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3. O DIÁLOGO: (RE) ENCONTROS NO UNIVERSO DO CONHECIMENTO

3.4 DIÁLOGO NA GÊNESE DA COMUNICAÇÃO HUMANA

Campo de estudos em construção (BRAGA, 2004), a ciência da comunicação é um espaço de interfaces. Mesmo quando tratamos de contextualizar o diálogo diretamente neste campo, acabamos por buscar autores que abordam e discutem os encontros e desencontros entre a comunicação e o diálogo, mas que são oriundos de outros campos do saber.

Começamos com a referência de Brennand (2001), que recorre a Habermas (1929) e Freire (1987) para evidenciar a centralidade do diálogo na comunicação. A autora afirma que ambos reconhecem o diálogo como uma exigência ontológica universal. Freire (idem) define o homem como um sujeito de relações e Habermas (2012) como um sujeito de comunicação. “É no diálogo que a experiência se realiza dentro das condições essenciais. Em Freire (2005), como prática da liberdade e em Habermas, como manifestação da racionalidade do sujeito” (BRENNAND 2001, p.4).

Ao tratar da ação dos homens sobre o mundo para transformá-lo, Freire (2005) afirma que o homem se faz livre ao expressar-se, expressando o mundo. Isso implica o comunicar-se. Para ele, a palavra, mais que instrumento, é a origem da comunicação, é essencialmente, o diálogo. Partindo do princípio de que o diálogo é um movimento constitutivo da consciência e do reconhecimento do outro, supõem que engajar-se num diálogo caracteriza um “relacionamento horizontal”. Ainda, o diálogo para Freire (idem) é uma necessidade existencial, Ele ressalta, porém, que é condição fundamental para o diálogo, a presença do amor, da humildade, da fé no homem, da criatividade, da criticidade e da esperança.

É, pois, o diálogo o encontro dos homens mediatizados pelo mundo, para provocá-lo, pronunciá-lo de forma crítica e criativa. Com o diálogo, estabelece-se uma relação de confiança entre os homens. Do contrário, “é uma farsa. Transforma-se, na melhor das hipóteses, em manipulação adocicadamente paternalista” (FREIRE, 2005, p. 94).

Em sua Teoria do Agir Comunicativo, Habermas (2012) compreende o agir comunicativo como forma de chegar ao entendimento. Para ele, a ação comunicativa é uma situação de ação e linguagem. Nela, os atores sociais assumem alternadamente os papéis comunicacionais de atuantes, falantes, destinatários e pessoas presentes, isto é, de sujeitos em diálogo.

Sampaio (2001) revisita a obra de Habermas pela dimensão do diálogo e afirma que com o advento da modernidade estariam amadurecidas as condições para o desenvolvimento de uma racionalidade comunicativa, isto é, constituída na interação comunicativa de sujeitos capazes de linguagem e ação. Isso ocorre na

medida em que a emancipação progressiva do homem do jugo da tradição e da autoridade confere ao mesmo a possibilidade de estar sujeito apenas à força da argumentação. A comunicação, para o autor, é concebida como um processo dialógico por meio do qual sujeitos capazes de linguagem e ação interagem com fins de obter um entendimento.

Contemporaneamente, Marcondes Filho (2010) inclui o diálogo em suas construções teóricas sobre comunicação. A partir da filosofia, o autor afirma que o diálogo está na própria gênese da comunicação humana. Já na tradição do pensamento grego e judaico, é possível localizar o reconhecimento do homem e de suas relações nas conversas com a natureza e com Deus. O diálogo que será escrutinado pelo autor, é aquele em que o Tu justifica a existência de um Eu. “Logos é uma palavra que atravessa, que alinha, que liga, que amarra os envolvidos na conversação, dia-logos” (MARCONDES FILHO, 2010, p.46).

Para compreender o diálogo no processo comunicacional mediado ou, como ele nomeia o diálogo digital, Marcondes Filho (2010) recorre a Flusser (1983), que analisa a sociedade ocidental como um tecido comunicativo, que entende a solidão da massa como consequência da dificuldade crescente de entrarmos em comunicação dialógica uns com os outros. Segundo Flusser (1983):

Sob o bombardeio quotidiano pelos discursos extremamente bem distribuídos dispomos, todos, das mesmas informações, e todo intercâmbio dialógico de tais informações está se tornando redundante. A nossa sensação de solidão se deve a nossa incapacidade crescente de elaborarmos informações novas em diálogo com os outros (FLUSSER, 1983, p. 59).

Outra importante contribuição de Flusser (2007) foi a de apontar a diferença entre comunicação dialógica e comunicação discursiva. Para ele, para produzir informações, os homens trocam diferentes informações na esperança de gerar uma nova informação, o que constitui a comunicação dialógica. Já a comunicação discursiva é marcada pelo compartilhamento de informações que buscam mantê-la, preservá-la, resistindo ao efeito entrópico da natureza.

Em consonância com o que buscamos nesta pesquisa, o autor traz a noção de vínculo como intrínsecos aos processos comunicativos. Para ele, os vínculos são

formas de aproximação espacial, são formas de aproximação entre os corpos. Os vínculos permitem a comunicação ou, são comunicação, na medida em que permitem a constituição das sociedades.

A contribuição de Flusser (1998) também se dá ao estabelecer as condições para que o diálogo aconteça. Para ele, a situação de diálogo supõe que dois ou mais sistemas troquem informações. Porém, para que aconteça a troca, é necessário que situações prévias sejam asseguradas. Na compreensão do pensador, os sistemas não podem ser idênticos ou muito semelhantes; os sistemas não podem ser inteiramente ou quase inteiramente diferentes; um dos sistemas não pode englobar ou quase englobar o outro e, finalmente, os sistemas precisam estar abertos um para o outro.

Investigando um ambiente no qual a internet ainda não estava presente, o autor observa que o Ocidente elaborou dois tipos de diálogos, os circulares visíveis nas mesas redondas ou parlamentos e os diálogos em rede presentes no sistema telefônico e na opinião pública. Se transportada para os dias atuais, certamente o sistema telefônico perderia espaço como técnica e a leitura de Flusser (idem) ganharia nova conotação no espaço mediado por computador, especialmente nas chamadas mídias e redes sociais.

Marca da sociabilidade do sujeito contemporâneo, os espaços de interação nas redes estabelecidas com base na internet estabelecem uma aproximação com o outro pelo nó da linguagem (LEMOS e LÉVY, 2010). Os autores definem como característica do ciberespaço, a alteridade radical no qual as noções de erro e de razão, de verdadeiro e falso são frequentemente de pouca utilidade nas conversações, uma vez que elas podem ocorrer entre interlocutores que não jogam o mesmo jogo ou não compartilham os mesmos mundos. “Se admitimos que o diálogo deve conseguir vincular dois jogos de linguagem, dois universos de sentidos diferentes, ele deve então situar além do verdadeiro e do falso” (ibidem, p. 235).

Resgatando o sentido do diálogo como o espaço onde cada sujeito tenta exprimir o que pensa e escuta os outros o mais atentamente possível, Lemos e Lévy

(2010) afirmam que o diálogo não tem por efeito deslocar posições, mas sim, ajudam cada um a incluir seu ponto de vista, sua posição. “Durante o desenrolar do diálogo, a visão de cada um implica progressivamente a compreensão cada vez mais profunda que os outros têm dos outros pontos de vista” (ibiden, p. 237). Conforme os autores, a palavra gira no círculo até que emerja uma nova ordem. Para eles, o ciberespaço e o futuro da internet apontam para uma noção de diálogo marcada por um caráter comunicativo, conversacional e não apenas para a dimensão informativa das novas mídias.

3.5 TECITURAS E RELIGAÇÕES: DIÁLOGO E COMUNICAÇÃO NO CONTEXTO