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Construir uma cartografia sobre um determinado objeto intrínseco à prática dos professores ou do espaço escolar é complexo. Desse modo, o cartógrafo está incumbido em mostrar todos os desdobramentos realizados na pesquisa, seus passos, precisando ter em mente “que o meio, na cartografia, é o que explica os caminhos escolhidos durante o processo de produção de conhecimento” (AGUIAR, 2010, p. 10). Dessa forma, expressam-se as observações e intervenções manuscritas pelo cartógrafo perante os caminhos percorridos.

4.2.1 Observações e intervenções do cartógrafo: um breve relato16

Vale reiterar que o interesse por esta investigação foi procedido por um momento de transição, ou melhor, pela chegada dos computadores interativos, pela aprovação no Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática (PPGECIMA) da Universidade Federal

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A escrita está na 1ª pessoa do singular nesta parte do texto por se tratar especificamente dos percursos, anotações, observações e intervenções do cartógrafo.

de Sergipe (UFS) e, consequentemente, pelo meu afastamento de uma escola da rede municipal de Coruripe-AL.

Inicialmente, ao escolher o computador interativo com lousa digital como objeto de pesquisa, só tinha conhecimento de que se tratava de um projetor. Esse fato foi presenciado na sala da direção, um dia após ter sido entregue pelo secretário da SEMED.

Nesse dia, fui à sala da direção para a entrega de alguns documentos solicitados pela coordenadora. Ao entrar, pude presenciar o contentamento da direção e dos técnicos de apoio da escola pelo recebimento do aludido instrumento tecnológico. Após um breve diálogo com a coordenadora, tive conhecimento do motivo desse aprazimento naquele momento. A gestora falou, em tonalidade alta, que havia recebido das mãos do secretário três projetores e que seria dado maior suporte aos professores em termos de tecnologias digitais, mas só poderia disponibilizar após a formação.

Esse momento foi bastante significativo, em razão de a escola ter carência de recursos tecnológicos, uma vez que, até então, só possuía um projetor, e seu laboratório de informática encontrava-se desativado, por estar sendo utilizado como sala de aula devido à falta de reparos nos computadores e ao aumento do número de matrícula.

O ano de 2016 se encerrou, os projetores não foram disponibilizados para uso em sala e nem foi passada a formação sobre os conhecimentos técnicos e pedagógicos. Nesse mesmo tempo, a aprovação no mestrado veio e, com ela, o conhecimento de que não se tratava de um projetor qualquer, mas de um computador com LDI. Logo, ele se tornaria o objeto de pesquisa para a produção desta dissertação.

Após elaboração do projeto de pesquisa e aprovação pelo comitê de ética (ANEXO A), iniciou-se a organização do presente diário de campo, ou seja, a realização da escrita dos fatos presenciados, vividos e percorridos perante as conjunturas para desenvolver o estudo e compartilhá-lo.

Com alguns caminhos traçados flexivelmente, adentrei o campo ciente de que poderia seguir por outras direções, bem como por percursos incertos, e, ao longo do trajeto outros protagonistas entraram em cena para somar com a produção dos dados; esses aspectos são subjacentes ao método da cartografia. Vale ressaltar que os caminhos percorridos até os protagonistas colaboradores para a produção dos dados já foram mencionados na seção 1.

Para a realização da primeira entrevista com um professor de Matemática, antes de me direcionar à escola, entrei em contato com ele para confirmar sua disponibilidade e assim poder colher seus relatos experienciais. Nesse intervalo de termo, o professor ressaltou que até o momento não havia utilizado o computador interativo com lousa digital, e isso em razão da

ausência de processos formativos para manuseá-lo. Sua fala se deu pelo fato de ter tentado fazer uso, mas apresentou dificuldades.

Imediatamente, foi realizado um contato via WhatsApp com a coordenadora da escola, para ter conhecimento dos fatos mencionados pelo professor. Após o diálogo, a coordenadora contatou pessoalmente os técnicos da SEMED para agendamento da formação. Todavia, eles, ao chegarem à escola, analisaram dois equipamentos, detectando em ambos um mal funcionamento, sendo, dessa forma, levados para conserto. Esse foi o motivo propulsor do insucesso quanto ao uso do computador interativo nas aulas de Matemática, relatado por um dos professores que se disponibilizOU a contribuir com esta pesquisa.

Outro fato curioso aconteceu após o término de uma entrevista em uma escola da zona rural. P3 só tinha conhecimento do computador interativo como projetor. Ele não tinha conhecimento da LDI, então:

De antemão, não tinha conhecimento do laranjão propor a função de lousa digital interativa. Fico um pouco limitado, pelo fato da escola não ter uma lousa branca sensível ao toque. Apenas utilizo o laser da caneta e o projetor (P3).

Desse modo, o sujeito mencionado anteriormente deixou claro que utiliza o computador interativo de forma limitada, incompleta, somente fazendo uso de duas funções das três propostas pelo referido instrumento, ou melhor, somente o computador e projetor. Inserem-se nesse contexto a caneta, instrumento para realizar os movimentos dos objetos na tela da lousa digital, e laser. Como não faz uso da interface interativa, inferiu-se que utiliza somente o laser da caneta.

No exato momento dos agradecimentos pela colaboração na produção dos dados, apareceu a coordenadora. Aproveitando o ensejo, foi questionada acerca do motivo de a lousa interativa não estar sendo utilizada pelos professores. Ela deixou claro: “a escola não comportava salas adequadas para instalar a lousa interativa, sendo decidido pela gestão somente fazer uso da projeção”. Em meio à conversa, foi sugerido deixar a lousa em um espaço fixo e acessível a todos, mencionando-se, nesse caso, a biblioteca, pelo fato de ser ampla e considerada como um ambiente construtivo de saberes.

Contudo, quando se contatou novamente o professor para saber se a escola havia acatado as sugestões propostas no dia da entrevista, a resposta foi negativa. Ele acrescentou o seguinte: “chegamos a debater essa possibilidade em uma reunião pedagógica, mas até o momento nada foi concretizado” (P3).

Nessa perspectiva, uma alternativa para virar a página desse cenário é entender o descompasso entre o mundo dos jovens (conectado, interativo e multimídia) e a realidade encontrada na escola (analógica, uniformizante e ancorada num modelo de ensino do século XIX) (ALLAN, 2015).

Uma contradição quanto a essas situações foi observada na realização de duas entrevistas com os professores P1 e P2, ambos da mesma escola localizada na zona urbana. Ao longo da conversa desenvolvida com o professor P2, observei a imensa procura por professores de diferentes áreas do conhecimento para fazer uso do computador interativo em suas aulas.

Em um certo momento, desviei a conversa para o seguinte questionamento: Estou conhecendo o potencial do computador interativo para as aulas de Matemática, principalmente com vocês, colaboradores desta pesquisa, mas em sua escola há um diferencial, observo uma grande procura dos professores para fazer uso dessa interface tecnológica, houve ações desenvolvidas pela administração da escola? Em resposta a esse questionamento, P2 falou com todo entusiasmo que:

Após a entrega do laranjão na escola, a gestão e coordenação no dia seguinte realizou uma reunião para apresentar os projetores e o cronograma das formações para os professores. Desde o início que incentivam, sendo seu marco principal propor formação por área de conhecimento, possibilitando o conhecimento pedagógico e instrumental.

A fala do professor remete à relevância da gestão/coordenação escolar para a inserção ou integração das tecnologias digitais, especificamente na sala de aula. A função de um gestor perpassa em grande medida à capacidade de engajar a comunidade escolar em torno de melhorar os índices de educação e, nesse contexto, também inseri tal comunidade no mundo digital (ALLAN, 2015).

Trabalhar de forma colaborativa é uma das alternativas para transformar ações obsoletas que atravessam séculos. Entretanto, o quadro-negro, por ser um instrumento do século XVIII, seu uso, na sala de aula contemporânea, é marcante no ensino de Matemática, devido às demonstrações, resoluções de problemas e outras ações. No entanto, não oferece atratividade e perceptividade a toda representação matemática, diferentemente das atividades envolvendo ou empregando as TIC.

Esses três fatos mencionados e registrados no diário de campo representam alguns pontos positivos e negativos, os quais me deparei ao longo dos caminhos percorridos. Nas próximas narrativas, compreendem-se melhor toda a processualidade do objeto de estudo e as relações subjetivas no ensino de Matemática.