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Dez dimensões da complexidade encontradas nas pessoas criativas

Capítulo 1. Abrindo a janela para a literatura

1.3 Caminhos da aprendizagem com Csikszentmihalyi: uma visão copernicana da

1.3.1 Dez dimensões da complexidade encontradas nas pessoas criativas

Por fim, encerro esse tópico, trazendo o que Csikszentmihalyi chama de ―dez dimensões da complexidade‖, o que, na verdade, seriam características das pessoas criativas, as quais, refinadas por um olhar sistêmico, vêm traduzidas, pelo autor, como ―dimensões‖, conceito que remete a grandeza, extensão, magnitude e calibre/valor. Antes de descrever estas dimensões, Csikszentmihalyi, referindo-se às pessoas criativas, declara que ―se tiver que expressar com uma só palavra o que faz a sua personalidade diferente das demais, essa

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palavra seria complexidade‖ (CSIKSZENTMIHALYI, 1998, p. 79). Explica que isso quer dizer que essas pessoas, impregnadas pela lógica da complexidade, se posicionam nos extremos contrários, sendo, portanto, identificadas não como ―indivíduos‖, mas como uma ―multidão‖. E acrescenta: ―assim como o branco inclui todos os matizes do espectro luminoso, essas pessoas tendem a reunir um leque inteiro das possibilidades humanas dentro de si‖ (p. 79). Provavelmente, estas sejam duas das razões que impossibilitam enquadrar esse construto nas grades de uma definição.

O autor afirma que ter uma personalidade complexa é ser capaz de expressar a totalidade de recursos e características que estão potencialmente presentes em um repertório humano, mas que, habitualmente, se atrofiam, porque acreditamos que um dos pólos é ―bom‖ enquanto a outra extremidade é ―ruim‖. Além disso, não comporta neutralidade, não se posiciona como meio termo, ou seja, jamais permanece no ponto intermediário a dois extremos, no entanto, é capaz de passar de um extremo ao outro se a ocasião assim requerer.

Em suma, Csikszentmihalyi apresenta dez pares de características que, frequentemente, estão presentes em tais indivíduos, as quais se integram numa tensão dialógica. Contudo, frente ao dilema do autor, ao se deparar com a possibilidade de ter de atribuir definições a pessoas, optei por registrar literalmente suas palavras iniciais, por considerar que não haveria palavras similares que definissem um momento reflexivo tão profundo, a partir do qual, na minha percepção, emerge, em igual profundidade, o estado de uma personalidade (refiro-me ao próprio autor) que, de fato, pode ser identificada como complexa e de transdisciplinar:

Tudo que foi falado do acesso ao campo e ao âmbito está certo, mas quando vamos ocupar-nos das características reais das pessoas criativas? Quando chegaremos à parte mais interessante: almas torturadas, sonhos impossíveis, agonia e êxtase da criação? A razão pela qual vacilo na hora de escrever sobre a personalidade profunda dos indivíduos criativos é que ainda não estou seguro de que existe muito sobre o que escrever, já que a criatividade é a propriedade de um sistema complexo e nenhum de seus componentes pode explicá-lo por si só. A personalidade de um indivíduo que pretende fazer algo criativo deve adaptar- se ao campo particular, às circunstâncias de um âmbito concreto que varia com o tempo e de um campo para outro (CSIKSZENTMIHALYI, 1998, p. 78). Seguem as dez dimensões que identificam as pessoas criativas, complexas (CSIKSZENTMIHALYI, 1988, p. 78-99):

1. Avessas ao imobilismo e ao comodismo possuem grande quantidade de energia física, psíquica, mental, emocional, mas buscam também a tranquilidade. Trabalham longas horas em estado de concentração, mas sabem que as atividades intensas intercaladas pelos momentos de ‗preguiça‘, ócio ou reflexão são importantes para o sucesso do trabalho. Essa dimensão da criatividade é amplamente defendida por Domenico De Masi (2000), quando o autor trata do ócio criativo como uma arte que se aprende e se

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aperfeiçoa gradativamente, protegendo-se, assim, do risco da alienação pelo excesso de trabalho.

2. São consideradas, simultaneamente, vivazes e inteligentes, sábias e ingênuas. Demonstram um potencial intelectual brilhante, o qual, se não equilibrado, pode afetar a criatividade, pois a pessoa torna-se defensiva e perde a curiosidade necessária à criação. Para Goethe, é da simplicidade que emerge o atributo mais importante dos gênios.

3. Transitam perfeitamente entre o lúdico e a extrema disciplina, a responsabilidade e a irresponsabilidade. O espírito brincalhão é inerente a essas pessoas, mas a brincadeira não vai muito longe sem a antítese, que é a perseverança e seriedade e extrema dedicação diante de uma tarefa a realizar.

4. Alternam imaginação e fantasia, pois ambas são necessárias para viver e sentir o presente, sem perder a nostalgia do passado. Albert Einstein escreveu que arte e ciência se constituem duas formas que os homens inventaram para escapar da realidade.

5. Polarizam traços simultâneos de introversão e extroversão, não se permitindo imobilizar pelo primeiro, tampouco perder-se na extravagancia do segundo.

6. São humildes e arrogantes, ambiciosas e altruístas, competitivas e cooperadoras. Em regra, renunciam ao conforto pessoal, em prol do sucesso de um projeto.

7. Fogem dos estereótipos atribuídos ao gênero: o que é próprio do homem e da mulher não lhes restringe a ação. Seguem uma tendência à androginia psicológica, manifestando atitudes masculinas e femininas indistintamente, ou seja, demonstram comportamentos atribuídos, culturalmente, aos dois gêneros, manifestando-se, ao mesmo tempo, agressivas e cuidadosas, sensíveis e rígidas, dominantes e submissas. 8. Polarizam reações de rebeldia e passividade, independência e submissão, porem, não

se imobilizam diante das regras. Para as pessoas criativas, a zona de conforto constitui-se espaço inabitável. Presenciamos, atualmente, de um lado, os poderosos tentando cercear e organizar o caos, e de outro, os criativos inventando soluções que superam estas barreiras (DE MASI, 2003).

9. São passionais e objetivas em relação às atividades que realizam. Entendem que, sem a paixão, logo se perde o interesse, ao mesmo tempo, sem ser objetivo, o trabalho perde a credibilidade. Em seu processo criativo demonstram tendência a ser o que alguns pesquisadores chamam alternância yin-yang entre os dois extremos.

10. Geralmente apresentam a liberdade e a sensibilidade, a angústia e o sofrimento, prazer e divertimento.

O autor sintetiza dizendo que ―a novidade que sobrevive e consegue mudar um campo, geralmente é o trabalho de alguém que pode operar em ambos os extremos, é esse o tipo de pessoa que chamamos ‗criativa‘‖ (CSIKSZENTMIHALYI, 1988, p. 99). Todos esses aspectos pontuados por Csikszentmihalyi, embora aparentemente antagônicos e supostamente conflitantes, dialogam e se complementam na estrutura personalizada do sujeito criativo,

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potencializando sua capacidade de superar adversidades e de compreender o que parece incompreensível ao olhar restrito.

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1.4 Caminhos da aprendizagem com Saturnino De la Torre: uma visão poética e

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