• Nenhum resultado encontrado

1.2. PUBERDADE PRECOCE

1.2.3. Diagnóstico de PPC

A avaliação da criança com suspeita de puberdade precoce se inicia com a história clínica. É fundamental documentar a idade em que apareceram os primeiros indícios de puberdade, como o aparecimento do broto mamário nas meninas, o aumento do volume testicular nos meninos e/ou o surgimento de pelos pubianos e axilares em ambos os sexos. A velocidade de progressão dos caracteres sexuais secundários também deve ser registrada, sendo que a progressão de um estadio para outro em menos de seis meses caracteriza a PP rapidamente progressiva (CAREL; LÉGER, 2008; BRITO et al., 2016). Além disso, o questionamento sobre o momento do início da puberdade nos pais e irmãos é de igual importância, uma vez que casos de puberdade precoce (central) de origem familiar não são tão raros (SKLAD, 1977; FISCHBEIN, 1977; VRIES et al., 2004; MACEDO et al., 2014). A anamnese também deve contemplar os antecedentes pessoais das crianças (como uso crônico de esteroides, hipotireoidismo, trauma, infecções ou outras lesões no sistema nervoso central), hábitos nutricionais e sintomas como cefaleia, alterações visuais e convulsões (FUQUA, 2013).

A segunda etapa consiste na realização de um exame físico detalhado. A inspeção da pele deve ser feita à procura de oleosidade, comedões, acne, hipertricose, estigmas sindrômicos e de manchas, como as típicas da síndrome de McCune-Albright (manchas “café com leite”). Os caracteres sexuais secundários devem ser classificados segundo os critérios de Marshall e Tanner. Nos meninos, o volume testicular maior que 4 ml (avaliado por orquidômetro) ou comprimento testicular maior que 2,5 cm, são indicativos de estímulo gonadal (G2 de Tanner) (TANNER, 1962; MARSHALL; TANNER, 1969 e 1970). Nas meninas, em especial naquelas acima do peso, a palpação do broto mamário pode ser necessária para diferenciar lipomastia de tecido glandular (LEE et al, 2001; ROSENFIELD et al, 2009).

O exame físico ainda inclui a palpação de tireoide, a palpação abdominal e a avaliação do desenvolvimento muscular e da composição corporal. Todas as crianças devem ser medidas e pesadas e seus dados antropométricos devem ser plotados em gráficos específicos para a idade. O cálculo da velocidade de crescimento, caso a criança tenha seu histórico das estaturas dos últimos 6 a 12 meses, é de suma importância. A velocidade de crescimento maior que 6 cm/ano (0,5 cm/mês) indica o início do estirão de crescimento, estimulado pela puberdade (BORDINI; ROSENFIELD, 2011; FUQUA, 2013; BRITO et al., 2016).

A radiografia simples de mãos e punhos é utilizada para a estimativa da idade óssea (IO) a partir do atlas de Greulich-Pyle (GREULICH; PYLE, 1989). Na puberdade

precoce, a IO costuma ser avançada em relação à idade cronológica em cerca de dois anos ou em 2,5 desvios padrões para a idade. No entanto, a ausência de IO avançada não exclui o diagnóstico de PP. A IO também pode ser útil para o cálculo de previsão da estatura final através do método de Bayley-Pinneau (BAYLEY, N.; PINNEAU, 1952). Apesar desse método ser pouco preciso e superestimar a estatura final ele ainda é utilizado, principalmente para comparar a previsão de estatura final com a estatura alvo da criança (KAULI et al., 1997; BRITO et al., 2008).

Em meninas, o ultrassom pélvico pode ser útil para a investigação de cistos ou neoplasias ovarianas. A determinação das dimensões uterinas e volumes ovarianos é usada para avaliar o estímulo estrogênico. O comprimento uterino maior que 3,4 cm ou volume de 2 ml e o volume ovariano de 1,5 ml são considerados púberes (ASAVOAIE et al., 2014; BRITO et al., 2016). No entanto, existe uma sobreposição desses valores entre pacientes pré-púberes e púberes e o ultrassom pélvico não pode ser usado isoladamente para o diagnóstico de puberdade.

A ressonância nuclear magnética (RNM) do cérebro deve ser realizada em todos os casos de PPC progressiva. Os fatores de risco para lesões cerebrais são início da puberdade em crianças menores que 6 anos, rápida progressão dos caracteres sexuais secundários e altas concentrações hormonais (principalmente estradiol). Como dito anteriormente, essas lesões são mais comuns em meninos (40-90% dos casos) do que em meninas (8-33%) (PARTSCH; SIPPELL, 2002; CAREL; LÉGER, 2008).

Recentemente, com a descoberta do MKRN3, tem se proposto a dosagem dessa substância no sangue ou a sua análise genética. Os níveis séricos de MKRN3 são inversamente proporcionais aos das gonadotrofinas em pacientes pré-púberes. Dessa forma, níveis baixos ou indetectáveis dessa substância são esperados em pacientes com PP. Por outro lado, em pacientes com história familiar de PPC, a análise genética do MKRN3 pode fechar o diagnóstico etiológico caso positivo para mutação e dispensar a realização da RNM (ABREU et al., 2013; HAGEN et al., 2015; LATRONICO, 2016).

Os exames laboratoriais iniciais incluem a dosagem de TSH e T4 livre (para afastar hipotireoidismo), LH basal, FSH basal e testosterona ou estradiol. O LH basal é considerado como púbere quando atinge níveis maiores que 0,6 UI/L pelo ensaio imunufluorimétrico (IFMA) (BRITO et al., 1999) ou maior que 0,1 por imunoquimioluminescência (ICMA) (NEELY et al.,1995 e PASTERNAK et al., 2012). Resende e cols., estudando crianças normais encontraram que o LH basal > 0,2 UI/L é indicativo de puberdade com 100% de sensibilidade e especificidade em meninos, mas meninas

em M2 segundo Tanner podem apresentar níveis menores de LH basal (RESENDE et al., 2007). Na prática clínica, os níveis púberes de LH basal dosados por métodos ultrassensíveis (como ICMA), quando elevados, são fortemente sugestivos de PPC e podem, pelo menos, servirem como exames de rastreamento ou até dispensarem o teste de estímulo com GnRH ou seu análogo (NEELY et al., 1995).

A menos que o nível sérico de estradiol esteja muito alto, ele não tem valor para o diagnóstico de PP, uma vez que existe uma grande sobreposição entre os valores de pacientes pré-púberes e púberes. Por outro lado, valores de testosterona acima dos valores de referência para o método indicam estímulo gonadal. Nos casos em que há suspeita de doença adrenal, seus hormônios devem ser solicitados (BRITO et al., 2008).

Caso o diagnóstico de PPC não possa ser feito com o valor basal de LH, o exame padrão-ouro é o pico de LH estimulado pelo GnRH. Diversos autores testaram diferentes protocolos de estímulo do LH com o GnRH. O mais clássico é a coleta de LH antes da administração intravenosa de 100 mcg de GnRH e a cada 30 minutos, até 180 minutos de teste. Como o LH atinge seu pico rapidamente após a administração do GnRH, alguns autores sugerem que a coleta do LH após 30 a 40 minutos é suficiente para fechar o diagnóstico de PP. Os valores de referência do LH variam de acordo com o método laboratorial usado. Em 1999, Brito et al., usando IFMA, chegaram à conclusão que valores de LH> 6,9 UI/L para meninas e LH> 9,6 UI/L para meninos são indicativos de PP (BRITO et al., 1999). Com o surgimento de métodos mais sensíveis, esses valores de corte diminuíram. O trabalho conduzido por Resende et al., encontraram que, com ICMA, o LH estimulado maior que 4,1 UI/L em meninos e 3,3 UI/L em meninas definem puberdade (RESENDE et al., 2007). De uma forma geral, com métodos mais sensíveis, picos de LH maiores que 5 UI/L são indicativos de ativação do eixo gonadotrópico (NEELY et al.,1995; BORGES et al.,2008).

Como o GnRH não se encontra disponível no mercado, o exame com esse composto se tornou inviável. Dessa forma, os agonistas do GnRH têm sido usados para a realização do diagnóstico de PPC. O protocolo com o uso aGnRH consiste na coleta de LH basal e após 1 hora e 2 horas da administração de 3,75 mg intramuscular de leuprorrelina. Usando esse protocolo, em 2004, Brito et al., chegaram ao valor de LH maior que 10 UI/L, usando IFMA, como cut-off entre meninas com puberdade e meninas normais. Por outro lado, Houk et al., demonstraram que a dosagem do LH em apenas 30 minutos da administração do aGnRH é suficiente para o diagnóstico de PPC. Usando ICMA, ele encontrou que valores de LH> 9,2 UI/L indicam PPC e valores de LH<4,9UI/L são compatíveis com pré-púberes (HOUK et al., 2009).

As concentrações basais e estimuladas do FSH não são úteis para o diagnóstico de PPC. Entretanto, níveis baixos de FSH estimulados por GnRH sugerem PPP. A coleta do FSH nos diferentes protocolos também é justificada pois a razão entre o pico de LH e o pico de FSH entre 0,6 e 1,0 pode ser usada no diagnóstico de PPC (PESCOVITZ et al., 1988). Entretanto, a sensibilidade e a especificidade dessa razão não são maiores do que as de LH estimulado (LATRONICO et al., 2016). Por outro lado, a realização do teste de estímulo clássico, com a coleta do FSH, também ajuda a diferenciar a telarca precoce não progressiva, com predominância de FSH, da PPC progressiva, com predominância de LH (NEELY et al., 2010).

Documentos relacionados