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As Dificuldades de Aprendizagem e a Medicalização das Questões Educacionais: Uma Análise a partir do Discurso dos Professores

3 CAMINHOS PERCORRIDOS NA PESQUISA DE CAMPO: INVESTIGANDO A MEDICALIZAÇÃO NO ESPAÇO ESCOLAR

3.1 As Dificuldades de Aprendizagem e a Medicalização das Questões Educacionais: Uma Análise a partir do Discurso dos Professores

Na atualidade, a escola deve assumir estratégias pedagógicas e de luta contra as desigualdades e o fracasso, porém esta prática ainda está longe de acontecer de forma coerente, visto que o trabalho que é desenvolvido em sala de aula, ainda encontra muitos obstáculos, como o efetivo das turmas, a sobrecarga dos programas, pouca qualidade do ensino, falta de compromisso do Estado com a educação.

A medicalização não considera essas intempéries no âmbito escolar e expõe o aluno como mentor do seu fracasso, sem considerar sua realidade, suas limitações e suas necessidades educacionais. Segundo Zucoloto (2007), a explicação mais usada na atualidade para o fracasso escolar é a atribuição de patologias aos alunos que não conseguem aprender ou não apresentam comportamento condizente com as normas da instituição, ou seja, são explicações “medicalizantes”. Neste sentido, o fracasso escolar denota uma doença apresentada pela criança que não consegue aprender os conteúdos propostos em tempo hábil, ou não apresenta comportamento condizente com as normas escolares. Nestas circunstâncias, há uma crescente no número de encaminhamentos de alunos para profissionais de saúde.

Sobre isso, Machado (2004) afirma que para que o aluno seja encaminhado para profissionais de saúde, é necessário conhecer e problematizar o cotidiano escolar para daí procurar ajuda dos profissionais de saúde. Machado (2004) afirma

Uma vez que nos é encaminhado um aluno que se sente incapaz, teremos como desafio pensar em maneiras de intervir na produção da incapacidade. As professoras de nossas escolas nos mostram esse saber quando criam práticas, dinâmicas, tarefas, que permitem que seus alunos arrisquem, desejem. Mas quando falamos de alunos que permanecem muito tempo sem aprender, ou com problemas disciplinares, ou com deficiências, principalmente mental, intensifica-se a procura de ajuda dos profissionais de saúde (MACHADO, 2004, p. 06).

Esse processo descrito por Machado (2004) também ocorre na Escola Paroquial Cristo Rei. Um dos professores entrevistados, o professor João afirma que a dificuldade de aprendizagem apresentada pelo aluno é motivo para encaminhá-lo a coordenação da escola para que outras providências sejam tomadas. Assim o professor João afirma que

Eu identifico que o aluno está com dificuldade de aprendizagem, quando eu percebo que ele não está acompanhando os conteúdos da mesma forma que os demais alunos da turma. Então eu encaminho esse aluno para a coordenação para que sejam feitos outros encaminhamentos.

Assim, percebe-se a fragilidade da prática pedagógica, uma vez que ao deparar com a dificuldade do aluno, o professor afirma que o encaminha, sem tentar outras possibilidades, outras estratégias pedagógicas, para provocar nesse aluno a construção do conhecimento. Sobre isso, Piaget (1964) diz que

Conhecemos muitos professores que não conseguem se colocar na perspectiva dos seus alunos. Cientes de que seus alunos desconhecem aquilo que estão dispostos a transmitir, ainda assim só almejam refinar sua didática verbalista. No caso do professor que age assim, o que dificulta a troca é a falta de conhecimento sobre como o raciocínio da criança progride (PIAGET, 1964, p. 171).

Percebe-se a necessidade que o professor tem de conhecer a realidade de seus alunos, para que o processo de ensino-aprendizagem não se torne algo impositivo.

A medicalização no espaço escolar tem contribuído para o encaminhamento de alunos para profissionais de saúde, que na maioria das vezes são diagnosticados como portadores de algum tipo de transtorno. A partir disso, esses alunos passam a ser rotulados como “problemáticos” ou de uma forma mais sutil como “especiais”.

Para o professor Pedro da Escola Paroquial Cristo Rei, o aluno apresenta problemas de aprendizagem quando ele não consegue realizar as mesmas atividades que os demais alunos. Sobre isso ele diz que

Para identificar se o aluno tem dificuldade de aprendizagem, eu peço para que ele realize produções textuais, quando percebo que ele não consegue produzir textos, nem ler, então eu procuro realizar atividades práticas para auxiliar esses alunos de diferentes maneiras. Mas se com tudo isso, ele ainda assim não consegue aprender, aí faço o encaminhamento para a sala de recursos, onde são atendidos os alunos com problemas de aprendizagem. De fato, encaminhar o aluno com dificuldade para a sala de recursos só deve ser feito depois que se tentou diversos recursos pedagógicos, como aponta Machado (2004). O professor afirma que tenta estimular a aprendizagem dos alunos com atividades diferenciadas, como leitura, escrita e experimentos. Se ainda assim, o aluno não aprender, então será feito o encaminhamento para a sala de recursos.

O professor Dantas lotado na Escola Paroquial Cristo Rei, atende dois alunos que apresentam dificuldades de aprendizagem, sendo que um já foi diagnosticado com Autismo e o outro tem Dislexia e Hiperativismo, segundo o professor, o aluno esquece tudo o que foi ensinado. O professor afirmou ainda que o diagnóstico e encaminhamento dos dois alunos não foram realizados por ele, pois quando iniciou o atendimento, os mesmos já possuíam laudos psicológicos.

Nesse caso, percebe-se que as dificuldades de aprendizagem dos alunos atendidos pelo professor Dantas estão relacionadas aos problemas diagnosticados. O professor afirmou ainda que os dois alunos fazem uso de medicamentos controlados. Desta forma, não se trata de problemas pedagógicos ou sociais, mas sim clínicos.

O professor Roberto lotado na Escola Paroquial Cristo Rei, atende dois alunos que já foram diagnosticados e que segundo ele, apresentam dificuldades de raciocínio, de fala e auditivo. O professor afirma ainda que percebe que o aluno apresenta dificuldade de aprendizagem, quando ele não consegue realizar tarefas simples. Afirmou que produz atividades diferenciadas, mas nem assim o aluno se sente motivado a realizá-las.

Os alunos atendidos pelo professor Roberto apresentam problemas clínicos, as dificuldades de aprendizagem estão relacionadas a problemas na fala e auditivos.

A escola nesse sentido tem a função de incluir esses alunos com necessidades especiais, possibilitando estratégias de ensino que favoreçam a construção do conhecimento. Tentar motivá-los é o principal desafio da escola, segundo o professor. Mas para isso é preciso que a escola se desvencilhe um pouco do currículo em si e foque mais nos “sujeitos que dão vida ao currículo e à escola”. Para Ribeiro (2014)

A vida na escola e o seu currículo existem em função da existência e participação dos sujeitos, ou seja, o que dá vida e sentido à escola e tudo o que faz parte desse universo são as pessoas. Pessoas em interação que compartilham experiências, sentimentos, saberes... Assim, a escola só tem sentido se acolhe a vida dos sujeitos em todos os seus sentidos e expressões (RIBEIRO, 2014, p. 22).

Percebe-se que o aluno não deve ser compreendido como um mero assimilador de propostas curriculares, ele deve ser compreendido como o sujeito que dá sentido a todo o processo pedagógico.

O professor Max lotado na Escola Paroquial Cristo Rei atende dois alunos com necessidades especiais, sendo que um foi diagnosticado com problemas de audição e visão e o outro com problemas na coordenação motora. Afirmou ainda que apenas

um aluno toma medicamento controlado. Segundo ele, os dois alunos apresentam extrema dificuldade de aprendizagem devido as suas limitações.

Os alunos atendidos pelo professor Max também apresentam problemas clínicos, com baixa visão e audição. O professor acredita que as dificuldades de aprendizagem decorrem desses problemas.

A professora Ana afirmou que:

Eu observo o desempenho do aluno na turma e quando ele não consegue acompanhar, ou quando ele já é repetente há vários anos, aí a gente encaminha para coordenação para que se tome as providências necessárias. Em seguida informou que em sua opinião grande partes dos problemas de aprendizagens dos alunos são pedagógicos e sociais, pois são alunos que não foram alfabetizados devidamente e por esse motivo não conseguem acompanhar a turma. Outro fator que considera crucial é a falta de acompanhamento familiar na vida escolar do aluno, pois nem sempre a família acompanha.

Nesse sentido, percebe-se que parte dos problemas de aprendizagem dos alunos são causados por questões externas, assim o aluno deixa de ser culpabilizado pelas dificuldades de aprendizagens. Com isso, abre-se a possibilidade de resolver o problema pela via pedagógica, não pela via médica como propõe Machado (2004).

Segundo Ribeiro (2014) na lógica “medicalizante” os fatores biológicos e psicológicos são determinantes de padrões de comportamento, acredita-se que o comportamento é preestabelecido por fatores hereditários, psíquicos. Desta forma, os contextos social, cultural e político não são considerados no processo de formação do indivíduo.

Contrariando a lógica “medicalizante” Piaget, (1964) afirma que a construção do conhecimento é um processo mútuo entre o sujeito e o meio que o cerca. Sobre isso, Piaget (1964) afirma que

Na sua origem, o conhecimento não está nos objetos do mundo, quaisquer que sejam eles, nem aparece pronto quando a criança nasce; o conhecimento é construído no decorrer das trocas entre ambos, estando sempre vinculado às ações. Para conhecer a sua realidade, a criança precisa atuar concretamente sobre os objetos que a rodeia a fim de poder assimilá-los à sua organização intelectual. Isto é, o meio exterior também age sobre o sujeito. As construções cognitivas se efetivam, portanto, no decorrer das interações (PIAGET, 1964, p. 22).

Assim, é preciso que a escola compreenda seus alunos como sujeitos do meio, e que a construção do conhecimento se pauta na interação entre as ações pedagógicas e a realidade de cada um.

Os professores foram questionados ainda sobre o desempenho e comportamento dos alunos dentro do espaço escolar. O professor João afirmou que atende apenas um aluno que já foi diagnosticado por profissionais de saúde como Autista, Hiperativo e tem dislexia. O Professor João afirmou ainda que

O aluno é muito dócil, apesar de suas limitações. Seu maior problema na escola é com relação à socialização com outros alunos. Ele não gosta de aulas diferenciadas, ele gosta de seguir sempre a mesma rotina. Quando se faz aulas diferenciadas ou quando há algum evento na escola que sai um pouco da rotina, ele não gosta, reclama.

O professor afirmou que sua maior dificuldade no atendimento com seu aluno está na sua falta de interação e socialização com as outras pessoas. Sobre isso Piaget (1964):

Em sociedade, vida é convivência, e viver com outrem implica respeito entre autonomias distintas, condição indispensável para o fortalecimento de justiça, direitos e liberdades fundamentais e, por extensão, empobrecimento de circunstâncias caracterizadas por atitudes submissas e conformistas. E é nessa direção que a questão do desenvolvimento do raciocínio se coloca. ( PIAGET, 1964, p.61).

Percebe-se que é preciso compreender as razões de cada um sobre as normas de convívio para que haja respeito mútuo entre professor e aluno.

Em seguida, o Professor Pedro afirmou que atende apenas um aluno, que também já foi diagnosticado como autista e hiperativo. O professor afirmou ainda que O aluno é agitado, às vezes apático, não gosta de interagir com outras crianças. Ele gosta de chegar à escola e seguir sempre a mesma rotina, quando muda um pouco, ele passa a manhã inteira reclamando e repetindo sempre a mesma conversa.

O Professor Pedro afirmou ainda que quando a criança iniciou o tratamento com medicação, seu comportamento ficou muito instável e o mesmo ficou muito agressivo e agitado. Nesse caso, o professor informou que repassou essa observação para a coordenação da escola, onde os pais foram chamados à escola e informados sobre a mudança de comportamento do filho. Na ocasião, os pais foram orientados a retornarem aos profissionais de saúde para reverem a medicação.

Ribeiro (2014) afirma que os padrões de comportamento são construídos considerando as concepções de normalidades, desta forma, qualquer comportamento que não condiz com as concepções de normalidade são considerados como patológicos. Assim, padronizar e classificar os comportamentos sob a ótica medicalizante é distinguir o que é normal e o que é patológico.

O Professor Dantas afirmou que atende dois alunos com dificuldades de aprendizagem e que os mesmos também fazem uso de medicamentos por serem hiperativos. Sobre o comportamento desses alunos, o professor informou que os mesmos são muito inquietos e agitados. Apresentam muita dificuldade de concentração e por esse motivo não conseguem realizar as atividades propostas.

O professor Roberto disse que os dois alunos atendidos por ele são portadores de Autismo e Hiperativismo respectivamente, e que o autista é muito retraído e o hiperativo é muito agitado, e que ambos fazem uso de medicamentos.

A professora Ana atende dois alunos com necessidades especiais, sendo um no período matutino e outro no período vespertino. A professora informou que o aluno do período matutino apresenta problemas na coordenação motora e faz uso de medicamento controlado. Descreve o aluno como tranquilo. O aluno do período vespertino apresenta problemas de visão e audição, não faz uso de medicação. A professora disse que o aluno é agitado.

Os alunos atendidos pela professora Ana apresentam problemas clínicos e que isso interfere na aprendizagem dos mesmos. Nesse aspecto, não se trata de um processo medicalizante, uma vez que a principal característica da medicalização é transformar questões normais da vida em questões médicas.

Sobre isso Ribeiro (2014) diz que

Essa epidemia é uma ameaça à saúde e tem duas fontes distintas. Uma delas é a “medicalização” da vida cotidiana. A maioria de nós passa por sensações físicas ou psicológicas desagradáveis que, no passado, eram consideradas como parte da vida. No entanto, hoje tais sensações são consideradas, cada vez mais, como sintomas de doenças. Eventos como insônia, tristeza, inquietação de pernas e diminuição de apetite sexual, hoje, se transformam em diagnósticos: distúrbio do sono, depressão, síndrome de pernas inquietas e disfunção sexual (RIBEIRO, 2014, p. 16).

A medicalização torna as pessoas estranhas a si mesmas, de forma que, situações normais da vida são diagnosticadas como patológicas, estimulando assim o uso de medicamentos para inibir questões que são humanas.

Em seguida os professores foram questionados sobre a medicalização e a opinião dos mesmos quanto ao uso de medicamentos por crianças que apresentam dificuldades de aprendizagem. O professor João afirmou que

Considero a medicalização muito importante no processo de escolarização desses alunos com dificuldades de aprendizagem porque geralmente essa dificuldade é decorrente de algum tipo de transtorno. Então quando a criança inicia o tratamento, eu observo que ela melhora o comportamento, a concentração e consegue se desenvolver um pouco mais.

O professor afirmou ainda que percebe quando seu aluno não toma o medicamento, pois naquele dia, ele fica muito inquieto e não consegue resolver nenhuma atividade proposta.

O Professor Pedro afirmou que considera a medicação importante, mas é preciso um diagnóstico muito bem elaborado por parte da escola antes de encaminhar alunos com dificuldade de aprendizagem para profissionais de saúde, pois muitas vezes o problema da criança é apenas pedagógico. Sobre isso, o Professor Pedro afirmou que É preciso muita cautela no momento do diagnóstico, pois a maioria dos alunos com dificuldade de aprendizagem não apresenta algum distúrbio, são problemas pedagógicos. Considero o uso de medicamentos importante nos casos em que a criança realmente necessita, quando apresenta algum transtorno que atrapalha o seu desempenho.

O Professor Dantas afirmou que considera importante a medicação, pois é uma oportunidade para que o aluno seja avaliado também por profissionais de saúde, assim, quando as crianças que apresentam distúrbios iniciam o tratamento com uso de medicamentos, elas ficam mais calmas, mais concentradas e se tornam mais sociáveis.

O professor Roberto informou que considera a medicação importante, pois somente quando os alunos com dificuldade de aprendizagem são submetidos a tratamentos e fazem uso de medicamentos, é que conseguem se desenvolver um pouco mais, pois conseguem ficar mais concentrados.

Percebe-se nas falas dos professores entrevistados, que para alguns a medicalização é vista como algo positivo no contexto escolar, mesmo induzindo o uso de medicamentos. No entanto, há professores que são desfavoráveis ao processo de medicalização e tentam resolver os problemas de aprendizagem pela via pedagógica, pois consideram que grande parte dos problemas de aprendizagem é causada por questões decorrentes do próprio processo de escolarização do aluno, bem como falta de participação familiar, entre outros problemas sociais.

Desta forma, pode-se compreender que a aprendizagem deve decorrer de ações pedagógicas, e que a medicação é apenas um mecanismo de controle do comportamento. Assim, é função da escola, criar diferentes estratégias de ensino para alunos com diferentes ritmos de aprendizagem. Mas para isso, a escola necessita conhecer e compreender a realidade de seus alunos, o meio social ao qual estão inseridos, uma vez que os fatores sociais influenciam no processo de aprendizagem e desenvolvimento dos mesmos.

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