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DIFICULDADES E DESAFIOS DO ENSINO DA CONTABILIDADE SOCIAL E AMBIENTAL NOS CURSOS DE CIÊNCIAS CONTÁBEIS

PROGRAMAS DE ENSINO

2.4 DIFICULDADES E DESAFIOS DO ENSINO DA CONTABILIDADE SOCIAL E AMBIENTAL NOS CURSOS DE CIÊNCIAS CONTÁBEIS

Apesar dos argumentos e evidências apresentados pelos pesquisadores acerca da inserção das questões socioambientais nos cursos de ciências contábeis, ainda existe uma série de dificuldades e desafios para que tal inclusão seja efetivada. Owen e outros (1994) e Humphrey e outros (1996) afirmam que no Reino Unido a contabilidade social e ambiental ainda é vista como uma oposição à contabilidade convencional que tem sido utilizada pela maioria das empresas.

Ademais, o ensino desse componente é ministrado, quase que exclusivamente, por professores que são pesquisadores nesta área e conseguem visualizar os benefícios da incorporação destes conteúdos na educação contábil dos alunos. Estes autores acrescentam que todos os professores que se envolveram com o ensino deste componente curricular foram unânimes com relação à percepção do seu valor pedagógico para os discentes. Owen e outros

(1994) também identificaram que em algumas universidades havia uma resistência institucional para o ensino da contabilidade ambiental.

De acordo com Sibbel (2009) outra dificuldade na inserção dos conteúdos ambientais, refere- se, por exemplo, ao mal-entendido e ambivalência dos conceitos como o da sustentabilidade, uma vez que a compreensão dos conceitos relacionados ao meio ambiente requer uma abordagem interdisciplinar. Neste caso, seria requerido dos professores um conhecimento razoável advindos da economia, administração, estatística, ética, filosofia, entre outros, além daqueles específicos de contabilidade. Tal pensamento é corroborado com o estudo de Probert (2002) que discute sobre a prática da gestão ambiental como uma atividade interdisciplinar, necessitando, deste modo, que tal componente fosse também ministrado sob tal perspectiva.

O estudo realizado na Austrália por Holdsworth e outros (2008) elencou três dificuldades encontradas para a incorporação das questões ambientais no ensino superior em contabilidade. A primeira delas refere-se à falta de programas específicos para direcionarem a implementação do componente curricular contabilidade social e ambiental, bem como a falta de recursos para subsidiar tal inclusão. A segunda revelou que havia uma resistência acadêmica tanto entre os docentes quanto entre os discentes e, por fim, ficou constatado que apenas um pequeno número de professores possuía qualificação para ministrar este componente. Deste modo, verifica-se a necessidade da ampliação de pesquisas e estudos em programas em nível de mestrado e doutorado com o objetivo de discutir caminhos alternativos para que tais dificuldades sejam superadas e, ainda, tornar mais aprofundada a discussão sobre esta temática.

A pesquisa de Mathews (2000) identificou que há pouco interesse dos profissionais da área contábil em desenvolver estrutura conceitual e padrões para relatórios contábeis não tradicionais. Como consequência os profissionais de contabilidade não encorajam as universidades a incorporar a questão ambiental nos cursos de graduação, que tratam o assunto de forma periférica (GRAY, et al., 1996). É válido ressaltar que o cenário da contabilidade tem se alterado significativamente nos últimos anos, principalmente na discussão da prevalência da essência sobre a forma. Tal modificação reafirma a necessidade da revisão dos conceitos, princípios e normas que balizam a atuação da prática contábil. Assim sendo, a discussão sobre a inserção dos aspectos socioambientais nos cursos de Ciências Contábeis representa uma oportunidade para a construção e consolidação de uma realidade melhor adaptada às demandas do mundo do trabalho.

A pesquisa realizada por Rahim e Rahim (2010) discute que apesar de muitas universidades já terem começado a perceber a relevância do ensino da contabilidade social e ambiental, existem duas causas que dificultam a sua incorporação no curso. Segundo os autores, um dos motivos decorre da falta de compreensão completa acerca dos impactos sociais e ambientais. Além disso, existe uma carência de ferramentas e procedimentos para a aplicação real da contabilidade ambiental. Parte desta carência, de acordo com os autores, é atribuída à ausência de políticas públicas bem definidas, leis, normas, além da falta de apoio de organismos profissionais, entidades sociais, entre outros.

Stevenson (2002) indicou que os educadores não se sentem a vontade para ensinar a contabilidade social e ambiental devido à falta de sensibilização dos alunos para as questões ambientais. Este é um fator preocupante, pois se atribui a contabilidade ambiental, quase que exclusivamente, a responsabilidade de sensibilizar e conscientizar os alunos com relação às questões ambientais.

Por isso na opinião de Sibbel (2009) em contraposição a ideia de Grinnel e Hunt (2000) o grande desafio para a inserção desta disciplina implica no redimensionamento do currículo de ciências contábeis. Para Sibbel (2009) não seria suficiente a oferta de cursos de contabilidade e meio ambiente integrados aos cursos de graduação, uma vez que a abordagem na discussão dos aspectos desta natureza deva ser tratada de forma interdisciplinar durante todo o curso de ciências contábeis. Tal alteração implica numa mudança completa da política para o ensino superior e práticas docentes.

No Brasil, a pesquisa realizada por Calixto (2006) com os coordenadores dos Cursos de Ciências Contábeis indicou algumas dificuldades para a inclusão da disciplina contabilidade social ambiental na matriz curricular:

• A necessidade de atender a uma série de temas emergentes relevantes para a formação do contador;

• Alguns conteúdos são oferecidos em outra disciplina como: tópicos avançados em contabilidade, tópicos especiais e responsabilidade social;

• Há pouca referência sobre o assunto;

• Poucos profissionais estão habilitados a lecionar a disciplina.

Uma contribuição significativa com relação à inserção da contabilidade social e ambiental é feita por Gomes e outros (2010) em sua proposição da incorporação destes conteúdos em um componente curricular sob a denominação de Controladoria Ambiental. Em um primeiro

momento, a primeira discussão aponta para a necessidade de oferta dessa disciplina de forma obrigatória, uma vez que existe a compreensão da contribuição desses conteúdos tornar-se-ão diferencial no processo educacional dos discentes do curso de Ciências Contábeis. Deste modo, de acordo com Gomes e outros (2010, p. 9) o ensino da controladoria ambiental contribuirá para que :

Os profissionais de contabilidade tenham uma forma mais adequada com o contexto socioeconômico brasileiro e, assim, atenda a demanda do mercado por profissionais conscientes de suas responsabilidades ambientais [...] é necessário a construção de um framework para o ensino das questões socioambientais de forma holística e interdisciplinar, onde o produto da relação didático-pedagógica seja de autonomia cognitiva, liberdade de pensamento, criatividade e postura crítica-reflexiva. O espaço para sustentação dessa discussão deve ser de forma contextualizada com as práticas e experiências vivenciadas pelos alunos.

A proposta de nominar a disciplina, conforme Gomes e outros (2010), de Controladoria Ambiental justifica-se pela própria natureza interdisciplinar da controladoria, que tem como base de sustentação a contabilidade para a geração de informações úteis para o processo decisório, bem como o objetivo de participar do processo de planejamento de estratégia da empresa. Neste sentido, tal encaminhamento contribui para superar as dificuldades apontadas por Sibbel (2009) uma vez que o caráter interdisciplinar para o ensino de conteúdos socioambientais integrados à contabilidade apresenta-se como condição sine qua non neste processo. Ademais, a Controladoria Ambiental contribui para a integração das duas vertentes da contabilidade (FIGURA 1), financeira e gerencial, que normalmente são ensinadas de forma fragmentada e disciplinar (GOMES et al., 2010).

Figura 1 – Controladoria ambiental: integrando a contabilidade financeira e gerencial

Fonte: GOMES e outros, 2010

De acordo com Gomes e outros (2010) para cumprir o objetivo de atender as necessidades informacionais dos usuários internos e externos, a Controladoria Ambiental deve

instrumentalizar os discentes com a discussão dos conteúdos de forma interdisciplinar. Neste sentido, de acordo com os autores, a sugestão da ementa deste componente carece ser formada da seguinte maneira:

Sustentabilidade. Sistema de gestão Ambiental. Instrumentos de mensuração de custos ambientais (avaliação de ciclo de vida do produto; análise de custo-benefício; custeio baseado em atividade; custos das externalidades). Logística Reversa. Medição e avaliação do desempenho ambiental. Reconhecimento, mensuração e divulgação das atividades socioambientais. Relatórios de Sustentabilidade. (GOMES et al., 2010, p. 9).

Esta ementa aponta para a necessidade da integração de conteúdos de outros componentes curriculares tais como Teoria da Contabilidade, Teorias Econômicas, Sistemas de Informação Contábil e Organizacionais, Matemática, Métodos Quantitativos, Contabilidade e Análise de Custos, Ética e Filosofia, entre outros. Nesse sentido, uma proposição para realização de projetos sobre a temática social e ambiental na perspectiva interdisciplinar indicada por Gomes e outros (2010) pode ser visualizado no Quadro 2, a seguir:

Quadro 2 - Proposta de projeto interdisciplinar em controladoria ambiental

Tema do Projeto Disciplinas Relacionadas Conteúdos Sugeridos para Discussão

Controladoria Ambiental Externalidades Negativas, Avaliação dos impactos ambientais e relatórios gerenciais e de sustentabilidade.

Teoria da Contabilidade Normas e práticas contábeis relacionadas ao meio ambiente; mensuração dos elementos do patrimônio e teoria de evidenciação dos impactos ambientais.

Contabilidade de Custos Identificação do Método de Custeio para tratamento do resíduo Industrial.

Contabilidade Governamental

Identificação das despesas de custeio para recuperar a qualidade dos ribeirinhos e ou dos que são afetados pelos resíduos industriais.

Ética Geral e Profissional Responsabilidade social do profissional de contabilidade; missão, valores e princípios socioambientais da empresa.

Contabilidade Tributária Legislações ambientais e contabilização de impostos e multas. Degradação do meio ambiente gerada pela indústria Y de cosméticos na cidade X.

Auditoria Parecer sobre as Demonstrações Contábeis quanto à degradação do meio ambiente gerado pelo não tratamento dos resíduos industriais.

Fonte: GOMES e outros, 2010

Reafirmando o pensamento de Gray e Collison (2002), Gomes e outros (2010) aponta para o tratamento das questões ambientais numa abordagem interdisciplinar, integrando diversas disciplinas nessa discussão. Ademais, essa maneira integrada contribui para a formação

diferenciada dos discentes a fim de atender as recentes demandas socioambientais que as empresas têm enfrentado.

Para melhor compreender as perspectivas utilizadas sobre a inserção das questões socioambientais nos cursos de Ciências Contábeis, faz-se necessário realizar uma breve incursão sobre a concepção paradigmática na ótica de Kuhn (1978), indicando que as ciências se desenvolvem numa abordagem sócio-construtivista. Esta concepção estabelece uma nova forma de visualizar o desenvolvimento do conhecimento científico por meio do estabelecimento de paradigmas. O entendimento do desenvolvimento das ciências por esta abordagem é bastante pertinente para verificar-se a necessidade da implementação de mudanças no cenário da educação superior, pois os paradigmas não estão acima dos fatos sociais, mas contrariamente, os fatos sociais é que evocam o surgimento de novos paradigmas.

Neste sentido, percebe-se na concepção das matrizes curriculares dos cursos de Ciências Contábeis a influência dos paradigmas cartesiano/mecanicista numa perspectiva de formação disciplinar. Na opinião de Leme (2003) o entendimento de um mundo a partir de visão especializada e fragmentada influenciou na separação do conhecimento em áreas constituindo indicando a necessidade da divisão da realidade para sua compreensão. Ainda de acordo com a autora as interpretações para os problemas passaram a ser reducionistas e dualistas do tipo problema/solução, causa/efeito, certo/errado. No entanto, esta abordagem não consegue mais explicar os fenômenos da realidade diante de inúmeras variáveis a serem inseridas na busca de soluções e alternativas a um dado problema.

Assim, por outro lado, em função das mudanças ocorridas no cenário nas últimas décadas de forma mais intensa no que diz respeito às questões socioambientais tem-se o paradigma integrado, também denominado de sistêmico, holístico, complexo. A discussão desta pesquisa está assentada neste paradigma no que diz respeito ao tratamento interdisciplinar dos aspectos sociais e ambientais e o ensino da contabilidade. Leme (2003, p. 43) afirma que “a questão ambiental pode referendar este movimento [ambientalista] como grande potencial para transformação da realidade atual.

Quadro 3 - Paradigma mecanicista x sistêmico

Paradigma Mecanicista Paradigma Sistêmico

Relação todo/parte

O “todo” é a soma das “partes”, portanto fragmentar e conhecer cada parte representa o caminho para conhecer o todo.

O “todo” é mais que a soma das “partes”, pois na interação entre as “partes”, emergem propriedades que não constituem nenhuma das “partes” e passar a determinar o “todo”. Portanto, o caminho para conhecer o “todo” é compreender como ocorrem as relações entre as “partes”, da “parte” com o “todo” e do “todo com a parte”.

Conhecimento Dividido em áreas / disciplinas. Quanto mais específico melhor.

Busca a compreensão do contexto, as áreas específicas ajudam nisso, porém não dão conta de explicar toda a realidade.

Relação Observador/Objeto

Observador está separado daquilo que observa. O conhecimento produzido através da objetividade é tido como uma verdade irrefutável.

Observador interage com o objeto e modifica. A objetividade é relativa, passa necessariamente pelo filtro do observador.

Natureza x Ser Humano

A natureza é como uma máquina regida por leis exatas. O ser humano está separado do mundo atual, sente-se superior e procura dominá-lo.

Ser humano faz parte da natureza, precisa estabelecer uma relação de compreensão e respeito dos seus limites, caso contrário coloca em risco a própria espécie. Ser humano é um ser biológico e um ser social, portanto envolve interesses variados e conflitantes.

Problemas

Requer soluções técnicas. Basta substituir o elemento problemático que se encontra a solução. A dualidade são comuns, do tipo: problema/solução, causa/efeito, objetivo/subjetivo, o bem/o mal, o certo/o errado.

Envolve vários aspectos, entre eles a questão técnica, ética e política, os elementos estão interligados, interferir em um deles significa interferir no sistema.

Palavras-Chave

Uniformidade, fragmentação, divisão, competição, relação de submissão.

Diversidade, integração, união, cooperação, relação de autonomia.

Educação

Tecnicista: sujeitos devem se adaptar à sociedade e ao mercado de trabalho.

Para a complexidade : tendências dentre deste grupo, em geral, vem acompanhada de adjetivos educação ambiental, educação para a paz, educação para os direitos humanos, educação política, educação para a saúde. Enfim, relacionada com os problemas da atualidade, que são complexos e multifacetados.

Fonte: LEME, 2003

É diante deste cenário que se entende a necessidade de uma reavaliação das matrizes curriculares dos cursos de Ciências contábeis com relação à inclusão das questões socioambientais de forma integrada com o ensino da contabilidade. As distintas proposições paradigmáticas apresentadas ratificam o lugar das questões socioambientais em uma nova perspectiva do ensino da contabilidade. Por meio desta, pode-se construir um perfil

profissional inovador, a partir da adição de posturas que reflitam uma prática educadora integrada e contextualizada com o ambiente na qual se insere. De acordo com as propostas educativas tributárias do paradigma sistêmico é possível não apenas vislumbrar o conhecimento das questões ambientais como um processo complexo por apresentar diversos fatores intervenientes, mas possibilitar a intervenção embasada por este conhecimento.

Segundo Freire (1996), a interação dialética entre educação e sociedade evidencia que ao mesmo tempo em que a educação reflete os paradigmas sobre os quais está assentada a sociedade e seus modos de produção, também por meio da educação podem-se operar transformações nas formas de conceber o real e guiar as ações dos sujeitos. Daí a discussão sobre a inclusão das questões ambientais no ensino de contabilidade torna-se um imperativo contemporâneo, como forma de aprimoramento dos mecanismos de gestão, uma vez que estes devem acompanhar as transformações sociais, buscando integração e engendrando meios de intervenção que possam convertê-las em benesses sociais.