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Diferenciando energia garantida, energia assegurada e garantia física

Nas discussões do setor elétrico brasileiro, é comum a utilização das expressões energia garantida, energia assegurada e garantia física como sinônimos. Todavia, ao se avaliar o histórico do setor elétrico brasileiro, é possível concluir que cada expressão está associada a um modelo de comercialização de energia adotado.

Até o início da década de 1990, a regulação do setor elétrico brasileiro era baseada no modelo de remuneração garantida, no qual as tarifas eram definidas de modo a garantir um retorno adequado dos investimentos realizados pelas estatais, sem necessariamente haver um controle acerca da necessidade dos investimentos realizados. Apesar da conjuntura econômica e descontrole da inflação, o controle estatal sobre as empresas permitia o represamento das tarifas pelo Governo, o que ocasionou uma grave crise financeira no setor elétrico. [87]

No início da década de 1990, o Governo Federal promulgou a Lei nº 8.631, de 4 de março de 1993, a qual extinguiu o regime de remuneração garantida a partir da data da sua regulamentação (ocorrida em 19 de março de 1993, data da publicação do Decreto nº 774, de 18 de março de 1993). A partir daí, tornou-se compulsória a celebração de contratos de

suprimento de energia elétrica entre empresas superavitárias e deficitárias em relação aos

seus respectivos mercados. Esse pode ser considerado o “embrião” do mercado de certificados de energia brasileiro.

Os montantes de contratação eram definidos a partir de critérios utilizados para estudos de planejamento da expansão e da operação pelo GCPS e pelo Grupo Coordenador para a Operação Interligada (GCOI). A cada ano civil, os montantes dos contratos de suprimento eram recalculados para o horizonte de 10 anos à frente (compreendido entre o início do primeiro e o fim do nono ano subsequente ao ano do cálculo). Consequentemente, aditamentos anuais desses contratos também eram necessários. Entretanto, algumas regras foram estabelecidas de modo a não alterar significativamente os montantes contratados no curto prazo. [88;89]

Antes da entrada em operação da Interligação Norte-Sul (grande tronco de transmissão que permite trocas de energia entre as regiões do Brasil), os montantes de contratação eram definidos a partir das energias garantidas dos dois grandes sistemas elétricos brasileiros à época: o Sistema Sul/Sudeste/Centro-Oeste e o Sistema Norte/Nordeste. Para cada um dos grandes sistemas, os montantes eram definidos a partir de três etapas: i) cálculo da energia garantida total de cada sistema; ii) rateio da energia garantida de cada sistema entre suas usinas proporcionalmente às respectivas energias firmes, de modo a avaliar a oferta de cada empresa; e iii) ajuste dos montantes de contratação de modo a compatibilizar a oferta ao mercado de modo que não houvesse sobras ou déficits.

A partir do Plano Decenal de Expansão 1996-2005, os montantes de suprimento entre empresas, para o período a partir de 1999, foram obtidos a partir de estudos que consideravam o sistema formado pela integração dos "ex-sistemas" Norte/Nordeste e Sul/Sudeste/Centro- Oeste: o SIN. Dessa forma, tanto a energia garantida quanto as energias firmes já não mais seriam definidas considerando a operação isolada de cada sistema, mas sim a operação conjunta e os benefícios energéticos decorrentes da interligação.

Conclui-se, portanto, que a energia garantida representava o lastro das centrais geradoras durante a vigência do modelo de contratos de suprimento entre empresas. Nesse momento, o termo energia assegurada ainda não era utilizado para se referir ao lastro de energia das centrais geradoras.

Capítulo 3 – Estudo dos critérios adotados para a definição da oferta estrutural de energia 98

A Medida Provisória nº 1.531-18, de 29 de abril de 1998, posteriormente convertida na Lei nº 9.648, de 27 de maio de 1998, instituiu a livre comercialização de energia elétrica e definiu as regras de transição do modelo de contratos de suprimento para o novo modelo institucional. Sua regulamentação, ocorrida a partir do Decreto nº 2.655, de 2 de julho de 1998, é que inseriu no setor elétrico a expressão energia assegurada, referente ainda apenas às usinas hidrelétricas participantes do MRE, definida como o limite de contratação para os geradores hidrelétricos do sistema.

Observa-se que o objetivo do modelo implantado era promover a competição no setor elétrico. Para tanto, foi necessário definir qual o montante limite de energia que cada usina poderia ofertar em seus contratos, de modo a promover a celebração dos chamados contratos

iniciais (sucedâneos temporários dos antigos contratos de suprimento). Para tanto, a recém

instituída Aneel definiu a energia assegurada das hidrelétricas participantes do MRE como 95% da respectiva energia garantida, cujo cálculo ainda era responsabilidade do GCPS e do Comitê Coordenador de Operações Norte-Nordeste (CCON), cabendo a Aneel apenas a homologação dos valores. A usina de Itaipu recebeu tratamento diferenciado, sendo sua energia assegurada definida como sua respectiva energia garantida calcula pelo GCOI. Para as termelétricas, o lastro a ser considerado nos contratos seria a energia garantida dos empreendimentos, sendo que, a partir de 2003, o limite para contratação das termelétricas seria a respectiva potência disponível. Registra-se que, nesse período de transição, até algumas termelétricas participaram do MRE. [89;90].

Posteriormente, com a extinção do GCPS e GCOI, o cálculo das energias asseguradas passou a ser competência conjunta dos recém criados CCPE e ONS.

Encontra-se na literatura uma definição de energia assegurada como um valor líquido em relação à energia garantida, dado que a primeira considera a probabilidade de falhas e de manutenções programadas [27]. Nos documentos elaborados pelos órgãos de planejamento que tratam acerca do cálculo da energia garantida consultados para elaboração deste trabalho, não se verificou declaração análoga. Contudo, tais documentos reiteradas vezes registram que os déficits decorrentes de indisponibilidades de máquinas resultam em montantes pouco significativos de energia não suprida, indicando que tal fenômeno poderia ser desprezado. Ademais, tais documentos fazem referência aos índices de indisponibilidades apenas quando se referem à avaliação de disponibilidade de potência. Embora razoável, a diferenciação entre energia garantida e energia assegurada definido em [27] não é precisa.

Assim, conclui-se que foi a partir da definição da energia assegurada das centrais geradoras é que se iniciou de fato o modelo de mercado, que pode ser classificado como um mercado de pagamentos por capacidade.

Posteriormente, devido ao racionamento de energia decretado em 2001 e à mudança de comando do Poder Executivo federal em decorrência das eleições presidenciais de 2002, o setor elétrico brasileiro foi submetido a uma nova reforma institucional. O marco desse novo modelo pode ser definido como a edição das Medida Provisória nº 144, que dispunha acerca das condições de comercialização de energia regulada e livre, e nº 145, que autorizava a criação da EPE, ambas de 11 de dezembro de 2003, publicadas na mesma data. Posteriormente, a Medida Provisória nº 144, de 2003, foi convertida na Lei nº 10.848, de 15 de março de 2004; e a Medida Provisória nº 145, de 2003, na Lei nº 10.847, de 15 de março de 2004.

O Decreto nº 5.163, de 30 de julho de 2004, que regulamentou a comercialização de energia nesse novo modelo, institui a expressão garantia física no setor elétrico brasileiro, definindo-a como a quantidade máxima de energia elétrica associada ao empreendimento que poderia ser utilizada para fins de comprovação de atendimento a carga ou para a comercialização mediante contratos [21]. De outro modo, garantia física é o nome dado aos certificados de energia no Brasil. É um parâmetro de comercialização que necessita de estabilidade pelas razões explicitadas na Seção 2.3.14.

No momento da definição, a garantia física de um empreendimento corresponde à sua respectiva energia garantida, adicionada de um eventual benefício indireto. Ou seja, reflete a contribuição econômico-energética do empreendimento em consonância com os critérios de planejamentos vigentes. Todavia, em decorrência da evolução do parque gerador a da mudança dos critérios de planejamento, pode haver um afastamento entre esses montantes.

Em síntese, o parâmetro que representa materialmente a contribuição econômico- energética de uma central geradora é a sua energia garantida, um parâmetro dinâmico que sofre influência da evolução do parque gerador e dos critérios de risco e economicidade adotados. As garantias físicas e energias asseguradas, por sua vez, embora determinados a partir das energias garantidas, são parâmetros formais e que indicam o montante de energia que um agente pode comprometer em contratos.

Capítulo 3 – Estudo dos critérios adotados para a definição da oferta estrutural de energia 100