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DES-TERRITORIALIZAÇÃO E DESASTRES „NATURAIS‟: ENTRE ABORDAGENS CONCEITUAIS E CONTEXTUALIZAÇÃO EMPÍRICA

2.2 DESASTRES „NATURAIS‟ E SUAS IMPLICAÇÔES NA COMUNIDADE DO MUTIRÃO

2.2.1 Diferenciando desastres “naturais” e catástrofes

A partir das reflexões efetuadas anteriormente sobre a compreensão de riscos, perigos e vulnerabilidades e entendendo os desastres “naturais” como parte desse processo, algumas indagações são necessárias para o inicio desta discussão: o que é um desastre “natural”? Como este evento é produzido? Inicialmente, vale salientar que os desastres “naturais” têm ganhado cada vez mais espaço nas discussões acadêmica sem virtude dos números alarmantes de afetados em varias regiões do mundo, conforme mostram os dados dos relatórios da Organização das Nações Unidas (ONU)e Defesa Civil Nacional. 20

A ideia de desastre “natural” tem sido um debate constante nas diversas ciências, sobretudo nas ciências da natureza, mas ainda pouco debatida nas ciências humanas. Porém, nos últimos anos da década dos anos 2000, a temática ganhou novo fôlego em virtude da amplitude e abrangência dos eventos e do número de afetados. Em grande medida, aqueles que apresentam menor poder aquisitivo tem sido os mais afetados pelos desastres.

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Dados obtidos respectivamente em https://nacoesunidas.org/?post_type=post&s=desastres+naturais. Acesso: 10 de Dezembro de 2015. Defesa Civil Nacional: http://s2id.mi.gov.br/# Acesso: 10 de Dezembro de 2015.

Pensar os desastres “naturais” suscita na Geografia um debate que remonta sua gênesis de discussões por ser um tema pautado na relação do homem com a natureza. Essa relação está posta a partir de uma dualidade ou ambivalência que se coloca no debate. Seriam os desastres consequência da atuação do homem sobre a natureza? Ou desastres seriam a “fúria da natureza”, uma espécie de retorno das ações humanas? Acreditamos que não. Os desastres estão para além dos discursos midiáticos de terror que suplantam os processos que geram estes eventos.

Buscamos interagir com o debate a partir do contexto socioespacial, percebendo o movimento das pessoas diante do processo chamado desastre “natural” e dialogando com ciências como a sociologia e as relações internacionais. A importância desse diálogo é perceber que todos estes elementos são construções sociais, uma vez que, como afirma Porto- Gonçalves (2013), o conceito de natureza não é natural, ele é construído e localizado em um tempo e espaço. Portanto, é necessária uma contribuição científica no sentido de esclarecer o que se coloca no debate como um desastre “natural”.

Etimologicamente, o termo desastre é de origem greco-latina.Onde o prefixo des significa contrário, oposição e astro corresponde a “dis + áster, astrum, que significa „mau‟, „contrário‟, „inadequado‟ + „astro‟”.Sendo assim, desastre seria algo negativo causado pelos astros21.Essa ligação deu aos homens a ideia que desastres estão sempre ligados a “regência da natureza”.Essa natureza, de acordo com Porto-Gonçalves (2002), deve ser entendida como physys, isto é, algo físico-natural.

No entanto, é nessa oposição e nesta contraposição do homem e da natureza marcada sobretudo na ciência com a modernidade e na criação de um mundo moderno-colonial (LIMA, 2013) que os movimentos de oposição se constituem, elencando os diversos binarismose dualidades. Nesse contexto, a ciência moderna passa a se colocar como produtora de certezas e previsibilidades científicas começam a se impor.

No entanto, os desastres vão tomando cada vez mais proporções maiores. Os desastres se dividiriam, segundo Marcelino (2007), em Naturais e Humanos. Os naturais advindos de fenômenos naturais como chuva, deslizamentos de terra e ventos, entre outros, e os desastres humanos considerados a partir de acidentes de trânsito, por exemplo.

Um problema importante para se pensar no tocante a esses eventos é sua diferenciação, sobretudo no sentido do mapeamento das áreas com possibilidade de serem

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Dicionário de etimologia online: Disponível em: http://www.dicionarioetimologico.com.br/d/ Acesso em 15 de outubro de 2015.

afetadas por um evento e as consequências que estão diretamente ligadas ao alcance desse processo no espaço.

Para Quarantelli (2006), o desastre se diferencia das catástrofes em termos de auxílio aos afetados. Baseado na experiência norte-americana de Nova Orleans, o autor afirma que a catástrofe tem dimensões mais intensas que o desastre, uma vez que são destruídos os equipamentos que podem levar ao auxílio dos afetados, quando aparelhos como: corpo de bombeiro, hospitais e delegacias são destruídos e ficam sem poder levar auxílio imediato aos necessitados.

Com o desastre, para o autor, apesar dos estragos nos aparelhos de auxílio e socorro imediato as vítimas não são afetadas. A partir desta compreensão de Quarantelli (2006) pode- se dizer que a diferença entre os dois eventos é escalar, em termos de dimensão e proporção, mas também em termos de auxílio e medidas de minimização dos impactos aos afetados por esse processo.

As definições dos órgãos nacionais e internacionais sobre os desastres naturais são diversas, segundo a Estratégia Internacional de Redução de Desastre (EIRD), o desastre:

Seria interrupção do funcionamento de uma comunidade ou sociedade que causa perdas humanas e/ou importantes perdas materiais, econômicas ou ambientais; que excedem a capacidade da comunidade ou sociedade afetada de lidar com a situação utilizando seus processo de risco. Resulta da combinação de ameaças, condições de vulnerabilidade e insuficiente capacidade ou medidas para reduzir as consequências negativas e potenciais do risco. (EIRD, 2004, s/p).

A partir dessa definição, a Organização Pan-Americana da Saúde define que os desastres naturais teriam duas características:

Desastre natural trata-se de um evento que apresenta duas características importantes, que podem ser combinadas ou não. A primeira é resultar em uma séria interrupção do funcionamento normal de uma comunidade ou sociedade, afetando seu cotidiano. Essa interrupção envolve, simultaneamente, perdas materiais e econômicas, assim como danos ambientais e à saúde das populações,através de agravos e doenças que podem resultar em óbitos imediatos e posteriores. A segunda é exceder a capacidade de uma comunidade ou sociedade afetada em lidar coma situação utilizando seus próprios recursos, podendo resultar na ampliação das perdas e danos ambientais e na saúde para além dos limites do lugar em que o evento ocorreu. (OPAS, 2015, p. 9).

Nesses termos, o que caracterizaria um desastre? Tominaga (2009, p.13) destaca os critérios que foram adotados pelo Relatório Estatístico Anual do EM-DAT (Emergency Disasters Data Base) para análise dos desastres ocorridos em 2007. Ao citar (SCHEUREN, et. al. 2008), a autora afirma que são considerados desastres as situações que apresentam a

ocorrência de no mínimo um dos seguintes critérios: a) 10 ou mais óbitos; b) 100 ou mais pessoas afetadas; c) declaração de estado de emergência; d) pedido de auxílio internacional.

Em Marandola Jr (2008) a modernidade aparece com suas formas de “melhoria” tecnológica, demonstrando maior capacidade de previsibilidades desses eventos e, portanto, melhor forma de lidar com eles. Apesar de concordarmos com a reflexão de Marandola Jr (2008),é preciso levantar ainda alguns questionamentos. Estando o mundo hoje em um meio- técnico-científico-informacional, como propõe Santos (2012), e com maior capacidade de previsibilidade,de acordo com Marandola Jr (2008), por que os fenômenos naturais ainda causam destruição a nível de desastre? Se analisarmos o contexto brasileiro, por exemplo, o Atlas Brasileiro de Desastres Naturais (1991-2012), informa que foram cerca de 38.99622 desastres “naturais”, tendo um total de 126.926.556 danos humanos23

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Mesmo com investimentos dos Governos Federal, Estadual e Municipal em monitoramento das áreas ditas de “risco” como pode então as pessoas dessas áreas ainda continuarem sendo atingidas de forma tão abrangente? Essa situação poderia ser classificada como uma falta de acessibilidade? Falta de acessibilidade às informações para poderem se abrigar? Ou seria falta de acesso a condições de abrigo? Pelas análises feitas no Mutirão é possível perceber que apesar do medo e dos “pressentimentos” dos moradores no dia da enchente e seu temor em virtude da chuva, estes não saíram de casa. Alguns não saíram por que não tinham para onde ir, outros porque não queriam deixar suas casas e ainda houve quem simplesmente não acreditasse que havia um risco.