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3 O ALCANCE DA RESPONSABILIDADE CIVIL FACE AOS RISCOS DAS

3.4 DIFICULDADES DO NEXO CAUSAL NA RESPONSABILIDADE CIVIL

Quando tratamos da responsabilidade civil ambiental parece coerente pensar somente no dano ao meio ambiente, requisito essencial para a configuração da reparação civil que, sem ele, não há o dever de reparar, sendo um tema amplamente debatido e discutido no campo do Direito e com vasta bibliografia. Todavia, para o presente trabalho, buscamos os 291 MONTENEGRO, Magda. Meio Ambiente e responsabilidade civil. São Paulo: IOB Thomson, 2005, p.50. 292 Ibid., p. 51.

conhecimentos já expostos pelos doutrinadores exigindo uma resposta do Direito quando tratamos da nanotecnologia que, atualmente, não dispõe de previsão legal quando da sua ocorrência e a sua alta potencialidade de dano à(s) vítima(s) devido à exposição dos produtos nanos a que são expostas as pessoas e o meio ambiente.

Importante esclarecer que o meio ambiente não são somente elementos naturais. Há, também, os elementos da biosfera,293 conforme a própria Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, nº 6.938 de 1981, em seu art. 3º, V,294 que protege todos os organismos vivos e seus habitats. A responsabilidade civil ambiental não está pautada somente ao dano ambiental e na previsão legal, mas também na atividade de risco, entendida como como atividade que implica riscos para a saúde ou para o meio ambiente. A teoria do risco preceitua que “todo o prejuízo deve ser atribuído ao seu autor e reparador por quem o causou independentemente de ter ou não agido com culpa.”295

Um dos preceitos da teoria do risco é o de adotar cuidados de prevenção ambiental acima da média quando comparadas às demais atividades, ou seja, a ideia central é que, havendo a simples existência de risco de uma atividade, deve-se substituir a investigação da conduta comissiva ou omissiva pelo nexo causal ao evento danoso, fundamentando a responsabilidade civil. Staigleder296 compartilha dessa ideia quando impõe ao “empreendedor a obrigação de prevenir tais riscos (princípio da prevenção) e de internalizá-los em seu processo produtivo (princípio do poluidor pagador).”

No entanto, a atividade de risco apontada na legislação não traz uma definição clara do que pode ser enquadrado como risco, o que também ocorre no poder público nas atividades potenciais ao risco ambiental. Há, portanto, uma abertura para a interpretação do julgador, que analisará o caso, levando em conta a dimensão do dano e o nexo causal, que permanecem como elemento principal para a configuração da reparação.

Bobbio,297 ao mencionar o meio ambiente como um dos novos direitos “o mais importante dele é o reivindicado pelos movimentos ecológicos: o direito de viver em um ambiente não poluído.” A estrutura atual da responsabilidade civil não tem condições

293 Incluem os naturais e os artificiais, mas com exceção do homem. Os habitats dos demais são, via de regra,

naturais, ainda que tenham sofrido a intervenção antrópica.

294 Art 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: I - ...; V - recursos ambientais: a atmosfera, as águas

interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora. (Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6938.htm. Acesso em: 10 jul. 2019).

295 FERRAZ, Sérgio. Responsabilidade civil pelo dano ecológico. Revista da Consultoria Geral do Estado do Rio Grande do Sul, Instituto de Informática Jurídica, Porto Alegre, v. 1. n. 1. dez. 1971.

296 STAIGLEDER, Annelise Monteiro. Responsabilidade civil ambiental: as dimensões do dano ambiental no

Direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 196.

adequadas para proporcionar a reparação ambiental. As bases da reponsabilidade civil residem no fato de estar fundada sobre alicerces meramente individualistas e, em tais circunstâncias, não enfrentam os problemas de maneira globalizada, limitando-se a percebê- los pontualmente e de forma fragmentada, uma vez que está fundada somente na culpa ou não. A responsabilidade civil não ultrapassa limites da existência do autor ou do réu no processo, ainda que possam ser plurais.298

Pelo desconhecimento das consequências da nanotecnologia no meio ambiente, bem como a inexistência de lei específica, que não deve servir de justificativa ao desamparo da vítima, deverá o Direito buscar mecanismos para evitar consequências indesejadas.299 Os principais problemas detectados estão na comprovação do dano ambiental e na configuração do nexo causal. Não é tarefa fácil, em matéria ambiental, a determinação segura do nexo causal, já que os fatos da poluição e sua complexidade estão, muitas vezes, camuflados pela multiplicidade de causas, das fontes e de comportamentos, seja por uma consumação imediata ou tardia, seja pela dificuldades técnicas e financeiras para aferição.300

Logo, tem-se que a análise causal passa a ser mais complexa e tormentosa no âmbito da responsabilidade civil ambiental. Benjamin301 destaca que o problema da causalidade em matéria ambiental está no império da dispersão do nexo causal ou do fenômeno da causalidade complexa, simultâneas ou sucessivas, prolongadas no tempo que podem ser atribuídas a possibilidades multiplicadas de fontes de comportamentos.

Segundo Rodrigues,302 o problema da causalidade acontece sob aspectos abstrato e concreto. O aspecto abstrato trata de identificar o nexo de causalidade diante de concausas. Já o aspecto concreto busca a comprovação nos mundos dos fatos de que o nexo realmente existe. Vale esclarecer a necessidade de uma reestruturação da responsabilidade civil ambiental buscando especificar as questões ambientais, com mecanismos que possam relativizar a carga complexa do nexo causal devido aos processos produtivos massificados e globalizados, contextualizada pela redimensão do Direito na lógica da sociedade de risco.

A nanotecnologia impôs a busca de uma nova redefinição da noção de responsabilidade civil em conjunto com a evolução da sociedade. A responsabilidade civil

298 ANTUNES, Paulo Bessa. Dano Ambiental: uma abordagem conceitual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002,

p. 277.

299 BORJES, Isabel Cristina Porto; GOMES Taís Ferraz; ENGELMANN, Wilson. Responsabilidade civil e nanotecnologias. São Paulo: Atlas, 2014, p. 76-78.

300 MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 4. ed. São Paulo: RT, 2005, p. 833. 301 BENJAMIN, Antônio Herman V. Responsabilidade civil pelo dano ambiental. Revista de Direito Ambiental, São Paulo: RT, v. 3, n. 9, p. 5-52, jan./fev. 1998, p. 44.

ambiental surge, nesse contexto, com o desafio de adequar seus pressupostos face ao surgimento de novas tecnologias e à realidade do ordenamento jurídico brasileiro.