura, ainda mais nos moldes como esta sempre foi exercida nas comunidades. No entanto, mesmo com as transformações verificadas na paisagem (diversificação produtiva), a ajuda mútua por meio da troca de dias de trabalho ainda é uma importante forma de solidariedade entre os produtores familiares na constituição do seu espaço produtivo.

Outro ponto importante na análise da produção familiar nas comunidades rurais estudadas, se refere à forma de organização dos produtores pelo cooperativismo, com a venda do leite para a Cooperativa de Laticínios de Mandaguari – Colari / Pr. É sobre esta forma de organização que se discutirá no próximo ítem, visando entender porque entre os produtores cooperados não ocorre um sentimento de pertencimento à cooperativa, ou seja, eles são cooperados, mas na prática não se sentem como tal.

3.4.2 – Ser cooperado e não se sentir cooperado: contradições do cooperativismo no sistema capitalista

O cooperativismo foi visto pelos “socialistas utópicos” como uma proposta de mudança das desigualdades sociais para uma sociedade mais justa e humana, especialmente no momento da Revolução Industrial, no qual as desigualdades, a exploração e o crescente número de desempregados era uma realidade na Europa. Desse modo, o cooperativismo foi

econômica do sistema capitalista.

O debate dos teóricos “utópicos” do cooperativismo enquanto possibilidade de mudança social é bastante expressivo e complexo e, conseqüentemente, teve grandes contribuições para o desenvolvimento das concepções teóricas e político-filosóficas sobre essa doutrina. De acordo com Ribas (2001, p. 81), os precursores do cooperativismo contribuíram para a sistematização dos princípios fundamentais desse novo arranjo sócio- territorial,

com a necessidade da associação do trabalho, a organização coletiva do trabalho, a organização da classe trabalhadora perante as ‘mazelas’ do capital, a necessidade de superação do lucro, a gestão democrática das associações cooperativas, o princípio do self help entre outros (Ribas, 2001, p. 81).

As primeiras experiências do cooperativismo tiveram sua gênese em Rochdale, distrito de Lancashire na Inglaterra, onde vinte e oito tecelões buscando uma alternativa para melhorar suas precárias situações econômicas, elaboraram os estatutos da Sociedade dos Pioneiros de Rochdale, contendo os princípios a respeito da estrutura e do funcionamento da cooperativa de consumo, que posteriormente passaram a constituir os fundamentos da doutrina cooperativista. Portanto, as sociedades cooperativas eram sociedades de pessoas e não de capitais, que deveriam ser regidas pelos seguintes princípios: governo da sociedade mediante eleição, livre adesão e demissão dos sócios; gestão democrática com direito a um voto apenas por associado (“um homem, uma voz”), taxa limitada de juro do capital social, distribuição das sobras proporcionalmente por associado, imprimindo ideais que visavam não somente a melhoria da situação econômica, mas também o próprio aperfeiçoamento moral e intelectual do cooperado (PINHO, 1977, p. 92).

Destarte, tendo em vista tal concepção filosófica e as experiências concretas que se ampliaram, algumas análises críticas passaram a fazer parte do debate acerca desta temática. Em tal contexto, o sistema cooperativista na análise de alguns autores marxistas não foi visto como sendo um passo para uma sociedade socialista, na qual ocorreria a emancipação dos trabalhadores.

Endossando este raciocínio, Ribas (2001, p. 90) enfoca que