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Dicotomia cultura organizacional escolar e cultura escolar 1.7.

A dicotomia entre cultura organizacional escolar e cultura escolar é bem desembaraçada pela produção académica nacional e que foi orientada por Leonor Lima Torres. Desta feita, os estudos da cultura de uma organização educativa recebem o seu contributo mais expressivo por parte desta investigadora, que a analisa desde a década de 90, publicando com regularidade trabalhos sobre a temática (Torres, 2000, 2005a, 2005b, 2007, 2008, 2011a, 2011b, 2013; Torres & Palhares, 2009, 2011, 2015). O seu primeiro esforço debruçou-se sobre o estudo da cultura organizacional escolar na ótica dos professores de uma escola secundária (Torres, 1997), na década de 90; nessa obra, a autora descreve a cultura escolar como

“todo um conjunto de fatores externamente produzidos e consensualmente partilhados, que tendem a determinar o funcionamento da organização escolar, convergindo para a organização sob a forma de orientações político-educativas, no sentido lato, quer mediados pelos atores sob a forma de valores, crenças, ideologias, representações, etc. Se adoptássemos exclusivamente esta focalização concorreríamos para a negligência das especificidades organizacionais escolares, assim como da interferência dos atores na escola. Em contrapartida, a cultura organizacional escolar, perspetivada à luz da cultura como variável dependente, permite-nos visualizar a influência da estrutura organizativa sobre a formação da cultura, sendo esta exclusivamente produzida no interior da escola e exercendo o seu impacte na socialização e integração dos atores” (2007, pp. 91- 92).

No seu entendimento sobre a temática da cultura afeta à escola “a cultura escolar são os contextos estruturais formalizados; estes só adquirem inteligibilidade sociológica quando desopacizados e recriados a partir da intenção humana não estruturada, desordenada, aleatória e fluída – cultura organizacional escolar” (Torres, 2004, p. 295). Nesta linha de pensamento, duas hipóteses são levantadas pela autora para se encarar a cultura escolar:

1. ou vista como o campo da educação formal, trespassa todo o sistema escolar, de onde ressaltam os aspetos culturais: normas, estruturas, rituais e tradições, valores e ações, ou seja, o conjunto de normas que o Estado decretou para o funcionamento generalizado das escolas;

2. ou se a incidência for colocada sobre a totalidade da realidade da organização escolar, o termo cultura escolar abrange a primeira hipótese e possibilita ainda a identificação da especificidade do sistema escolar, distinguindo-o de outros sistemas, como o judicial ou de saúde (2004).

À primeira definição, Torres dá o nome de cultura escolar; à segunda, cultura organizacional escolar (Torres, 2013). Nela, a cultura de uma escola é visível pelos “conjuntos de comportamentos convergentes e reprodutivos da ordem prescrita, condutas fiéis às estruturas, regras formais, quadros de valores, de crenças, de ideologias estabilizadas e coletivamente partilhadas pelos atores escolares” (Torres, 2005).

A cultura escolar é descrita pela autora como sendo construída e reconstruída pelos atores educativos (direção, professores, alunos, pais e restante comunidade educativa) numa permanente tensão vivida em dois sentidos: de dentro para fora e ainda reagindo ao de fora levando-o para dentro da escola, ao mesmo tempo que outros dois eixos se juntam a esta tensão: a estrutura (normativa ministerial, formal) e a ação (humana, informal) (Torres, 2004, 2008). Trazendo luz aos termos estrutura e ação, a ação são as práticas dos atores em contexto escolar e a estrutura são as orientações e regras produzidas pelas instâncias centrais, regionais e locais (N. Ferreira & Torres, 2012; Torres 2013) Em concordância com esta interação entre o interior e o exterior da escola está Barroso que afirma que “a capacidade de cada escola produzir a sua própria cultura (no quadro de um conjunto de constrangimentos externos) está intimamente ligada com o jogo de relações entre as estruturas formais e informais da organização” (2005, p. 57).

“A forma como cada instituição interpreta, recontextualiza e operacionaliza localmente as orientações centrais configura teoricamente a noção de cultura organizacional escolar” (Torres, 2013, p. 57). A cultura organizacional contribui para a cultura escolar nos seus elementos internos e externos, é o produto das influências e o resultado das operacionalizações internas (Torres, 2013). Esta ideia vem reforçar aquilo que anteriormente a autora já tinha referido: o modo como a escola se organiza (interpreta, recontextualiza e operacionaliza) contribui para o reforço da dinâmica envolta nela (pedagogias, práticas organizativas e gestão registadas no interior da

A definição de cultura organizacional escolar por ela feita é então o termo que utiliza para se referir à vida que se vive na escola. Pela leitura do seu trabalho, é possível desenhar-se a ideia de que a cultura escolar é algo de transversal às escolas, mas a interpretação, a recontextualização e a operacionalização que a normativa ministerial sofre em cada escola é que faz a diferença entre cada uma, aquilo que a autora entende por cultura organizacional escolar (Torres, 2013); as regras formais são interpretadas no quotidiano mas, porque se trata de pessoas que habitam a escola, estas podem ser “suspensas, moderadas, extravasadas ou subvertidas por um conjunto de práticas, de jogos sociais que quotidianamente desafiam a ordem prescrita e estabelecida” (Torres, 2004, p. 295).

Em suma,

“enquanto a cultura escolar pressupõe uma relação de continuidade entre as orientações normativas e culturais e os contextos de ação concretos, a cultura organizacional escolar remete-nos para a importância dos contextos endógenos de ação no processo de construção da cultura organizacional” (Torres, 2013, p. 57).

Esta visão de cultura por parte de Torres dá-se pelo facto de a autora a considerar um processo dinâmico, resultante do jogo da interação social, revelando-se aqui concordância com a visão de Bolívar (2012) e de Barroso (2005): esse jogo social regista-se num tempo e num espaço socialmente partilhados, podendo ser regular mas também possuir descontinuidades e que tem origem numa variedade de condicionalismos interna e externas à organização escolar (Torres, 2013).

A continuidade da investigação de Torres à abordagem cultural da escola possibilita-lhe a identificação de três patamares analíticos, assim lhe chama, consoante o grau de formalização e o contexto de produção, visíveis na figura 1: Figura 1: Patamares analíticos da cultura (Torres, 2013, p. 59)

Se num patamar superior, ou mais vasto, a cultura escolar é produzida fora da escola e orientada por uma estrutura formal (desenhada e estruturada pelas orientações e normativas ministeriais), num patamar inferior é possível aceder-se à cultura organizacional de escola, esta resultante dos modos de ser e de fazer produzidos no seio das escolas, que extravasam e vão mais além dos decretos e despachos impostos. Feita a diferenciação entre cultura organizacional escolar e cultura escolar, falta dar a conhecer o que os estudiosos afirmam ser a cultura escolar, nas diferentes áreas académicas que sobre ela se debruçaram. É nisso que o próximo ponto consiste.

Os contributos da cultura escolar

1.8.

“The way we do things around here” é uma frase que, ainda que simplista, é capaz de traduzir nas suas palavras a essência da cultura escolar: a maneira como as coisas se fazem aqui, em que o aqui representa uma e cada escola. É da autoria do sociólogo americano Willard Waller, no seu livro The Sociology of Teaching2, escrito num já distante ano de 1932, ainda que, décadas depois, esta definição continue a ser citada por outros autores em referência sucinta ao termo cultura escolar: Bower (1966) citado por Peterson e Deal (2009, p. 18), Deal e Kennedy (1983, p. 14), Stoll (1998, p. 9), Barth (2002, p. 1) e Starrat (2011, p. 59). Em concordância com esta ideia de “forma silenciosa de ensino” (Mesmim 1967, citado por Frago, 1995, p. 69), Prosser descreve a cultura como uma força algo invisível e inobservável, que existe por detrás das atividades escolares, um fator unificador que providencia sentido, direção e mobilização por parte dos membros da escola (1999). Nóvoa (1995) também se referiu à cultura escolar como elemento unificador das escolas, mas acrescentou a ideia de elemento diferenciador das práticas da organização, precisamente pela existência de cultura dentro das escolas.

Paralelamente ao modelo de Edgar Schein para o estudo da cultura organizacional, e como referido anteriormente, dá-se a transposição da concepção de cultura organizacional para a área educacional por Terrence Deal e Allan Kennedy, no

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sentido corporativo, capaz de intervir nos aspetos criadores de identidade e eficácia da organização escolar.

Deal e Kennedy (1983) partiram do pressuposto de que as escolas podiam aprender lições de produtividade dadas pelo mundo corporativo, não por questões de produtividade mas antes por questões de performance. Os autores fazem o conhecimento avançar ao referirem que a cultura escolar está ligada às melhorias que se possam fazer às escolas. Nessa mesma data, os autores afirmavam que os elementos da cultura eram os valores e as crenças partilhados pelos elementos da escola (considerados a alma da cultura), os seus heróis e heroínas, os rituais e as cerimónias da escola (oportunidades que possibilitam o reforço dos valores da escola e a celebração dos seus heróis) e ainda uma rede informal de estórias. Esta ideia é reforçada na sua última obra publicada: a cultura escolar é lida pelos valores, crenças e normas, suposições, rituais e cerimónias, história e símbolos, tradições, a própria missão da escola (Deal & Peterson, 2009).

A produção académica destes autores possibilitou o reconhecimento de diretrizes pelas quais se analisa a cultura escolar. São essas diretrizes que no ponto seguinte apresentamos.

As premissas da cultura escolar