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Complexidade e criatividade : um olhar transdisciplinar

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Academic year: 2017

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Universidade

Católica de Brasília

Pró-Reitorla de Pós-Graduação e Pesquisa

Strlcto Sensu em Educação

Complexidade e Criatividade

Um Olhar Transdisciplinar

Aluna-pesquisadora: Olzeni Leite Costa Ribeiro

Orientadora: Profl. Or-. Maria Cândida Moraes

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EITE

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IBEIRO

COMPLEXIDADE E CRIATIVIDADE UM OLHAR TRANSDISCIPLINAR

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do Título de Mestre em Educação, na Área de Ensino-Aprendizagem.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria Cândida Moraes

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.

Ficha elaborada pela Biblioteca Pós-Graduação da UCB R484c Ribeiro, Olzeni Leite Costa

Complexidade e criatividade: um olhar transdisciplinar. / Olzeni Leite Costa Ribeiro – 2011.

300f. : il.; 30 cm

Dissertação (mestrado) – Universidade Católica de Brasília, 2011.

Orientação: Maria Cândida Moraes

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EDICATÓRIA

Para aqueles que têm mostrado interesse em indagar a criatividade, para aqueles que têm tentado desenvolvê-la em si mesmos,

para aqueles que têm tentado estimulá-la nos outros, para aqueles que têm feito dela um caminho

que os leve à felicidade e dê pleno sentido

as suas vidas. Para eles, Para você, que vive com calma livre para receber e para dar, que construiu o seu destino, que segurou as rédeas da sorte ou azar, que com sua areia contribuiu no relógio do tempo

para que ele continue marcando horas do progresso e humanidade. Para todos aqueles que têm feito de sua vida um manancial de amizade.

Saturnino De la Torre

(2005)

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A

GRADECIMENTOS

Compreendi, então que a vida não é uma sonata que, para realizar a sua beleza tem de ser tocada até o fim. Dei-me conta, ao contrário, de que a vida é um álbum de minissonatas. Cada momento de beleza vivido e amado, por efêmero que seja, é uma experiência completa que está destinada à eternidade. Um único momento de beleza e amor justifica a vida inteira (RUBEM ALVES).

P

ela possibilidade de realização de uma experiência, sou grata ao meu grande Pai, o maior de todos os dons, essa força magnífica que esteve comigo durante momentos muitos difíceis, sustentando minhas fraquezas e complementando minhas limitações, sem nunca me deixar desistir. Cheguei! Por este grande presente que guardou para mim, obrigada Deus!

A

os grandes amores da minha vida. Marcos, o mais especial, meu porto seguro, a mais nobre fonte de força e de carinho, minha vida. Obrigada pelo seu caráter, ternura, firmeza, bondade, paciência na ausência, aconchego nos momentos de desespero, cuidado nos momentos de fraqueza, dedicação incondicional, exemplo de ser humano perfeito. Se você não existisse, eu teria que pedir a Deus para inventá-lo e, assim, me permitir existir. Aos meus filhos Rodrigo & Fabiana, Daniel & Daniéle e Thaíse, aos netos queridos, Gabriel, Rafael e Cecília, meus tesouros, energia que me anima a ser exemplo de persistência, me resgatando a cada recaída, meus melhores presentes, prova real da existência de Deus.

A

os melhores pais do mundo, Olga e José (nomes que deram origem ao meu nome), exemplo de todos os valores e dons humanos que possam existir, fonte de caráter, de força, de fidelidade, de amor, de persistência e de firmeza. Aos meus irmãos queridos (Estevam, Olzinete, Marivalda e Kennedy), pela confiança, apoio e carinho. À memória da minha querida avó Joana, a mais forte referência de luta, de coragem e de capacidade para vencer desafios.

G

rata pelo modelo de competência acadêmica dos professores do Programa de Pós-graduação da Universidade Católica de Brasília, com os quais convivi. Mestres queridos que deixaram marcas muito especiais: Beatrice, pela nobre visão de mundo e de academia; perfil acolhedor e amoroso, solidária em todos os momentos, exemplo para um referencial de academia a ser seguido. Cândido, pela grande capacidade e disponibilidade de compartilhar sua sabedoria. Jacyra, pela percepção refinada do conhecimento acadêmico. E, Afonso, pela expertise e inteligência com que conduz a missão da Universidade. Obrigada pelo exemplo de compromisso e dedicação na formação de pesquisadores!

À

Universidade de Brasília que me permitiu conhecer e atuar com aquela que se tornou minha grande incentivadora Profª Drª e amiga querida, Ângela Virgolim, anjo que sempre me inspirou a buscar esse caminho, apoio humano nos momentos mais difíceis, exemplo acadêmico de sabedoria, testemunho profissional de disponibilidade e de inteligência, modelo pessoal de empenho e de abertura incondicional. Obrigada por fazer parte de uma fase tão difícil na minha vida pessoal!

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e Núbia, afetos especiais que deixaram marcas. Andréa, Batalha, Cida Almeida, Lênia, Joana, Liliane e tantos outros afetos especiais que fizeram diferença em minha vida profissional. Obrigada por fazerem parte dos meus últimos e mais intensos momentos de magistério! Geniane, amiga especial e comadre mineirinha, meu modelo de sabedoria, de inteligência, de

insight, de acolhimento e de fidelidade na amizade. O mundo da educação ficou melhor depois de você!

E

nfim, pelos incontáveis afetos que se fizeram presentes no diálogo real, nas ideias, no virtual, na ausência e na convivência, no apoio e no acolhimento. A todos, infinitamente, todos, obrigada!

G

rata, de modo muito especial, à minha Banca de celebridades, na figura dos professores Saturnino de la Torre e Luiz Síveres. Inspiradores de um novo olhar sobre a academia, sobre a ciência, sobre a vida e sobre o mundo. Obrigada por acreditar e me fazer merecer a honra de tê-los ao meu lado em um momento único. Obrigada por me instigar ao desafio de ousar e por me permitir irrigar da fonte de sabedoria para trilhar caminhos tão bem percorridos por vocês. Os dois se tornaram a mais fecunda inspiração e a mais nobre recompensa por tantas horas de transpiração!

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Referência: RIBEIRO, Olzeni Leite Costa. Complexidade e Criatividade: um olhar transdisciplinar 2011. Dissertação, Mestrado em Educação - Programa de Graduação Stricto Sensu em Educação, Universidade Católica de Brasília – UCB, Brasília, 2011.

RESUMO

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seletiva, procedimento metodológico final da Grounded Theory, emergiu como categoria essencial, um novo cenário que pretende sugerir estratégias diferentes das usuais, para a criação de um ambiente promissor de expressão e polinização da criatividade nos processos educativos e nas organizações. Esta categoria denomina-se ‗Criatividade de Natureza Eco

-Sistêmica‘ e está fundamentada nos pensamentos de Saturnino de la Torre e Maria Cândida Moraes.

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ABSTRACT

It is a theme that has proved to be vital for the survival of humanity more than at any time in history: creativity. This work aims at contributing to the current academic and social demands in order to recognize the importance of complex reasoning and of an transdisciplinary look towards the current approaches related to the processes of knowledge construction, in particular, with regard to the subject being studied, in an attempt to better understand this human phenomenon. Thus, the researcher based her work on two theories conceived in the light of a systemic view of creativity, more precisely, Csikszentmihalyi´s theory, and Saturnino de la Torre´s interactive and psychosocial concept of creativity, identified as the object of study of this present research. Both theories were analyzed in the light of complexity and interdisciplinary assumptions, from which similarities and paradoxes have been discovered in relation to the current definitions prevalent in this area. The analysis aimed at identifying and classifying elements that characterize the theoretical-epistemological perspective underpinning these theories and to suggest a conceptual network of creativity that converges towards the assumptions of complex and interdisciplinary reasoning. Based on the literature concerning theoretical-methodological concepts and paradigmatic implications that underlie the current definitions on creativity, the researcher deepens the discussion on this important subject, identifying some mistakes in the terms commonly used to define such a phenomenon. This study is characterized as a Theoretical Research, which adopted a triangulation as a methodological strategy, incorporating procedures related to Bricolage and to the Grounded Theory or the Data Grounded Theory. Data emerged from the literature in the field, addressing creativity in two distinct perspectives: in the conventional view and in the light of the categories present in the epistemological complexity perspective and in the transdiciplinarity methodology. Since it is a theoretical research, González Rey´s and

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ISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 Fluxo do processo criativo representado por Parnes. 37

FIGURA 2 Diagrama de representação do movimento dialógico que resultou na construção desse estudo.

42

FIGURA 3 Apresentação do fluxo das etapas de inspiração, transpiração e expiração.

62

FIGURA 4 Fluxo de representação da influência entre as três dimensões envolvidas no estudo: criatividade, complexidade e transdisciplinaridade.

68

FIGURA 5 Paradigmas, enfoques e teorias da criatividade. 105

FIGURA 6 Representação do fluxo das dimensões que compõem a visão Sistêmica

da Criatividade. 147

FIGURA 7 Diagrama de representação da Teoria Interativa e Psicossocial de Torre. 158

FIGURA 8 Teorias que originaram a Criatividade Paradoxal. 167

FIGURA 9 Modelo de Jantsh representando as diversas relações entre as disciplinas. 179

FIGURA 10 Representação da evolução recursiva do Triângulo de Sierpinski. 244

FIGURA 11 Representação de uma das etapas de evolução expondo o efeito da

intersecção. 245

FIGURA 12 Diagrama representativo da categoria ‗Criatividade de Natureza Eco-sistêmica’.

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ISTA DE

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UADROS

QUADRO 1 Organização para cumprimento dos objetivos na metodologia. 65

QUADRO 2 Coleta de conceitos e teorias da criatividade na visão sistêmica. 106

QUADRO 3 Características do método Grounded Theory que convergem e divergem para a linha adotada no estudo.

206

QUADRO 4 Resultado da codificação aberta na intersecção das teorias Torre & Csikszentmihalyi.

222

QUADRO 5 Conjunto de termos ou expressões coletados no conjunto de definições da criatividade, vigentes na literatura.

223

QUADRO 6 Resultado da codificação axial aplicada à intersecção Torre & Csikszentmihalyi.

226

QUADRO 7 Resultado da codificação axial aplicada ao repertório coletado das definições de criatividade existentes na literatura.

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S

UMÁRIO

Introdução ... 23

Abrindo a janela da pesquisa e descortinando novos cenários ... 23

Processo sentipensar ... 26

Cenário para Sentipensar ... 27

Apresentação: a autora e sua pesquisa ... 29

A complexidade da natureza de minha natureza ... 29

Cenário para sentipensar: A Floresta do Alheamento ... 30

Travessia epistemológica: descobrindo a experiência de fluxo ... 36

(Des) construção paradigmática: religando teoria e prática ... 40

Descoberta do eu-epistêmico: resultado da experiência de fluxo ... 44

Caminhos da aprendizagem: a descoberta do problema ... 48

Relevância pessoal da pesquisa ... 51

O problema de pesquisa... 58

Declaração de Objetivos ... 66

Objetivo Geral ... 69

Objetivos Específicos ... 69

Delimitação do estudo ... 71

Complexidade e Criatividade: um olhar transdisciplinar ... 71

A que Complexidade me refiro? ... 73

A que Criatividade me refiro? ... 74

Por que Olhar Transdisciplinar? ... 76

Relevância científica e social da pesquisa... 79

Percurso Metodológico: aspectos fundamentais da metodologia construída ... 81

Capítulo 1. Abrindo a janela para a literatura ... 84

1.1 Contextualização do tema na pesquisa ... 84

1.2 Revisitando a literatura: um novo olhar para a Criatividade ... 94

1.2.1 Novos caminhos para a Criatividade ... 96

1.2.2 O que é ou onde está a Criatividade? ... 99

Cenário para Sentipensar ... 99

1.2.3 Criatividade: uma nova ordem a ser mirada ... 105

1.2.4 Criatividade na dimensão da evolução dos seres ... 115

1.2.5 A Criatividade como evolução da natureza ... 117

1.2.6 Criatividade na subjetividade do ser ... 118

1.2.7 Criatividade Transdisciplinar: a teoria do corpo-criante ... 119

1.2.8 Três cegos e um elefante: uma visão crítica da criatividade sob o olhar de ... 122

Augustín de la Herrán Gascón ... 122

Cenário para Sentipensar: A Fábula Indiana dos Cegos e o Elefante ... 127

1.2.8.1 Criatividade: refletindo a dicotomia pensamento divergente versus pensamento convergente ... 130

1.2.8.2 Criatividade e o paradoxo no processo de gerar ideias ... 133

Cenário para Sentipensar ... 133

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1.2.8.4 Criatividade e inovação... 137

1.3 Caminhos da aprendizagem com Csikszentmihalyi: uma visão copernicana da criatividade ... 145

1.3.1 Dez dimensões da complexidade encontradas nas pessoas criativas ... 154

1.4 Caminhos da aprendizagem com Saturnino de la Torre: uma visão poética e interacionista da criatividade ... 158

1.4.1 Uma visão Interativa e Psicossocial da Criatividade ... 160

Cenário para Sentipensar ... 160

1.4.2 Criatividade Paradoxal ... 168

Cenário para Sentipensar ... 168

1.5 Complexidade e Transdisciplinaridade: um olhar da criatividade ... 174

1.5.1 A Lógica da Complexidade ... 174

1.5.2 A Lógica da Transdisciplinaridade ... 183

Capítulo 2. O desenvolvimento da Pesquisa ... 188

2.1 Ampliando as fronteiras do método ... 188

2.2 Trilhando o percurso: o método de pesquisa ... 195

2.2.1 Estratégias e Procedimentos Metodológicos... 196

2.2.2 Quanto à abordagem do problema ... 197

2.2.3 Quanto ao método adotado ... 200

2.3 A Triangulação Metodológicaconcretizada ... 205

2.3.1 Revisão bibliográfica: acesso ao estado do conhecimento ... 205

2.3.2 A trama paradigmática subjacente à Grounded Theory ... 207

2.3.3 Desvendando as teias da Bricolagem ... 214

Cenário para Sentipensar ... 214

2.4 Análise e Discussão dos Dados sob a Perspectiva Complexa e Eco-sistêmica ... 222

2.4.1 Codificação Aberta ... 225

2.4.1.1 Considerações Parciais... 228

2.4.2 Codificação Axial... 230

2.4.2.1 Considerações Parciais... 233

2.4.3 Codificação Seletiva: o dilema da proximidade do momento de expiração ... 237

Criatividade de Natureza Eco-sistêmica: considerações epistemológicas e terminológicas atribuídas à categoria essencial ... 241

Conclusão da Codificação Seletiva: a construção do Diagrama Integrado ... 248

2.4.3.1 Considerações Parciais ... 254

2.5 A etapa que não se realizou: limitações do estudo ... 257

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Cenário para Sentipensar ... 260

Referências ... 271

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INTRODUÇÃO

Abrindo a janela da pesquisa e descortinando novos cenários

Fonte: http://mulherjuntoafonte.blogspot.com/2010/11/janela-de-johari.html

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O título de abertura da pesquisa identifica parte da estrutura tecida no texto e a imagem que o acompanha foi escolhida na intenção de dar corpo ao contexto no qual busquei desenvolvê-lo. A figura da janela, chamada ‗Janela de Johari‘1, representa um modelo de autoconhecimento. Originalmente criada por dois psicólogos americanos, Joseph Luft e Harrington Ingham, há cerca de 50 anos, procura ilustrar, por meio da metáfora da janela, nosso nível de abertura e de interação interpessoal. Foi dividida em quatro áreas: a área aberta

(zona que integra o conhecimento do ego e também dos outros); a área cega (zona de conhecimento apenas detido pelos outros e, portanto, desconhecido do ego), a área secreta

(zona de conhecimento pertencente ao ego e não partilhada com os outros) e a área do

inconsciente ou eudesconhecido (zona que detêm os elementos de uma relação em que nem o ego, nem os outros têm consciência ou conhecimento).

A analogia que trago ao contexto, estabelecida entre as áreas da Janela e o estudo, será aplicada à minha própria percepção acerca de sua estrutura, processo de realização e resultados alcançados. Assim, ao mesmo tempo em que deixei fluir muito da minha visão e experiência acerca da criatividade, construídas a partir da dedicação ao estudo do tema, busquei integrar o conhecimento acumulado na literatura, expondo o pensamento de autores que desenvolveram teorias relevantes na área, caracterizando-o, portanto, como Pesquisa Teórica (área aberta). Nesse percurso, também apresentei conhecimentos aos quais não tive acesso em minha trajetória e, neste caso, pertenciam somente a outros (área cega). Por sua vez, a área secreta da Janela me permitiu imergir na literatura e aprofundar conhecimentos em muitos aspectos dos quais não tive acesso. Houve situações em que não me senti segura para expor um posicionamento, reconhecendo, assim, minha limitação diante de uma área de estudo tão abrangente. Estes, portanto, ficaram na ―gaveta dos guardados‖ 2.

Por fim, permaneceu intacta na Janela, a área do inconsciente ou desconhecido. Esta, atribuo às nossas prováveis certezas e dúvidas provisórias, o conhecimento iniciado, mas jamais encerrado. Parafraseando Morin, refere-se ao ‗conhecimento do desconhecimento do conhecimento‘, ou seja, à nossa consciência da impossibilidade de alcançar a totalidade. Esta área da Janela não pertence a mim, nem aos autores com os quais dialoguei, mas alçará voos por inúmeras cabeças que tiverem acesso a estes escritos e desfrutarem da autonomia de reconstruí-los de incontáveis maneiras.

No que se refere à estrutura adotada para introduzir o estudo, inspiro-me no estilo literário de Eduardo Galeano cuja obra, AS PALAVRAS ANDANTES (1994), traz na

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abertura de seus capítulos o termo ‗janela‘, recurso do qual me apropriei por julgar pertinente à natureza do estudo.

Para ilustrar com a figura da ‗janela‘ reporto-me também a Tôrre (2005), quando o autor nos instiga a uma nova visão sobre o conhecimento, sobretudo, aquelas áreas que carregam maior grau de complexidade. Aqui, janela traz, portanto, este sentido de abertura de novos horizontes, como que remetendo-nos ao movimento de abrir que, no caso, inspira a abertura da mente e do pensamento. Tem por finalidade, além disso, apontar para a perspectiva da visão de mundo definida por Tôrre (2005), uma visão que não busca uma resposta simplesmente, mas que se revela como ―uma janela conceitual, através da qual nós percebemos e interpretamos o mundo, tanto para compreendê-lo como para transformá-lo {...} como uma espécie de lente cultural‖ (p.1).

Entendo que falar da criatividade me exige, de antemão, um voo mais ousado e coerente com um contexto que envolve, além da criatividade, também a complexidade e a transdisciplinaridade, temas basilares desse estudo. Na tentativa de ser congruente com tudo que foi proposto dentro dos aspectos teóricos, epistemológicos e metodológicos, busquei integrar recursos pertinentes ao Cenário para Sentipensar idealizado por Moraes e Torre (2004), os quais sugerem a criação de um contexto de construção do conhecimento no qual devemos integrar razão e emoção.

A composição deste cenário exige que adotemos recursos diferenciados, tendo como princípio o desenho de um ambiente de vivência pautado no encanto e no amor, valores gerados no contexto de aceitação do outro em seu legítimo outro (MORAES e TORRE, 2004). A pertinência quanto ao uso do processo sentipensar em espaços de conhecimento e aprendizagem também remete aos pilares propostos pela UNESCO os quais, entre outros aspectos, inclui a criatividade. Outra razão que inspirou-me a trazer o cenário para

Sentipensar ao contexto desta pesquisa consistiu em sua conexão com uma estratégia transdisciplinar que favorece a escuta sensível (MORAES, 2008), atitude propícia à expressão da criatividade. Na perspectiva de Barbier (2002), a escuta sensível semelha um movimento sinérgico na direção do outro promovendo a reciprocidade e o entrelaçamento entre ação-pensamento, emoção-desejos-afetos, elementos que Moraes propõe como expressão da totalidade humana.

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como objeto de estudo. Inspirada em sua obra, o cenário do estudo foi composto de recursos como poesias, histórias, breves diálogos.

Afinal, ciência e arte são estilos igualmente legítimos de expor o conhecimento, o que nos estimula e nos dá coragem para contarmos do nosso jeito. Se as múltiplas maneiras de perceber a realidade não incluírem a subjetividade, a razão e a emoção em parceria epistemológica, a realização e a utopia, tudo resultará inevitavelmente incompleto. Ao negar a subjetividade, negamos também a realidade (MARIOTTI, 2005).

Antes, porém, de abrir as várias áreas da Janela, julgo pertinente explicar os pressupostos do processo sentipensar.

PROCESSO SENTIPENSAR

Rigor sem sensibilidade é vazio, sensibilidade sem rigor é insignificante (SEARLE, 2000).

Sentipensar versa sobre um neologismo criado por Torre e Moraes (2004), cujo processo de justaposição denota o acoplamento entre sentimento/emoção e pensamento/razão, elementos que passam a atuar juntos impactando os modos de perceber e interpretar a realidade e suas implicações no âmbito cognitivo e emocional/afetivo. Assim sendo, a tríade sentir-pensar-agir representa dimensões integradas que, por sua tessitura multidimensional, revelam a complexidade humana, influenciando, especialmente, os processos de conhecimento e de aprendizagem. Deste modo, educar para sentipensar pressupõe, de antemão, a escuta do sentimento e a abertura do coração, conforme Torre e Moraes.

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Vejo que entre os dois termos – sentir e pensar – se estabelece uma relação dialógica criada pelas próprias crenças, mitos, paradigmas, os quais são construídos e armazenados em nosso imaginário, como consequência de uma herança positivista inscrita em nosso ‗hardware

aprendente‘. No entanto, por evocar uma relação que se insere no âmbito da própria lógica da complexidade, essa relação contribui e nos aproxima favoravelmente do Cenário para

Sentipensar. Transitar em um espaço dialógico para discutir um fenômeno (criar) que se constitui um paradoxo entre a ciência (pensar) e a arte (sentir) implica, sobretudo, impregnar este cenário de recursos multissensoriais e poéticos, estratégia que pretendo desenvolver ao tecer o texto nesse estudo.

CENÁRIO PARA SENTIPENSAR

Uma mesa remendada, velhas letrinhas móveis de chumbo ou madeira, uma prensa que talvez Gutenberg tenha usado: a oficina de José Francisco Borges na cidadezinha de Bezerros, no interior do nordeste do Brasil. O ar cheira a tinta, cheira a madeira. As pranchas de madeira, em pilhas altas, esperam que Borges as talhe, enquanto as gravuras frescas, recém-impressas, secam dependuradas no arame de um varal. Com sua cara talhada em madeira, Borges me olha sem dizer nada. Em plena era da televisão, Borges continua sendo um artista da antiga tradição do cordel. Em minúsculos folhetos, conta causos e lendas: ele escreve os versos, talha as pranchas, imprime as gravuras, carrega os folhetos nos ombros e os oferece nas feiras, de povoado em povoado, cantando em ladainhas as façanhas das pessoas e dos fantasmas. Eu vim à sua oficina para convidá-lo a trabalhar comigo. Explico meu projeto: imagens dele, suas artes da gravura, e palavras minhas. Ele se cala. Eu falo e falo, explicando. Ele, nada. E assim continuamos, até que de repente percebo: minhas palavras não têm música. Estou soprando em flauta rachada [...] E então deixo de explicar; e conto. Conto para ele as histórias de espantos e encantos que quero escrever, vozes que recolhi nos caminhos e sonhos meus, de tanto andar acordado, realidades deliradas, delírios realizados, palavras andantes que encontrei – ou fui por elas encontrado. Conto a ele os contos. E este livro nasce (GALEANO, 1994).

Trouxe o texto de introdução da obra de Galeano (2004), por traduzir de forma simplesmente criativa, porém, fecundamente peculiar, o conto de um projeto do próprio autor que desaguou em sua obra AS PALAVRAS ANDANTES, quando diz ―e este livro nasce‖. Aproprio-me de sua estrutura para dar forma a um projeto pessoal que também desaguou numa realização: e esta pesquisa nasce! Estou aqui para convidá-lo a mergulhar comigo, partilhando deste desafio, para que eu não ―sopre em flauta rachada‖ e as ideias que se

fizerem relevantes possam ser disseminadas.

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compreendo como poderia chamá-lo: sentipensar. Também trago vozes que recolhi no caminho e sonhos meus, delírios realizados. Explico meu estudo: ―imagens dele [...] palavras minhas‖, mas estrutura inspirada nele, porque ―minhas palavras não têm música‖

(GALEANO, 1994).

Não tem música, mas tem alma, porque o modo como escolhemos as palavras está imbricado em nossas experiências, o que me dá o consolo de não escrever de um lugar neutro, de um lugar comum, mas do lugar da minha vida. Nessa experiência de escrita, de algum modo busco me encontrar, ao mesmo tempo em que me revelo por dentro. Larrosa (1996) explica que narrar-se por meio da palavra é uma forma de perceber-se a si próprio, ou seja, a percepção da relação consigo mesmo se revela nas narrativas que construímos. Afinal, como

diz Galeano, ‗ñe´‘ em guarani, significa palavra e palavra também significa alma, portanto, segundo o autor, quem não se revela pela palavra trai a alma e se dou minha palavra, também dou minha alma.

Antes, anuncio que, inspirada por Francisco Varela e pautada na minha história de amor com esse objeto de estudo, darei à sua estrutura, o nome de ‗Caminhos da Aprendizagem3‘, como veremos mais adiante.

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APRESENTAÇÃO: A AUTORA E SUA PESQUISA

Quem eventualmente, poeta não é, cria o quê? Se alguém não tem mesmo nada para criar, pode talvez criar a si mesmo (C. G. JUNG, 2011).

A complexidade da natureza de minha natureza

Sou,na medida em que nunca perco minha capacidade de sempre mais aprender. Sou um ser aprendente, que se nutre da incompletude de meu ser.

Sou uma pessoa, cujo maior medo é o de ser medrosa.

Sou um ser, cujas certezas estão nas incertezas do meu existir, ao procura distanciar-me do paradigma dual causa-efeito, certo-errado, para abrir caminhos em direção a um oceano de possibilidades transformadoras.

Sou um ser que encara o erro como o caminho para se chegar ao acerto. Não renego a desordem, pois ela faz parte do anel recursivo.

Ela está na gênese e por ela chego à ordem mediada pela riqueza das interações comigo mesma, com o outro e com o ambiente a que pertenço.

Ações, interações e retroações preenchem o meu viver com sentido, no qual a desordem, a ordem e a organização agem e retroagem sucessivamente.

Sou única na singularidade de meu ser: ora sapiens, ora demens.

Sou possuidora de um imaginário marcado pela pulsão de vida e de morte, fios que ligam e religam-me à totalidade do cosmos em suas mais elevadas sabedorias.

Sou múltipla, pois reconheço a pluralidade da diversidade que me cerca;

Sou gente, ente que procura abraçar o diferente, abrindo espaço ao terceiro incluído. Sou nós na arte de pertencer à comunidade planetária habitante de nossa casa comum.

Sou a gênese, o genérico continuamente a gerar energias, circulação, generatividade de novas vidas a partir da morte:

É a ciranda do anel a deslizar na desordem, interações, ordem, organizações, desordem, cujas ideias-chave estão na recorrência, na retroação para uma transformação espiralada.

Meu olhar complexo acolhe o desconhecido, o mistério, o imaginário e o simbólico, E faz-me soltar da tentativa de só perceber o real e a racionalização que fragmenta.

A complexidade confere o poder de considerar-me um ser eco dependente: portador de dupla identidade – a minha própria e a do pertencimento ao meio ambiente.

A complexidade abre-me para a subjetividade do desconhecido, do mistério; ensina-me a ser menos reducionista, determinista, a ousar e até de poetisa brincar.

Regula minha sensibilidade para perceber o tempo como irreversível, cíclico, circular vivido em sua maior expressão da vida: o AMOR, regulador de minha autopoiesis.

Ser ou não ser na complexidade, eis a questão.

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CENÁRIO PARA SENTIPENSAR

AFLORESTA DO ALHEAMENTO

SEI QUE DESPERTEI e que ainda durmo. O meu corpo antigo, moído de eu viver, diz-me que é muito cedo ainda. Sinto-me febril de longe. Peso-me não sei por quê.

Num torpor lúcido, pesadamente incorpóreo, estagno, entre um sono e a vigília, num sonho que é uma sombra de sonhar. Minha atenção boia entre dois mundos e vê cegamente a profundeza de um mar e a profundeza de um céu; e estas profundezas interpenetram-me, misturam-se, e eu não sei onde estou nem o que sonho [...] Uma grande angústia inerte manuseia-me a alma por dentro, e incerta, altera-me como a brisa aos perfis das copas [...] Sou toda confusão quieta [...] Com uma lentidão confusa acalmo.

Entorpeço-me [...] Bóio no ar, entre velar e dormir, e uma outra espécie de realidade surge, e eu, em meio dela [...] Coexistem na minha atenção algemada as duas realidades, como dois fumos que se misturam. Que nítida de outra e de ela essa trêmula paisagem transparente! . . .

E quem é esta mulher que comigo veste de observada essa floresta alheia? Para que é que tenho um momento de mo perguntar? . . . Eu nem sei querê-lo saber...

A alcova vaga é um vidro escuro através do qual, consciente dele, vejo essa paisagem. . . e essa paisagem conheço-a há muito, e há muito que com essa mulher que desconheço erro, outra realidade, através da irrealidade dela. Sinto em mim séculos de conhecer aquelas árvores, e aquelas flores e aquelas vias em desvios e aquele ser meu que ali vagueia, antigo e ostensivo ao meu olhar [...]

De vez em quando pela floresta onde de longe me vejo e sinto, um vento lento varre um fumo [...] Sonho e perco-me, duplo de ser eu e essa mulher. . . Um grande cansaço é um fogo negro que me consome. . . Uma grande ânsia passiva é a vida que me estreita. . . Ó felicidade baça... O eterno estar no bifurcar dos caminhos! . . .

Eu sonho e por detrás da minha atenção sonha comigo alguém. . . E talvez eu não seja senão um sonho desse Alguém que não existe. . . [...]

As árvores! As flores! o esconder-se copado dos caminhos! [...] O nosso sonho de viver ia adiante de nós, alado, e nós tínhamos para ele um sorriso igual e alheio, combinado nas almas sem nos olharmos, sem sabermos um do outro mais do que a presença apoiada de um braço contra a atenção entregue do outro braço que o sentia.

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Fora daquelas árvores próximas, daquelas latadas afastadas, daqueles montes últimos no horizonte haveria alguma cousa de real, de merecedor do olhar aberto que se dá às cousas que existem? . . .

Na clepsidra da nossa imperfeição gotas regulares de sonho marcavam horas irreais [...] Dormimos ali acordados dias, contentes de não ser nada, de não ter desejos nem esperanças, de nos termos esquecido a cor dos amores e do sabor dos ódios. Julgávamo-nos imortais. . .

Ali vivemos horas cheias de um outro sentirmo-las, horas de uma imperfeição vazia e tão perfeitas por isso, tão diagonais à certeza retângula da vida. . . Nenhuma ânsia nossa tem razão de ser [...] O cansaço que temos é a sombra de um cansaço [...] Nenhum de nós tem nome ou existência plausível.

Se pudéssemos ser ruidosos ao ponto de nos imaginarmos rindo, riríamos sem dúvida de nos imaginarmos vivos [...] Fujamos a sermos nós. . . [...] Foge diante dela, como um nevoeiro que se esfolha, a nossa ideia do mundo real, e eu possuo-me outra vez no meu sonho errante, que esta floresta misteriosa esquadra (PESSOA, 1980; 2005).

A chamada ao texto dramático de Fernando Pessoa pretende introduzir o dilema na

decisão do ‗eu‘ numa pesquisa que almeja tratar exatamente de uma relação criativa entre sujeito e objeto. Ao ser, sabiamente, questionada sobre cadê eu na pesquisa, me vi diante de uma angústia epistemológica, provocada pela sensação de faltar com a essência ontológica num espaço de construção, cujo processo exige, de antemão, esse protagonismo do ser a partir da sua natureza autopoiética. Essa sensação de ausência foi ao encontro das palavras de Fernando Pessoa, onde me vi instigada e num terreno propício para refletir sobre essa questão.

Conforme diria Pessoa, ―um grande cansaço é um fogo negro que me consome, uma grande ânsia passiva é a vida que me estreita; ó felicidade baça, o eterno estar no bifurcar dos

caminhos!‖ (1980, p 108).

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Esse questionamento da ausência momentânea do ‗eu‘ é reforçado por Sartre (2002), quando o autor concebe o homem como um ser-no-mundo que, embora sua formação se inicie indefinida, e, por isso, vive nessa busca insaciável de sentido, age diante disso não de forma estática, mas em movimento de constante evolução, incorporando cada experiência como um elemento essencial à sua edificação. O autor coloca, no entanto, que o mistério subjacente à sensação do nada, responsável por despertar um misto de medo e desespero, é, ao mesmo tempo, o que nos impulsiona na busca das possibilidades de enfrentá-lo. Na verdade, Sartre, embora considerado por muitos como um pensador negativo e pessimista, representa o existencialismo, e, para o bem ou para o mal, afirma que a existência precede a essência. Assim, termina por argumentar em favor da ontologia como uma necessidade de que o ser se mostre, a priori, em sua natureza, em seu legítimo eu, portanto, não pode ser concebido de fora, como um elemento inativo, entorpecido.

O encontro com o monólogo de Fernando Pessoa vem da forma como sugere a

existência de uma suposta personagem, apresentada pelo ‗eu-lírico‘. Como se surgisse do nada, em alguns momentos da trama, ela emerge como se fosse o espectro de uma pessoa humana, que vem tomando forma quase invisível e passa a configurar-se a partir de um processo de simbiose que vai se instalando.

No entanto, essa personagem pode se conformar em inúmeras formas e aspectos, por não trazer em si uma identidade instituída. Por meio das afirmações, tessituras textuais, suposições, questionamentos, constatações, citações, ela vai deixando de se mostrar, ao mesmo tempo em que, implicitamente, permite transparecer sua existência. Assim, não se permite caracterizar, uma vez que se revela apenas sutilmente por meio do texto. O que pouco se consegue, é caracterizar aquele que se diz sujeito por meio de sua extrema subjetividade.

Ler Fernando Pessoa, nesse contexto, não remete a reflexão somente para o locus da estética por se tratar de um texto poético. A intenção é de fazer referência ao seu perfil humanista e filosófico visando enfatizar, sobretudo, sua devotada busca pelo eu, na perspectiva de encontrar sua presença num espaço em que, mesmo diante da consciência da ausência de si, não lhe será permitido se mostrar por inteiro. Não se trata de um eu estático, mas ilimitado e que se auto organiza constantemente, podendo se revelar a partir das mais diferentes características. Um eu que se assemelha à ‗primeira pessoa‘ que não se mostra na

pesquisa, e, que, embora travestido por diversas configurações, se esconde na impessoalidade

da ‗terceira pessoa‘.

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conhecido para o desconhecido e depois saber expressá-lo em outro conhecido. A regra vigente, entretanto, permite transitar somente no sentido linear, no qual prevê um sujeito que segue na direção do objeto que precisa ser conhecido e, este, por sua vez, terá o encargo de se revelar no que o sujeito precisa para conhecê-lo. Em contrapartida, não é permitido ao sujeito expor os elementos textuais que o revelariam, enquanto protagonista dessa relação.

Nesta perspectiva, termina por se limitar a essência do ser pesquisador para colocar em evidência outros pensamentos, a fim de poder reconstruir seus próprios pensamentos. Assim, em respeito a uma comunidade acadêmica que escreveu, escreve e ainda contribui de forma relevante, é levado a expor, de modo parcimonioso, os elementos que constituem sua própria identidade. Esses elementos passam pela sua trajetória de vida, seus anseios, suas dúvidas instigantes, suas questões interiores, suas prováveis certezas.

Antes de alcançar o tempo e experiência necessários, em que lhe será permitido adotar um estilo próprio de registrar suas pesquisas, o ser-pesquisador se torna esse ‗eu-lírico‘

contado por Fernando Pessoa, o qual vai se construindo e não se mostrando, a partir dos inúmeros encontros com o seu objeto de pesquisa. Curiosamente, ele segue dando ênfase aos verbos no pretérito imperfeito e no infinitivo, quem sabe, um recurso para dar leveza a essa ausência sentida, na ideia de que nada é absoluto, perfeito, mas que tudo pode ser um vir-a-ser: ―nenhum de nós tem nome ou existência plausível; se pudéssemos ser ruidosos ao ponto de nos imaginarmos rindo, riríamos sem dúvida de nos imaginarmos vivos‖ (PESSOA, 1980,

p. 110).

Por outro lado, uma nova vertente da ciência aponta para a reintrodução do sujeito cognoscente no processo de construção do conhecimento. No entanto, esse sujeito não poderia vir pela metade, mas deveria apresentar-se em sua plena corporeidade. É preciso considerar que as muitas formas de descrever os métodos e enunciados decorrem de um sujeito encarnado das ideias que estão sendo expostas e que, nos bastidores da gramática, ele está por inteiro. Em sua obra, MÉTODO I, Morin parece ser severo na crítica a essa ausência deliberada que é exigida do ser-pesquisador, quando, pouco antes do final da introdução, se pode fazer a seguinte leitura:

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Trata-se, portanto, de uma exigência de neutralidade, de tal modo que o pesquisador se depara com o impulso de manter-se a uma distância demasiada do seu objeto. Decerto que há os momentos em que a imparcialidade se faz necessária e é orientada pela prudência que rege os limites definidos por determinadas etapas nas diversas metodologias. Todavia, este isolamento não precisa se estender aos modos de tecer o registro de uma experiência tão fecunda.

Numa discussão que partiu de Varela e Shear (1999) sobre metodologias em primeira pessoa, os autores reconhecem que este é o lugar onde a metodologia se revela crucial, sugerindo que essa questão seja levada em conta nos debates entre estudiosos. Para eles, em primeira pessoa se produzem discussões fenomenais, se comparadas a outras que são apresentadas em terceira pessoa. Assim, a principal questão deveria ser focada na realidade dessas descrições, em suas evidências e em seus resultados.

Recomendam, ainda, que a polêmica da primeira ou terceira pessoa não seja tratada de forma isolada, mas que se procure harmonizá-las e limitá-las por meio da construção de amarrações adequadas. O resultado geral desse esforço deverá desaguar numa abordagem integrada, global e que, antes de tudo, defina explicitamente as restrições para ambas as formas (VARELA, 1996).

Em suma, a posição dos autores sobre metodologias na primeira pessoa é expressa de

forma pragmática: ―no salga de casa sin ellas, pero no olvide traer consigo también las descripciones en terceira persona‖ (VARELA e SHEAR, 1999, p.151). O que emerge a partir das suas análises é que os métodos em primeira pessoa estão disponíveis e podem produzir um impacto frutífero sobre a ciência.

Diante do argumento exposto, escolho o caminho da flexibilidade criteriosa, o qual

se mostrará permeado pelas imperfeições do ‗eu‘, tal qual anunciado nos versos de Pessoa,

porém, concordando com Morin, que não permita que sua essência se desvaneça num discurso tornado impessoal, simplesmente para atender aos critérios de se mostrar decente, normal e sério, quando se trata da ciência. Assim, nem primeira e nem terceira pessoa para manifestar a minha presença enquanto protagonista de uma relação sujeito-objeto que se dará de forma enriquecedora, porém, solitária, dado o tipo de estudo escolhido por mim. Mas, eu singular e

eu plural deverão fluir, espontaneamente, conforme a tessitura das ideias que serão apresentadas.

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passando pela mesma inquietação, muitas vezes, sem saber qual o melhor caminho a seguir. Bruno, entretanto, parece transcender esse obstáculo ao declarar em sua tese de doutorado:

O relato do vivido muitas vezes se funde com o do compartilhado. Expressar aspectos tão pessoais vividos, e muitos outros construídos coletivamente, torna necessária a dubiedade de vozes, ora na primeira pessoa do plural, ora na primeira pessoa do singular. A opção na escrita por uma única ―voz‖ soaria como falso. Tenho consciência das milhares de vozes que ecoam em mim, criadas pelas oportunidades de troca e aprendizagem com tantas pessoas que me acompanharam nessa caminhada, e sou imensamente grata. Desse modo, ao longo da tese, usarei a primeira pessoa do singular e, em alguns momentos, mesclarei as primeiras pessoas, do singular e do plural (BRUNO, 2007, p. 1).

Aproprio-me e me deleito nas palavras de Morin (1999), ao tomá-las emprestado e fazer delas as minhas palavras. Assim, reporto-me à sua obra, O Método 3, para reforçar como argumento que na escrita da minha pesquisa transitarei do eu ao nós e do nós ao eu, certa de que o eu não denotará pretensão e, sim, tomada de responsabilidade do discurso. E o nós, por sua vez, não se apetecerá em pose de majestade, mas dará um belo testemunho de companheirismo imaginário com o leitor.

Finalizo retomando o texto de Fernando Pessoa, para dizer de sua pertinência nesta reflexão, não só por sua riqueza estética, mas pelo perfil de incansável pesquisador da sua verdadeira identidade. Transporto, ainda, o conceito de identidade criado por Ciampa (1995), em sua obra A Estória do Severino e a História da Severina, para o drama do pesquisador na busca de sua identidade, não na prática da pesquisa, mas na forma de registro dessa prática. Em sua concepção, identidade é movimento, é metamorfose, é sermos o um e um outro, para alcançarmos o ser um, num infindável movimento de transformação. A simbiose entre pesquisador e seu referencial bem reflete esse resgate identitário, como expresso nas palavras

de Pessoa: ―e eu possuo-me outra vez no meu sonho errante, que esta floresta misteriosa

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TRAVESSIA EPISTEMOLÓGICA:DESCOBRINDO A EXPERIÊNCIA DE FLUXO

Caminante, son tus huellas

el camino y nada más; Caminante, no hay camino,

se hace camino al andar. Al andar se hace el camino,

y al volver la vista atrás se ve la senda que nunca

se ha de volver a pisar. Caminante no hay camino

sino estelas en la mar4. (MACHADO, 1989)

Mais uma vez faço uso da linguagem poética para ilustrar o contexto de construção de um processo de transformação, inclusive pessoal. São às metáforas que, muitas vezes, devemos recorrer como recurso para conseguirmos evocar um potencial criativo, quem sabe inerente à essência humana, para buscar, na produção imagética, possibilidades de resgatar o sentido de conteúdos internos que somente pela razão não conseguiríamos acessar. Penso ser prudente, contudo, lançar mão da oportuna advertência de Morin (1999), quando o autor nos chama a atenção, no texto do primeiro Tomo da obra O Método:

Alguns acharão que abuso de neologismos. A bem dizer, não invento palavras novas; dou verbos e adjetivos a noções que eram apenas substantivas, e vice-versa. Outros (os mesmos) acharão que abuso de imagens ou metáforas. Não me custa nada empregar imagens quando estas me surgem. Fiquem sossegados: eu sei que são imagens (MORIN, 1999, p. 33).

Assim, a produção imagética que emerge dos versos de Antonio Machado é o que melhor traduz o que vou chamar de ‗travessia epistemológica‘5, pelo modo como ocorreu o encontro entre o estado de ansiedade que me acompanhou por toda uma trajetória profissional e sua identificação dentro de um campo teórico-epistemológico. Refiro-me à ansiedade no

sentido de uma reação que é ―intrínseca à finitude do ser humano‖ (DITTRICH, 2010, p.

4Fragmento do poema de Antonio Machado, dramaturgo e poeta espanhol, fez parte do movimento literário conhecido como Generación del 98. Seus poemas versam sobre os problemas da metafísica ocidental e oriental, a fé e a dúvida, as paixões e a sabedoria, o sentido do tempo e da eternidade, tudo sintetizado em versos de uma simplicidade fulgurante, cuja perfeição ninguém sabe dizer se é musical ou geométrica.

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185), quando nos flagramos diante do enfrentamento entre o que nos dizem que é e o que, de fato, acreditamos que seja, sem, contudo, conseguirmos materializar essa compreensão de forma expressa, por meio das palavras.

A metáfora que traz o poema consegue descrever a essência do primeiro desafio enfrentado, por ocasião da realização de uma pesquisa como atividade de conclusão da disciplina Complexidade, Aprendizagem e Conhecimento: novos fundamentos ontológicos, epistemológicos e metodológicos da educação. Nesses momentos nos damos conta de que sempre há uma intuição epistemológica subjacente a qualquer situação onde se dá a relação entre ensino, aprendizagem e conhecimento. Vejo essa travessia, ainda, como uma (re) construção epistêmica, em consequência da abertura teórica no âmbito de uma experiência vivida em um ambiente fecundo de aprendizagem.

Tomo por base o poema, para contar essa experiência, porque, curiosamente, a ideia de caminho passou a me sugerir algo físico, real, que começava a se materializar logo que coloquei o pé na estrada, para começar a caminhar: ―caminhante não há caminho, o caminho

faz-se ao andar, ao andar faz-se o caminho‖. Ainda, se tomarmos por guia o pensamento místico de São João da Cruz, citado por Morin (2007, p. 11) vamos apreender o real sentido desses versos, quando ele diz que: ―para alcançares o ponto que não conheces, deves seguir o caminho que não conheces‖. Considero que o axioma de S. João da Cruz dá nome a esse impulso que me levou a cursar a disciplina supracitada, buscando, instintivamente, pegar um atalho e correr o risco de acessar uma rota desconhecida, já que o itinerário vigente não conseguia me satisfazer, além de não me levar a lugar nenhum.

O sentido de caminho que evoco se parece com essa dinâmica da nossa vida acadêmica, ao olharmos o trajeto como a evolução de um estado inicial para um estado final, cujo itinerário passa a ser desenhado por uma meta ou um projeto pessoal. Pela primeira vez me vi diante do desafio de exercitar minha própria criatividade, num nível acadêmico em que, institucionalmente, estaria em posição de materializar aquela inquietação e traduzi-la em ação. Evidentemente, não precisa explicar qual tema de estudo escolhi também na especialização

stricto sensu. Considero este o momento máster, em que, finalmente ocorreu o casamento com o meu objeto de estudo atual, encontro que caracterizei como ‗amor à primeira vista‘.

Percebi que a vida acadêmica vislumbrada na acepção de ‗caminho‘ parece nos

inserir num padrão de responsabilidade que nos remete, de imediato, à ideia de que temos metas a alcançar, horizontes a desbravar, propósitos a cumprir. Semelha a verdadeira atitude

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contexto de diferentes obstáculos, terminaram por transformar esse caminho em um desafio permanente, cuja energia, conectada ao objeto de amor inicial, me manteve conectada à dinâmica da vida, muitas vezes resgatando-me da proximidade do abismo.

Sobre obstáculos, Morin (2007) nos apresenta uma conotação positiva das tensões que enfrentamos nesse caminho, ao nos depararmos com o que o autor conceitua como crise. Assim, se refere às crises como se fossem estímulos que nos instigam a interrogações, as quais, por sua vez, nos impulsionam para uma tomada de consciência e nos redirecionam, motivados, renovados, para a busca de novas soluções. Esse fluxo interno que, muitas vezes, parece emergir como um turbilhão de emoções em conflito com a razão termina por

―favorecer a ação de forças generativas (criadoras) e regeneradoras adormecidas tanto no ser individual quanto no social‖ (MORIN, 2007, p. 85). Para este autor, as crises agravam as incertezas provocando um processo interno de desorganização. Na mesma direção, surgem os processos de auto-eco-organização, por meio dos quais somos impelidos a uma intervenção pessoal assertiva para que se complete o que já vinha sendo construído ou para que uma nova situação seja estabelecida. Este parece ter sido o fenômeno que impulsionou minha travessia epistemológica, uma vez que o pensamento vigente no âmbito da ciência da criatividade, não me satisfazia.

Importante destacar um aspecto determinante da auto-eco-organização6, mencionada em Morin e Le Moigne (2000), num contexto em que estes autores diferenciam a máquina artificial da humana, pela propriedade de a primeira não poder consertar a si própria, isto é, auto-organizar-se, enquanto a segunda se regenera permanentemente, em consequência da morte de suas células. Criativamente, eles ilustram essa capacidade aplicando a máxima de

Heráclito, ―viver de morte, morrer de vida‖ (MORIN e LE MOIGNE, 2000, p. 203), cujo paradoxo se refere, aqui, à capacidade humana de regeneração, depois de enfrentar obstáculos, crises e situações desafiadoras. São duas ideias antagônicas que, nesse contexto, as aplico como complementares, para dizer que o pensamento de Morin e Le Moigne parece remeter à minha própria capacidade de resiliência ante tantos atalhos de morte que se intercalaram em meu caminho. No entanto, percebi que, ao me permitir impregnar por uma lógica que é inerente à transdisciplinaridade7, pude provocar a emersão de uma capacidade autopoiética (que antes desconhecia) e, mesmo na proximidade do abismo, ao invés de desistir, fiz uso dos elementos do ‗eco‘ em meu favor.

6A auto-eco-organização aqui mencionada refere-se a um dos princípios da complexidade, base epistemológica desse estudo, que será explicitado no capítulo pertinente ao quadro teórico.

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Os fundamentos dessa lógica me propiciaram condições de enxergar para além do limite até então alcançado. Ao acoplar complexidade, níveis de realidade e terceiro incluído como elementos basilares, a lógica da transdisciplinaridade beneficiou-me, ao mesmo tempo, na visão dialógica inerente à complexidade, na medida em que me fez capaz de olhar as adversidades como ocorrências complementares e necessárias ao fluxo dos acontecimentos da vida; na intuição guiada de buscar apoio em outro nível de realidade, o que tornou possível, pela postura de abertura à possibilidade do terceiro incluído, cogitar outros atalhos, enxergar outra saída, quem sabe, por impulsos acionados pela via da criatividade paradoxal8. Para ilustrar esse dilema paradoxal entre a aflição e a quietude, reporto-me às palavras do poema de Robert Frost, contadas em Percy (2011): ―diante de mim havia duas estradas; escolhi a estrada menos percorrida e isso fez toda a diferença‖ (p.94).

A esse respeito, Rogers (1999) ilustra que a constituição do indivíduo, em seu legítimo eu, se dá a partir das experiências que vivencia no seu próprio caminho. Experiências que podem favorecer ou não a sua edificação e felicidade, o que dependerá da constituição da personalidade como parte integradora do organismo do indivíduo enquanto ser. No entanto, para que essas vivências se tornem enriquecedoras e passem a habitar nossa corporeidade, faz-se imperativo uma ampla e permanente abertura às experiências, mesmo que não estejamos diante do caminho que traçamos, mas daquele que nossa caminhada traçou para nós (MORIN, 1995). Essa abertura emergente se materializa de forma muito clara nas palavras de Morin, quando o autor nos revela que não deixou de ser caminhante, pois sua vida foi e continua em marcha, impelida por suas aspirações múltiplas e antagônicas. No entanto, foram as ocorrências e casualidades que provocaram rupturas e trouxeram descontinuidades, fazendo com que se dirigisse para onde nem sabia se devia ir, mas era lá onde reencontraria seus demônios. Nesse momento, Morin diz reconhecer estar tomando uma rota, a qual não havia traçado para si, mas que sua própria caminhada a traçou.

Esta reflexão remete a um dos princípios da complexidade (auto-eco-organização) que considero como responsável pelo meu resgate ao lugar desta pesquisa. Entretanto, esse fenômeno só ocorreu por ter conseguido abrir mente e coração para acolher a experiência que estava sendo proposta, permitindo-me irrigar pela energia do desafio que, em primeiro

momento me pareceu inatingível. Ao escolher ‗não deixar de ser caminhante‘, alcancei um

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processo fecundo e feliz de aprendizagem, vivendo uma real experiência de fluxo (CSIKSZENTMIHALYI, 1990; 1999).

(DES) CONSTRUÇÃO PARADIGMÁTICA:RELIGANDO TEORIA E PRÁTICA

A vivência na disciplina ministrada pela professora Maria Cândida Moraes (2010; 2011) me possibilitou, pela primeira vez, na condição de estudante, ser elemento vivo de materialização de uma teoria. Refiro-me à Teoria do Fluxo criada por Mihaly Csikszentmihalyi, em 1975, definida como uma sensação holística, onde há um envolvimento tão intenso com a tarefa que a sua realização promove grande satisfação. O fluxo é definido também como uma experiência autotélica, ou seja, realizar a tarefa torna-se válido por si só, pelo prazer em superar desafios, sem visar recompensas externas. O que ele chama de

‗experiências de fluxo‘ emerge em consequência do alcance, pelo próprio esforço da pessoa, de um conjunto claro de metas que exigem respostas apropriadas e que, vencidos os obstáculos, seu destinatário experimenta momentos excepcionais de felicidade.

O que Csikszentmihalyi (1999) chama de ‗experiência ótima‘ ou ‗fluxo‘ assemelha-se ao que vivenciei a partir do momento em que me percebi totalmente reprimida diante de um desafio que, em princípio, foi apreendido como superior à minha capacidade de compreensão dos conceitos teóricos envolvidos. No entanto, o efeito positivo da mediação transdisciplinar da professora Maria Cândida Moraes (2011) me permitiu amenizar a aflição e refinar o campo de visão para perceber que, sim, era possível superar aquela sensação de pânico inicial. Segundo Mihaly, para que vivenciemos uma experiência de fluxo, é necessário enfrentarmos desafios consubstanciados em um conjunto claro de metas, relativamente compatíveis com o nosso limite de capacidade, nem muito mais e nem muito menos e que deem feedback imediato, possibilitando-nos identificar e mensurar nosso desempenho. Quando o desafio vai ao encontro do nosso potencial, área de interesse e desejo de superá-lo, a atenção e a dedicação na tarefa se incorporam à nossa mente, demandando dose máxima de energia psíquica, a fim de que consigamos atingir, posteriormente, o estado de harmonia produtiva. Assim o autor descreve a sensação que precede e que se sucede ao fluxo:

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retrospectivamente, somos felizes (CSIKSZENTMIHALYI, 1999, p. 39).

Outro aspecto importante da teoria de Csikszentmihalyi que vivenciei foi comprovar que, quando há convergência entre as habilidades e o nível do desafio, o fluxo pode funcionar como um processo de aprendizagem, e, se os desafios forem superiores às potencialidades, a tendência será buscar aprender novas estratégias de superação. No meu caso, ocorreram ambos os fenômenos, de forma simultânea. Viver esta experiência, tendo como desafio, investigar a criatividade em novas perspectivas, colocou-me diante do fenômeno de ruptura de um paradigma (o único que conhecia, porém não respondia aos meus questionamentos), ao mesmo tempo em que identificava fontes que provavelmente me levariam a buscar ou construir respostas àquelas inquietações de trinta anos atrás.

Afinal, o desafio se tornou ainda mais intenso, pelo fato de escolher a criatividade como um objeto de estudo, o que implica assumir deliberadamente o risco de falar sobre um assunto polêmico, caracterizado amplamente na literatura como um fenômeno multifacetado, complexo (embora pouco se discuta essa questão), abrangente em demasia, e, consequentemente, desafiador. Escrever sobre este tema é escolher tecer uma trama inacabada de percepções, concepções e discutir sobre uma infinidade de definições, obstaculizando o foco, dada a diversidade de opções (STERNBERG e LUBART, 1995). Conforme desafia

Brown (1989, p. 10), quem se arvora a investigar este fenômeno ―necessita de algumas

características comumente atribuídas às pessoas criativas: resistência à frustração e alta

tolerância à ambiguidade e ao caos, em particular‖, ou seja, percebe-se uma visão que converge para a teoria do fluxo, no que se refere ao investimento pessoal, desempenho e resultados alcançados no enfrentamento do desafio. A respeito da influência de características da criatividade, nesse contexto, Virgolim (2007) comenta, ao citar Alexander Lowen, fundador da biogenética, que a capacidade para uma autoexpressão criativa está imbricada na capacidade de sentir prazer, relação que mais uma vez converge para a teoria do fluxo.

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remete a teoria de Mihaly para o contexto da criatividade, na perspectiva de busca da felicidade e da autorrealização, o que é também corroborado por Rogers (1983). Para este autor, dentre as condições internas exigidas pela criatividade estão a abertura à experiência e a capacidade de expressar-se espontaneamente diante da realidade tal como ela se apresenta e não mediante modelos convencionais.

Face a face com o desafio, a primeira reação foi a ‗bagunça‘. Nesse momento, a

ansiedade transformou-se em bloqueio ao me deparar com a sensação de impotência diante de uma proposta que, mesmo de forma inconsciente, foi ao encontro de uma intensa e persistente inquietação. Ao mesmo tempo, a intuição me sinalizava, de forma animadora, que estava a caminho de um feliz encontro epistemológico, emergindo um sentimento que associava, simultaneamente, um misto de pânico e entusiasmo. Em seguida, depois de algumas ações

docentes de mediação, ‗buscar informações‘ foi a decisão mais acertada na ânsia de imergir no campo conceitual de um tema até então desconhecido para mim. Longe de verificar se a literatura havia dado saltos, o ânimo se intensificava cada vez que percebia estar descobrindo novas vertentes de conhecimento. De posse de um conjunto de informações e de conhecimentos levantados em um acervo diferente na literatura, seguiu-se a etapa instigadora da problematização.

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‗Buscar problemas‘ foi o passo seguinte. De posse das informações levantadas, o que fazer? Qual seria o passo seguinte? Por onde iniciar um processo de investigação em um

campo paradigmático ainda desconhecido? A ação mais indicada foi ‗buscar ideias‘ e

organizá-las, já na perspectiva de ‗buscar soluções‘ possíveis para apresentar uma visão

diferenciada da criatividade, procurando aproximar-me de algumas respostas à inquietação inicial. Uma vez organizadas e estruturadas, a próxima etapa foi almejar a aceitação do

processo realizado. Quanto aos ‗novos desafios‘, no fluxo de Parnes (2000), atribuí ao desejo de aprofundar conhecimentos, construir perspectivas de olhar a criatividade sob um novo ângulo, desta vez, mais próximo de sua característica como fenômeno multidimensional.

Aponto a habilidade docente e a mediação transdisciplinar da professora Maria Cândida Moraes (2010; 2011), como fatores que agiram na articulação de três aspectos: o grau de ansiedade diante da tarefa; o desafio de lançar um olhar investigativo sobre a criatividade à luz dos operadores da complexidade, vertente pouco explorada, e, em fazer com que a aflição inicial se tornasse um desafio o qual desaguou nesta pesquisa de mestrado. Esses fatores foram fundamentais para que pudesse viver essa experiência de fluxo e, em decorrência, fizesse as escolhas para superar o segundo desafio, que foi realizar esta pesquisa. Deparar-me com a possibilidade de investigar, anos depois, uma questão que nasceu nos

primeiros momentos de minha trajetória profissional (fase em que os ‗hormônios‘ do

entusiasmo e da expectativa pela novidade estão em verdadeira ebulição), foi o real encontro com a felicidade acadêmica, a autorrealização. Ressalto que foi nesta ocasião em que, mesmo de forma inconsciente e involuntária, este objeto de estudo se tornou um companheiro, em potencial, impulsionando-me na busca de descobrir os melhores caminhos para propiciar um ambiente fecundo de aprendizagem aos meus alunos.

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Identifico todos estes elementos como procedentes de um feliz encontro ocorrido, mais de trinta anos depois, com as ideias de Moraes, Torre e Herrán Gascón, cuja inspiração emergente deu origem a um processo estruturado de investigação. O resultado alcançado, portanto, decorreu do atrelamento quase passional entre necessidade e desejo de conhecer a criatividade, sob um novo jeito de olhar, diferente daquele que conhecia e que não satisfazia minhas expectativas e necessidades. Denomino este desejo de ‗autopoiético‘, pela autonomia e persistência com que se auto-alimentou e se autoproduziu, de forma ininterrupta, por longo período de tempo. Nada mais, nada menos do que cerca de trinta anos.

DESCOBERTA DO EU-EPISTÊMICO:RESULTADO DA EXPERIÊNCIA DE FLUXO

Para dar nome a este momento de travessia adotando a expressão ‗eu-epistêmico‘, reportei-me a uma concepção de Piaget (1973), na qual o autor reconhece o sujeito epistêmico como um elemento presente em todas as pessoas, portando como uma de suas características a possibilidade de construir conhecimentos, desde quando aprendemos a ler, até a estruturação das mais sofisticadas teorias científicas. Piaget define este sujeito como aquele que conhece e conhece como resultado de uma construção, a partir da ação dele próprio. Paradoxalmente, o que parece situar-se no âmbito do individual, parte de um conceito universal, uma vez que Piaget diz que o sujeito epistêmico não corresponde a ninguém em particular, mas a alguém que acopla as possibilidades de cada uma e de todas das pessoas, razão pela qual, optei por

introduzir o ‗eu‘ à frente da palavra ‗epistêmico‘.

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exatamente a situação, à qual me referi anteriormente, chamando-a de ‗incidente de percurso‘. Na verdade, este ‗incidente‘, antes carregado de sofrimento e frustração, contribuiu sobremaneira para que reencontrasse e resgatasse o meu real objeto de estudo.

Descrevo a gênese do ‗eu-epistêmico‘ fazendo uma analogia com a dialética, embora

a própria síntese já me remetesse à compreensão de que este fenômeno não foi dialético e, sim, dialógico. Trago o modo dialético para explicar essa transformação, pela sua acepção de colocar em arena elementos conflitantes na tentativa de explicar uma nova situação decorrente desse conflito (CIRNE LIMA, 1997). O conceito de dialética parece descrever literalmente o que ocorreu, conforme explico a seguir.

Antes, cabe uma breve passagem pela dialética de Georg Wilhelm Friedrich Hegel, (1770-1831), filósofo alemão, cujo projeto filosófico está impregnado de uma essência epistemológica, muito mais ou nada ontológica. Para Hegel, a dialética é nada mais do que uma relação amistosa entre contrários que se conciliam, tanto em nível material, quanto espiritual. Sua concepção, sobretudo, para o que entende como ‗antítese‘ e ‗síntese‘

convergem de forma mais direta para o processo do qual me refiro neste percurso. Enquanto a

‗antítese‘ refere-se à atitude proativa diante dos pontos fracos identificados na ‗tese‘, contra

os quais se pretende provocar questionamentos, inclusive, desencadeando uma crise, a

‗síntese‘ pode ser caracterizada como o grande passo empreendido na direção de uma resposta

em nível superior a este conflito. Para tanto, de forma pragmática, lança mão dos aspectos

positivos da ‗tese‘ e da ‗antítese‘, contudo, apresenta uma proposição superior, mais

avançada, por meio da qual aquela questão evolui do seu ponto inicial e final, conhecidos até então (STÁLIN, 2010).

No percurso ao qual me refiro, identifiquei, à luz do pensamento de Hegel que, em princípio carreguei uma tese, por cerca de trinta anos, constituída por um corpo de conhecimentos o qual, naturalmente, seguia uma linha de pensamento, que foi a única a que tive acesso em minha trajetória profissional. No entanto, tratava-se de uma linha que sequer amenizava a sensação de vazio e de ausência de sentido, deixando de corresponder à instigante necessidade de conhecer a criatividade em toda a profundidade possível de alcançar.

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FIGURA 5: Paradigmas, enfoques e teorias da criatividade.

Referências

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