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“TERRITÓRIOS DE ESPERA”

3.3. DINÂMICAS DE DES-RE-TERRITORIALIZAÇÃO NO MUTIRÃO 1 A re-territorialização na comunidade do Mutirão pós-desastre

3.3.2 Dinâmicas de des-re-territorialização no Mutirão

Após analisar os processos postos neste trabalho, pode-se perceber como as dinâmicas territoriais são múltiplas e complexas, sendo necessário fazer as análises a partir de dois eixos principais, o primeiro relacionado à perspectiva do entendimento do cotidiano e o segundo, associado à análise das escalas e suas relações.

O cotidiano, no sentido de aproximação com a realidade do campo estudado, permite observar as relações que de início parecer irrelevantes, mas que muito dizem sobre o contexto dos sujeitos que buscamos compreender através de suas ações no espaço. Quanto à

escala,tratamos dela no sentido de articular as realidades e os conceitos em diferentes escalas e possibilidades de análise.

As dinâmicas territoriais são amplas e podem ser pensadas desde o corpo e a casa até uma escala global. Ambas se explicando mutuamente, como destaca Smith (2000). Pensar esses processos no contexto das cidades médias ainda é um esforço a ser efetuado, uma vez que as discussões tem se concentrado, em sua maioria, nos casos envolvendo metrópoles.

Inter-relacionar as dinâmicas territoriais com os desastres “naturais” impõe outro desafio ainda a ser alcançado. Nesse sentido, a partir das indagações feitas nesta pesquisa e das fundamentações proporcionadas, percebe-se a possibilidade de pensar as dinâmicas de des-re-territorialização, como propõe Haesbaert (2004, p.168), a partir de uma contextualização histórica e geográfica, onde se encontram os movimentos de territorialização, des-territorialização e re-territorialização.

Pensar a des-re-territorialização é analisar as multifaces de entrada e saída do território, sua mobilidade e suas continuidades e de descontinuidades, conforme discute Saquet (2007). Esse movimento só é possível a partir das (re)leituras de suas concepções, estendendo estas (re)leituras tanto ao processo de des-territorialização quanto o de re- territorialização. Para Haesbaert (2004), a des-territorialização aparece como um mito porque ao invés de apresentar uma destruição do território nada mais é que um ponto de passagem para novas formações territoriais que, em sua maioria, não se desfaz das anteriores, mas anexa novas relações com novos territórios.

Nesse contexto, a possibilidade de pensar uma des-re-territorialização se dá ao passo que esses processos, tanto a des-territorialização quanto a re-territorialização, não se dão de maneira isolada nem tampouco fragmentada e/ou desarticulada, um está contido no outro. Portanto, não existe uma des-territorialização sozinha, menos ainda uma re-territorialização, o que existem são processos relacionados, onde a des-territorialização (sempre usada com hífen) firma novas formas de re-territorialização. Sem a destruição total do território anterior, a ruptura com o território abre a possibilidade de re-territorialização. É por esse viés que segue o contexto do campo de pesquisa deste trabalho.

Para entender essa dinâmica, formulamos um esquema que permite pensar de maneira mais geral as dinâmicas territoriais. A Figura 38 mostra os movimentos de territorialização, des-territorialização e re-territorialização, de maneira que o primeiro se configura como apropriação, o segundo como ruptura e/ou abertura e o terceiro como um processo de re- construção territorial.

FIGURA 38: Esquema das dinâmicas de T-D-R.

FONTE: Elaboração FREIRE, Zenis Bezerra. Novembro 2015.

Pensando no contexto dos desastres “naturais”, esse processo ocorre de maneira inter- relacionada com outros elementos que envolvem a precariedade do território, como as situações de vulnerabilidade. Nesse contexto, a des-territorialização pode ser entendida a partir de dois vieses, como uma ruptura do território e como uma possibilidade de re- construção territorial.

A Figura 39 mostra o exemplo do Mutirão, considerada uma área territorializada pela apropriação dos moradores e que produz uma territorialidade. No entanto, a grande precarização ocorrida pelo que Martins (2007) chama de inclusão precária gerou uma vulnerabilidade social e ambiental, como já discutimos anteriormente. Com o desastre “natural” de 2011 ocorre uma ruptura territorial, caracterizando a des-territorialização.

Houve a perda da casa, dos bens e dos parentes, entre outros, e os moradores que pouco tinham, passam a não ter mais nada, ampliando a vulnerabilidade destes. No entanto, esta des-territorialização, caso fosse atendida de maneira eficaz pelo Estado, poderia se configurar como uma possibilidade de re-construção do território, com melhorias de infra- estrutura e acesso a serviços de saúde, educação e lazer, por exemplo.

No contexto dos desastres “naturais” pensamos a des-re-territorialização a partir da esquematização efetuada com as análises no Mutirão. Para um melhor entendimento de nossas apreensões e reflexões em torno da pesquisa se colocam na Figura 39, o esquema que sintetiza as dinâmicas territoriais relacionadas aos desastres.

Territorialização

• Apropriação do espaço, construção de relações de poder e de territorialidades

Des- territorialização

• Ruptura com o território, e abertura para construção de outros territórios

Re-territorialização

• Re-construção territorial e produção de “novos” territórios seja no mesmo lugar ou em outro.

FIGURA 39: Esquema de dinâmicas de des-re-territorialização no Mutirão.

FONTE: Elaboração FREIRE, Zenis Bezerra. Novembro 2015.

Pode-se perceber a partir das discussões aqui efetuadas que os sujeitos que compõem a comunidade do Mutirão produzem esta dinâmica de des-re-territorialização, desde o processo de constituição da comunidade, quando são colocados no Mutirão sem nenhuma infra- estrutura e daí retornam para seus bairros de origem. As residências em construção são ocupadas por outros moradores em busca da casa própria, de uma moradia mais barata e do êxodo rural.

A abertura e fechamento do Lixão Municipal é uma dinâmica que também re- configura os ocupantes do Mutirão. No evento da enchente/inundação mais uma vez estes sujeitos são deslocados, des-re-territorializados.

Pensar as dinâmicas de des-territorialização como ruptura e como se coloca no sentido de que a enchente/ inundação, apesar da destruição causada e dos danos irreparáveis aos moradores, ocasionou também uma abertura deste espaço tão desconhecido na cidade e desprovido da presença do poder público. A morte da criança na enchente causou comoção social e proporcionou aos moradores uma luta social. Os benefícios conseguidos, em sua

Construção do território Relações de apropriação e de territorialidades (Casa) Rompimento de corpos d‟agua em virtude da concentração de chuva Destruição das casas ruptura com o território (des- territorialização) Construção de territorialidades nos abrigos "Territorios de espera " Re-contrução do território movimentos de re- territorialização

maioria, foram pontuais. Ainda assim, segundo alguns moradores, o episódio serviu para que o poder público “olhasse” para o Mutirão.

Outro ponto importante para pensar estas dinâmicas territoriais está na possibilidade de que com a compreensão destes territórios, seu cotidiano e contexto e percebendo suas vulnerabilidades, torne possível a constituição de um planejamento e uma gestão urbana eficaz para esta área a partir de uma construção coletiva, baseada nas ações de lutas sociais dos sujeitos.