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3. O DIÁLOGO: (RE) ENCONTROS NO UNIVERSO DO CONHECIMENTO

3.3 DIÁLOGO COMO FORÇA TRANSFORMADORA

Em nosso objetivo de compreender o diálogo, encontramos as mais diversas abordagens em diferentes campos do saber, como brevemente apresentamos. Entre tantas possibilidades, nos deparamos com o tratamento filosófico dado ao tema por Gadamer (2002). Embora tenha contribuído para a construção de um paradigma de conhecimento, a Hermenêutica, também apresentou proposições para diálogo no âmbito da práxis. Para ele, o diálogo está colocado como o verdadeiro centro do humano e manifestação suprema da linguagem:

A capacidade para o diálogo é um atributo natural do homem. Aristóteles definiu o homem como o ser que possui linguagem e linguagem se dá apenas no diálogo. Mesmo que a linguagem possa ser codificada e encontrar uma relativa fixação no dicionário, na gramática, na literatura, sua vitalidade própria, seu amadurecimento e renovação, sua deterioração e depuramento até a elevadas formas estatísticas da arte literária, tudo isso vive do intercâmbio vivo entre seus interlocutores. A linguagem apenas se dá no diálogo (GADAMER, 2002, p. 208).

Partindo da Filosofia da linguagem, após analisar, em detalhes, o diálogo como processo, Gadamer (2002) religa as dimensões que o compõe e provoca com o questionamento: “A arte do diálogo está desaparecendo? Na vida social de nossa época não estamos assistindo a uma monologização crescente do comportamento humano?” (ibidem, p. 242).

Ao especular sobre as causas que poderiam estar restringindo a capacidade de dialogar, o autor começa apontando as grandes questões civilizatórias. Entre elas, o modo de pensar predominantemente técnico-científico e a mediação

tecnológica48. Essa última produz o que ele chama de empobrecimento comunicativo para chegar ao que ele coloca como elemento central: “[...] incapacidade para o diálogo refere-se, antes, à possibilidade de alguém abrir-se para o outro e encontrar nesse outro uma abertura para que o fio da conversa possa fluir livremente” (GADAMER, 2002, p. 208).

Para Di Napoli (2000), se Gadamer tivesse escrito suas reflexões no tempo atual, talvez ficasse mais crítico, porque o computador e a tecnologia da informação tornaram o diálogo e as relações humanas mais impessoais ainda, se não fictícias. A incapacidade para o diálogo pode ser analisada tanto do ponto de vista subjetivo quanto objetivo. Na primeira dimensão está a incapacidade para ouvir e na segunda, a ausência de uma linguagem comum.

E não será realmente uma de nossas experiências humanas fundamentais essa de não percebermos no tempo certo o que está acontecendo com o outro, ou então, de nosso ouvido não ser suficientemente afinado a ponto de ‘ouvir’ a mudez e o endurecimento do outro? Ouvir erroneamente também faz parte dessas experiências básicas. [...] Só pode fazer ouvidos de mercador ou ouvir erroneamente que está constantemente apenas ouvindo a si mesmo, quem possui os ouvidos tão cheios de si mesmo, buscando seus impulsos e interesses, que já não consegue ouvir o outro. [...] Apesar disso, a capacidade constante de voltar ao diálogo, isto é, ouvir o outro, parece-me ser a verdadeira elevação do homem a sua humanidade (GADAMER, 2002, p.214).

Na dimensão objetiva, o autor atribui a degradação crescente da linguagem comum entre os interlocutores, ao fato de nos acostumarmos com as situações de monólogo que caracteriza a civilização científica com a tecnologia informacional do tipo anônimo. É, pois, à medida que crescem os recursos tecnológicos que se incorporam ao nosso corpo e à nossa rotina, que desaprendemos a falar. “[...] Esse falar que é falar para alguém, responder a alguém e que chamamos de conversa” (ibidem, p.215). E o entendimento torna-se difícil onde falta uma linguagem comum. O entendimento entre as pessoas tanto cria uma linguagem comum como a pressupõe. O estranhamento vem do fato de não “falarem a mesma língua”.

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Em sua obra, Verdade e Método II, publicada pela primeira vez em 1960, Gadamer faz referência ao telefone, que restringiria o diálogo ao elemento acústico.

A partir da concepção de Gadamer compreende-se que, como o sujeito se faz na própria compreensão da vida, ele nunca está completo (DI NAPOLI, 2002). A identificação no diálogo se dá, portanto, com a falta de experiência. Isso significa que, para Gadamer, o outro nos traz algo de novo, mas após o diálogo, os dois interlocutores têm algo diferente que os une. Trata-se da união de duas experiências diferentes, vividas e, então, partilhadas.

Construção semelhante pode ser encontrada em Marcondes Filho (2004), quando o autor afirma que a comunicação. “[...] é um acontecimento, um encontro feliz, o momento mágico entre duas intencionalidades [...] vem da criação de um ambiente comum em que os dois lados participam e extraem de sua participação algo novo, inesperado (MARCONDES FILHO, 2004, p. 15).

É, pois, pelo diálogo que se torna possível aproximar os mundos das experiências individuais, dos mistérios pessoais intransponíveis formados sentidos na apercepção sensível do mundo. Para Gadamer (2002), o verdadeiro diálogo não proporciona apenas a experimentação direta de algo novo, mas sim, o encontro no outro de algo que ainda não havíamos encontrado em nossa própria experiência de mundo. “O diálogo possui uma força transformadora” (ibidem, p. 211) e deixa marcas.

Para Gadamer (2002), é no diálogo, como entendimento tácito transbordante, que se pode construir aquela espécie de comunhão onde cada qual continua sendo o mesmo para o outro porque ambos encontram a si mesmos no outro. “A disposição para entrar num diálogo, a expansão e o enriquecimento do participante, no sentido de ampliação de sua própria experiência, [...] podem levar uma comunidade a preparar-se para ouvir ou dispor-se a ouvir” (DI NAPOLI, 200, p.310).

A perspectiva de Gadamer é complementada por Ricoeur (1995), quando este afirma que a experiência vivida, permanece privada, mas o seu sentido, a sua significação tornam-se públicas. “A comunicação é, deste modo, a superação radical da não comunicabilidade da experiência vivida [...]” (RICOEUR, 1995, p.66). E essa

comunicação é dada, ao olhar do autor, como um “milagre”, no sentido de surpresa, de espanto.

Pensar a comunicação como milagre, conforme Coelho (2013) é apontar para uma razão que vai além da razão natural. Trata-se da superação da solidão, ou seja, da impossibilidade de apreensão da experiência do outro, é a tentativa de cada indivíduo de alcançar – a inalcançável – alteridade.

No diálogo, o horizonte de questionamento se dá a partir de uma abertura ao outro que inclui pôr-se na sua posição frente ao horizonte, sem que para isso se precise chegar a um entendimento com o dialogante. Não se trata de conceber o diálogo como estabelecimentos de entendimentos em nível de consensos, mas de se chegar a compreensões sem que para isso se precise de convencimentos. Trata-se de uma concepção de diálogo que resguarda as diferenças. O que une os dialogantes não é o entendimento a que possam chegar, mas o horizonte comum – a tradição que compartilham (CARBONARA, 2013, p. 105).

Tudo que é dito não tem sua verdade simplesmente em si mesmo, mas remete amplamente ao que não é dito (GADAMER, 2002). Para ele, todo enunciado é motivado, isto é, a tudo que é dito podemos perguntar com razão: Por que dizes isso? Um enunciado só consegue tornar-se compreensível quando no dito compreende-se também o não dito. Uma pergunta sobre a qual não sabemos a motivação não pode ser respondida. Pois é só a história da motivação da pergunta que abre o âmbito a partir do qual se pode procurar e dar uma resposta. Assim, tanto no perguntar quanto no responder se dá um diálogo infinito em cujo espaço se dão palavra e resposta. “Tudo que é dito encontra-se neste espaço” (GADAMER, 2002, p. 181).