• Nenhum resultado encontrado

2 APLICAÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL PELO FATO DO PRODUTO EM CONTEXTO DE INCERTEZA

2.5 DIFICULDADE DE COMPROVAÇÃO DO NEXO DE CAUSALIDADE NA SOCIEDADE DE RISCO

O nexo de causalidade pode ser entendido como o elo entre o dano e seu fato gerador (conduta). É, também, o elemento que indica quais danos podem ser considerados como consequência da conduta do agente, porque a causa de um dano só pode decorrer de um fato que tenha contribuído para o provocar, ou mesmo para agravar seus efeitos (NORONHA, 2007, p. 475). Além disso, o liame causal também “vincula o dano diretamente ao fato e indiretamente ao elemento de atribuição objetiva da responsabilidade” (ALSINA, 2007, p. 267 apud BAHIA, 2016, p. 63).

Ainda, possui uma dupla função: ao passo que permite a identificação do agente responsável pelo dano produzido, também apresenta critérios objetivos para verificar a dimensão do dano a ser reparado (MULHOLLAND, 2009)

Cavalieri Filho (2015, p. 213) afirma que, ainda que a culpa possa ser prescindida na responsabilidade objetiva, o nexo causal deve estar presente, uma vez que “não se pode responsabilizar quem não tenha dado causa ao evento”. Desse modo, as causas de exclusão do nexo de causalidade são igualmente aplicadas.

Miragem (2014), nesta senda, informa que duas teorias de exame do nexo de causalidade se adaptam mais a responsabilidade civil no âmbito do consumo. A primeira delas é a teoria da causalidade adequada – aliás, a mais adotada pela doutrina na responsabilidade civil –, na qual “uma condição deve ser considerada causa de um dano quando, segundo o curso normal das coisas, poderia produzi-lo” (NORONHA, 2007, p. 603). Em uma concepção positiva, a causa será adequada quando o dano ocorrido for a consequência natural ou o efeito provável, em condições de normalidade. Já em uma posição negativa, a causa adequada é aquela que, segundo as regras de experiência, não é indiferente ao resultado do evento danoso – só se excluindo dessas as causas completamente indiferentes ao fato (NORONHA, 2007, p. 604-605)8.

Miragem (2014) acrescenta, ainda, que quanto maior for a probabilidade de que determinada causa tenha dado origem ao dano, mais adequada será e, via de consequência,

8 Para Noronha (2007, p. 606-607), a preferível entre as duas vertentes da teoria da causa adequada é a negativa, porque dá conta de explicar a responsabilidade naqueles casos em que o dano não é consequência direta do fato, mas também não lhe é estranho ou indiferente. É, portanto, mais favorável ao lesado, isto é, porquanto “provado que o evento atribuído ao indigitado responsável foi uma condição do dano, fica presumida adequação”.

terá aptidão de ser vinculada ao agente como pressuposto da imputação de responsabilidade. Por outro lado, se o resultado deu-se em razão de circunstâncias especiais, a causa sugerida não será a mais adequada. Veja-se que tal teoria dá grande importância ao arbítrio do juiz, na medida em que permite um juízo de probabilidade entre causa e consequência.

A segunda teoria é a da causalidade necessária, na qual somente uma causa direta e imediata, sem a qual o dano não existiria, serve de critério para a imputação da responsabilidade. Trata-se de um dano direto e imediato à causa, de modo que se a cadeia de acontecimentos fosse ali rompida, o dano não teria se efetivado (MIRAGEM, 2014). Entre as duas teorias (causalidade adequada e causalidade necessária), Miragem (2014) entende que a segunda é a que mais se amolda a responsabilidade pelo fato do produto, já que resolve a questão do defeito como pressuposto do dever de indenizar. Pela regra da interrupção do nexo causal, a pergunta que o julgador deve fazer é: “se não houvesse defeito, haveria dano?” (MIRAGEM, 2014). A resposta positiva exoneraria o fornecedor, e a negativa o imputaria responsabilidade.

Todavia, Miragem (2014) esclarece que o mesmo questionamento feito na teoria da interrupção do nexo causal (dano direto e imediato - causalidade necessária), também é feita, por sua utilidade lógica, por defensores da teoria da causalidade adequada, “como um critério útil de valoração da causa mais adequada à realização do dano”. Dessa maneira, o resultado é a aproximação das duas teorias, sobretudo na jurisprudência -- que se utiliza de uma tese, mas fundamenta suas decisões em outra.

Não se olvida, contudo, que há certa dificuldade em provar o nexo de causalidade em uma relação de consumo – ônus que se incumbe, de início, ao consumidor. Primeiro porque a prova do defeito é extremamente difícil de ser feita pela vítima -- que tem hipossuficiência técnica com relação ao fornecedor, esse em posição de “ matchpoint ” (MARQUES, 2016). Segundo porque, em alguns casos, é difícil fazer uma prova robusta do próprio nexo de causalidade entre o defeito do produto e o dano gerado. A exemplo, Calixto (2004, p. 153) retrata:

Quanto ao nexo causal convém lembrar a dificuldade que sua prova pode trazer para o consumidor, podendo pensar-se na demonstração de que determinado dano decorreu da utilização de um medicamento específico, quando é certo que o consumidor fez uso simultâneo de vários remédios.

Frente a esse problema, a doutrina europeia admite uma “prova de primeira aparência” para demonstrar a existência do nexo causal. Na mesma linha, o direito brasileiro já admitiu a prova do nexo causal a partir de indícios (CALIXTO, 2004, p. 153). Na realidade, Calixto (2004, p. 153-154) alerta para a inversão do ônus de provar o nexo de causalidade, “na hipótese de verossimilhança da alegação ou ainda quando o consumidor for hipossuficiente, tudo na forma do artigo 6º, inciso VIII do CDC”. Tal inversão depende de manifestação judicial, mas não deixará de ser obrigatória caso se verifique um dos dois requisitos legais.

É que a verossimilhança das alegações ensejará um juízo de probabilidade, a partir dos indícios já apresentados. Convencido o magistrado da verossimilhança das alegações,9 presumirá ter acontecido, também, o fato causador do dano (CALIXTO, 2004, p. 155).

No mesmo sentido, sobre a prova de primeira aparência, Cavalieri Filho (2015, p. 595) afirma que é exigida apenas a verossimilhança dos fatos, cuja análise decorre de regras de experiência comum. Assim, viabiliza-se um juízo de probabilidade no contexto do evento danoso (por exemplo, a repetição de um mesmo evento em relação a um certo produto), frente a dificuldade de produção de prova, para presumir a existência do nexo causal.

Aliás, no que tange a prova do defeito, diz-se que o CDC presume sua existência, já que para afastar o dever de indenizar, o Código exige a prova de que o defeito não existe. Ato contínuo, se cabe ao fornecedor comprovar que o defeito não existe, conclui-se que ele é presumido, até prova em contrário (CAVALIERI FILHO, 2015, p. 595).

No mesmo sentido, Calixto, (2004, p. 148-149) anota que no direito brasileiro há uma “presunção relativa de defeito do produto, por força do dano sofrido pelo consumidor, dispensando este de sua prova cabal”. Dessa maneira, cabe ao consumidor fazer a prova somente de que houve o dano e da existência entre o nexo de causalidade entre o defeito do produto e a ocorrência do dano.

Por fim, se não for possível determinar, ainda que pela prova de primeira aparência (isto é, por um juízo de verossimilhança), qual foi o ato causador do dano -- e, consequentemente, quem é por ele responsável --, a teoria da causalidade alternativa pode ser útil para resolver o problema. De acordo com Miragem (2014), a teoria da causalidade alternativa tem lugar quando: a) o dano puder ter sido causado tanto pelo fornecedor “A” quanto pelo “B”; b) houver demonstração da participação de todos os possíveis autores na cadeia de acontecimentos; e c) demonstrar-se a “relação de causalidade entre o dano e ação

individualizada do grupo”. Assim, as causas possíveis do dano estendem-se aos vários fornecedores, que só poderão exonerar-se se afastarem o nexo de causalidade, através de alguma excludente.

É pela adoção da teoria da causalidade alternativa que o CDC indica a solidariedade de vários fornecedores tanto no caput do artigo 12, quanto no do artigo 14, conforme já vimos. Desse modo, amplia-se a proteção do interesse do consumidor-vítima frente ao acidente de consumo (MIRAGEM, 2014).