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O diagnóstico de uma enfermidade como a LVA requer o uso de métodos que possam, de maneira segura e confiável, identificar os indivíduos infectados. As técnicas empregadas para este fim devem ser providas de algumas propriedades, tais como: capacidade de detecção da infecção em sua fase inicial, resultados precisos, fácil execução, baixo custo e repetibilidade. A escolha do método ou teste de diagnóstico deve ser orientada após cuidadosa avaliação da situação na qual será empregado. Variáveis como características epidemiológicas da doença, dados de prevalência e incidência, hospedeiros envolvidos, modo de transmissão e período de incubação, dentre outras, precisam ser conhecidas.

1.6.1. No homem

Para fins de Vigilância epidemiológica é considerado caso humano suspeito: todo indivíduo proveniente de área com ocorrência de transmissão, com febre e esplenomegalia ou todo indivíduo de área sem ocorrência de transmissão, com febre e esplenomegalia, desde que descartados os diagnósticos diferenciais mais freqüentes na região. Todo caso suspeito deve ser notificado. Caso humano confirmado por critério clínico-laboratorial se dá pelo encontro do parasito no exame parasitológico direto ou

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cultura e/ou imunofluorescência reativa com título de 1/80 ou mais, desde que excluídos outros diagnósticos diferenciais. Todos os indivíduos com exame sorológico reagente ou parasitológico positivo, sem manifestações clínicas devem ser monitorados clinicamente e não devem ser tratados (Brasil, 2003; SES, 2006)

1.6.2. No cão

O diagnóstico laboratorial da LVA canina baseia-se em métodos parasitológicos e sorológicos. Da mesma forma que para seres humanos, o diagnóstico de escolha é a demonstração do parasito por meio de exame direto de amostras de biópsia de linfonodo ou medula óssea, coradas por Giemsa. Em município em que a transmissão da LVA ainda não foi confirmada, deverá ser realizada a identificação da espécie de Leishmania sp, pelos Laboratórios de Referência Estaduais (Brasil, 2003).

Até a década de 30, o diagnóstico humano e os inquéritos caninos eram realizados por meio dos exames diretos como a punção de fígado, de baço e o raspado de pele (Alves e Bevilacqua, 2004). O exame sorológico, realizado pela reação de fixação do complemento (RFC), foi utilizado pela primeira vez para diagnosticar a LV humana em 1938. Em 1957, pesquisadores brasileiros utilizam a técnica para inquéritos caninos e a partir da demonstração da possibilidade de aplicação da RFC em eluatos de sangue colhidos em papel de filtro, essa técnica tornou-se largamente difundida (Nussenzweig et al., 1957)

Apesar de discordâncias entre alguns autores, o exame parasitológico é considerado, ainda, o teste ouro para o diagnóstico da doença. A observação direta de formas amastigotas do parasito em esfregaços de aspirado de linfonodo, medula óssea, baço, fígado, pele e sangue corados por Giemsa, Leishman ou Panótico® é uma forma segura, simples, rápida e pouco traumática para o diagnóstico da enfermidade (Maia e Campino, 2008; Laurenti, 2009).

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A especificidade desse método é de 100%, mas a sensibilidade depende do grau do parasitismo, do tipo de material biológico coletado, do seu processamento e coloração, além da capacidade do observador (Maia e Campino, 2008). A sensibilidade pode ser de 50% a 83% em amostras de medula óssea, entre 30% e 85% em amostras de linfonodo e entre 71% a 91% quando ambos os tecidos estão combinados. Quando o parasitismo é intenso não há problemas para um diagnóstico rápido e seguro; contudo, em muitos casos, especialmente em animais assintomáticos, nos quais apenas poucas formas amastigotas estão presentes nos tecidos, o diagnóstico parasitológico torna-se difícil e duvidoso. Esse problema pode ser solucionado com a utilização de técnicas mais sensíveis para a detecção de parasitos, tais como a imunofluorescência direta e a imunohistoquímica (Laurenti, 2009).

O diagnóstico parasitológico pode também ser estabelecido por meio da detecção do parasito por cultivo em meios específicos. Biópsias ou punções aspirativas de diferentes órgãos ou tecidos são colocadas em meios de cultivo, em geral bifásicos (ágar sangue de coelho com LIT, RPMI ou Shineider), nos quais formas amastigotas do parasito, presentes no material biológico, transformam-se em formas promastigotas, podendo ser observadas em microscopia de contraste de fase. O crescimento das formas promastigotas leva de 4 a 6 dias. Dessa forma, a leitura da cultura é feita semanalmente, sendo que após a terceira semana de observação o resultado final já é concluído. Como os meios de cultivo são ricos, a falta de adequação na esterilidade durante o processo da coleta de material e semeadura nos meios pode levar ao crescimento de bactérias e fungos que impedem o crescimento de Leishmania, diminuindo, assim, a sensibilidade do teste. Embora as culturas sejam úteis para o isolamento e identificação do parasito, são pouco utilizadas na rotina diagnóstica (Laurenti, 2009).

O xenodiagnóstico também pode ser utilizado, embora sua aplicação seja muito restrita. Neste caso, é preciso dispor de uma colônia bem estabelecida de flebotomíneos, os quais são induzidos a realizar repasto sanguíneo, sob condições controladas, em animais supostamente infectados. Após um período determinado, os insetos são dissecados e analisados a fresco para identificação do parasito. Sua utilização não acontece na rotina

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diagnóstica e sim na pesquisa acadêmica e é especialmente importante para investigação de questões epidemiológicas acerca do papel de hospedeiros como possíveis reservatórios (Maia e Campino, 2008).

O diagnóstico molecular é outro tipo de método baseado na detecção de sequências de DNA específicas do parasito sendo a Reação em Cadeia da Polimerase (PCR) a principal técnica utilizada. Esta metodologia tem demonstrado alta sensibilidade superando, em diversos estudos, técnicas convencionais de diagnóstico da LV canina. Sua robustez também tem sido demonstrada com alta especificidade de acordo com o tipo de iniciador utilizado (Manna et al., 2004; Strauss-Ayali et al., 2004).

A detecção de anticorpos circulantes anti-Leishmania utilizando técnicas sorológicas constitui um instrumento importante no diagnóstico da LVA canina. Este tipo de diagnóstico se baseia na avaliação da resposta imune celular ou humoral resultante da presença do parasito e, portanto, são métodos indiretos de detecção. Em cães, as metodologias mais utilizadas são baseadas na detecção de anticorpos. Estes métodos partem do pressuposto de que os cães infectados passam por uma estimulação policlonal de linfócitos B, que gera hipergamaglobulinemia ou grande produção de anticorpos anti leishmania (Cañavete et al., 2005).

A soroconversão ocorre aproximadamente três meses após a infecção. Entretanto, os testes sorológicos devem ser interpretados com cautela, uma vez que não são 100% sensíveis e específicos e falham em detectar cães infectados no período pré-patente da doença. Animais com menos de 3 meses de idade não devem ser avaliados por meio de métodos sorológicos, pois podem apresentar resultados positivos pela presença de anticorpos maternos (Laurenti, 2009)

Até 2011, os testes sorológicos de RIFI e Elisa representaram os principais instrumentos usados no sorodiagnóstico da LVA canina. O cenário realizava o ensaio imunoenzimático (ELISA) como triagem e a reação de imunofluorescência indireta (RIFI)

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como teste confirmatório. A partir de 2011, o diagnóstico imunológico da LVC passou por modificações, anunciadas pelo MS em nota técnica em que houve recomendação do TR DPP® como teste de triagem e ELISA, como teste confirmatório. Somente nos cães reagentes no TR DPP® passou a ser coletado soro para a realização do ELISA, dentro dos laboratórios de apoio, confirmando o diagnóstico do cão soro reagente.

A RIFI, ou reação de imunofluorescência indireta, foi empregada no Brasil a partir da década de 1960, mas requer condições de laboratório sofisticadas que inviabilizam sua utilização em campo. A técnica consiste em aderir antígenos constituídos de promastigotas de Leishmania em lâminas de microscopia para fluorescência, onde é processada a reação com o soro a ser testado. Ao final da reação, a ligação antígeno- anticorpo é visualizada com o auxílio de um conjugado fluorescente. No Brasil, os títulos obtidos na RIFI, sendo iguais ou superiores a 1:40, eram considerados positivos (Brasil, 2006). Quando comparados os resultados da RIFI do kit comercial empregada em soros e papel de filtro, observou-se que o melhor ponto de corte para o papel de filtro seria a diluição de 1:80 ao invés da diluição 1:40 (preconizada pelo MS), o que seguramente diminuiria o número de falsos positivos (Laurenti, 2009).

Dependendo do antígeno empregado e das condições da RIFI, sua sensibilidade pode variar entre 90% e 100% e a especificidade, entre 80% a 100%. A especificidade dessa prova, assim como de outras provas sorológicas, é prejudicada pela ocorrência de reações cruzadas com doenças, principalmente aquelas causadas por tripanosomatídeos, como o agente causador da leishmaniose tegumentar americana (LTA) e da doença de Chagas (Porrozzi et al., 2007). Portanto, seus resultados não devem ser utilizados como indicadores de infecção leishmaniótica específica, particularmente em áreas onde a doença de Chagas é endêmica. Além disso, a RIFI foi considerada de baixa sensibilidade na detecção de animais assintomáticos (Mettler et al., 2005).

A partir da década de 70, estudos começaram a propor o uso do teste de ELISA que hoje é o mais utilizado para imunodiagnóstico de LVA. É um teste rápido, de fácil

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execução e leitura, sendo um pouco mais sensível e um pouco menos específico que a RIFI. É um teste de diagnóstico simples para a detecção de antígenos do patógeno ou anticorpos específicos produzidos pelo hospedeiro, permitindo a detecção de baixos títulos de anticorpos, mas é pouco preciso na detecção de casos subclínicos ou assintomáticos (Gontijo e Melo, 2004).

O teste ELISA pode apresentar, dependendo também do antígeno empregado, sensibilidade que varia entre 80% e 99,5% e especificidade entre 81% e 100%. A sensibilidade e especificidade desse método dependem do tipo de antígeno empregado e do protocolo utilizado. As técnicas que utilizam antígenos totais são limitadas em termos de especificidade, por apresentar reações cruzadas com doença de Chagas (64,3%), erliquiose (7,7%) e co-infecção por erliquiose e babesiose (83,3%) (Laurenti, 2009).

O Programa de Controle de Leishmaniose Visceral (PCLV) também recomenda realização de provas sorológicas como fixação do complemento e aglutinação direta (Brasil, 2006), porém estes não estão disponíveis para diagnóstico em inquéritos sorológicos.

Em 2011, o Dual Path Platform (DDP®) que é tecnologia de imunoensaio cromatográfico para testes de diagnóstico rápido, foi incorporado ao cenário nacional de diagnóstico utilizando a proteína recombinante K39 (rK39) como antígeno ( sequência de 39 aminoácidos clonada da região quinase específica de L. infantum). O DPP® é caracterizado por ser rápido, pois o resultado é conhecido após 15 minutos da coleta da amostra biológica (soro, plasma e sangue total), de fácil manipulação, pois não precisa de pessoa especializada para a sua execução. No entanto, apesar de apresentar elevada sensibilidade no diagnóstico de cães sintomáticos para LVC, apresentou baixa sensibilidade no diagnóstico de cães assintomáticos e oligossintomaticos para LVC (Grimaldi et al., 2012). Quinell et al (2013) evidenciaram que isoladamente este teste não possui sensibilidade suficiente para uso em saúde pública sendo importante o uso concomitante de

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outro teste diagnóstico como, por exemplo, o ELISA (Oliveira et al., 2010; Quinnell et al., 2013),), conforme proposto pelo MS.

Técnicas de biologia molecular, incluindo a reação em cadeia da polimerase (PCR) estão sendo desenvolvidas para a identificação do parasioa. O exame pode ser realizado a partir de aspirados esplênicos, de medula óssea, de linfonodos, sangue total, camada leucocitária, cultura e sangue coletado em papel-filtro. Trata-se de um método sensível, mas que até o presente é utilizado apenas em estudos epidemiológicos. Quando comparados a outros métodos diagnósticos (isolamento e cultura do parasita), tanto em cães assintomáticos como naqueles sintomáticos, os testes moleculares demonstraram alta especificidade e sensibilidade (De Assis et al., 2010). A PCR apresenta-se como importante ferramenta para permitir o diagnóstico diferencial e genotipagem de amostras clínicas, com potencial de emprego em programas de vigilância e controle da LVA. Para o seu emprego em larga escala, entretanto, são necessários ajustes que tornem a técnica mais simples e que reduzam o seu custo. (Nunes et al., 2007)

1.7. Tratamento

1.7.1. No homem

No Brasil, os medicamentos utilizados para o tratamento da LVA são o antimoniato pentavalente e a anfotericina B. A escolha de cada um deles deverá considerar a faixa etária, presença de gravidez e comorbidades (Brasil, 2003).

No Brasil, o antimonial pentavalente comercializado é o antimoniato N-metil glucamina (Glucantime®) que é droga de 1ª escolha no tratamento de LVA. A anfotericina B e derivados são drogas de segunda escolha, segundo o Ministério da Saúde (Brasil, 2003). Antes de se iniciar o tratamento, alguns cuidados devem ser observados: avaliação e estabilização das condições clínicas e co-morbidades presentes no diagnóstico da leishmaniose visceral, além da realização do eletrocardiograma.

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Existem comercialmente formulações de anfoterecina B lipossomal e de dispersão coloidal. A anfoterecina B lipossomal, pelo custo elevado e impossibilidade de uso na rotina, tem sido recomendada somente para pacientes que desenvolveram insuficiência renal ou toxicidade cardíaca durante o uso de antimoniato N-metil glucamina (Brasil, 2003).

1.7.2. No cão

O Manual de Vigilância e Controle de Leishmaniose Visceral não recomenda o tratamento dos casos caninos de LVA e relata que as tentativas de tratamento por meio de drogas tradicionalmente empregadas na terapia humana têm tido baixa eficácia de cura e que, apesar de induzir à remissão temporária dos sinais clínicos, não previne a ocorrência de recidivas, tornando os animais tratados potenciais reservatórios do parasito. Além disso, a prática do tratamento em cães induz ao risco de seleção de parasitos resistentes às drogas, reduzindo as chances de sucesso terapêutico nos casos humanos da doença. A eutanásia é a única medida no Brasil para cães reagentes sorologicamente (Brasil, 2003).

O emprego de medicamentos utilizados para o tratamento humano e/ou medicamentos não registrados no Ministério da Agricultura Abastecimento e Pecuários (MAPA) foi proibido por Portaria Interministerial, pelo risco de indução de resistência dos parasitos, o que dificultaria ainda mais o tratamento da doença no ser humano (Brasil, 2003).

A questão envolvendo o tratamento canino é bastante controversa pelo fato de animais tratados poderem manter-se reservatórios do parasito. A Organização Mundial de Saúde OMS (2010) orienta que a infecção em cães deve ser monitorada e estes cães devem ser tratados ou eliminados (WHO, 2010). O tratamento tem como objetivo a redução da carga parasitária, a resolução das alterações orgânicas causadas pelo parasito, a restauração da eficiência da resposta imunitária, a melhora clínica e a prevenção de recidivas (Solano- Gallego et al., 2009).

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Na Europa, o tratamento ocorre há cerca de 50 anos. A eutanásia só é indicada se o animal sofrer constantes recidivas ou se não tiver remissão adequada dos sintomas. Em cães e em seres humanos a leishmaniose não deve ser tratada com fármacos com os mesmos mecanismos de ação, de modo a evitar a seleção de estirpes resistentes de Leishmania.. Além disso, a OMS não recomenda que drogas de primeira escolha para tratamento humano sejam usadas para tratamento canino. Na Europa recomenda-se que cães tratados utilizem produtos repelentes por toda a vida (WHO, 2010).

Por meio de Nota Técnica de 30/01/2004, a Organização Mundial da Saúde (OMS) proibiu o uso do Glucantime para tratamento canino, pelo aparecimento de cepas resistentes às drogas (WHO, 2010). Considera-se que a dosagem utilizada para tratamento canino é aproximadamente dez vezes maior que a humana conduzindo a seleção de parasitas resistentes, além de ser feita indiscriminadamente, resultando em impacto negativo para o Programa Nacional de Controle e Vigilância da Leishmaniose Visceral no Brasil (PCLV) que visa prioritariamente proteção da saúde humana.

O antimoniato de meglumina e a miltefosina são fármacos específicos para o tratamento da leishmaniose canina licenciados na Europa e constituem-se em associação de primeira escolha para o tratamento canino (Solano-Gallego et al., 2009). No Brasil, em estudo conduzido em 2012, a associação da formulação lipossomal antimoniato de meglumina com alopurinol mostrou diminuição da carga parasitária na medula óssea e baço e cura parasitária em 50% dos tratados, além de ter impedido a transmissão dos parasitas presentes na pele para o vetor (Da Silva et al., 2012).

Muitos autores defendem o tratamento, inclusive no Brasil, como medida de prevenção e controle da LVA pelo fato de alguns protocolos terapêuticos diminuírem a carga parasitária, a transmissão potencial ao vetor e por melhorar a qualidade de vida do animal (Dantas-Torres et al., 2012).

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Embora possa haver benefícios, a indicação de tratamento canino deve ser bastante criteriosa e levar em conta fatores como: a resposta relativa à condição clínica do animal, a medicação, o alto custo do tratamento, a ocorrência de efeitos colaterais e a aparente melhora do animal levando alguns proprietários a abandonarem o tratamento.

1.8. O Programa de Controle e Prevenção da Leishmaniose Visceral