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Dificuldades e desafios: que conclusões tiram os diretores?

Gráfico 03 Expansão de matrículas em Taguatinga

3. Dificuldades e desafios: que conclusões tiram os diretores?

Todos os onze diretores entrevistados foram ainda questionados se retornariam ou continuariam na direção e o que avaliavam serem as dificuldades de se trabalhar como dirigentes de escolas públicas no Distrito Federal.

Dentre os onze entrevistados, apenas dois afirmaram categoricamente que retornariam ao cargo de diretor. Dos nove diretores restantes, três inicialmente se pronunciaram contrários a um possível retorno à direção, apresentando ressentimentos tanto com relação à responsabilização por situações e pelo patrimônio escolares às quais foram submetidos, quanto ao tempo de dedicação exigido pelo cargo. Todavia, estes mesmos diretores também admitiram sentir satisfação pessoal pelo trabalho desenvolvido e por seu crescimento e aprendizagem enquanto no cargo, o que os motivaria a reassumir a direção em determinadas circunstâncias. No entanto, seis diretores, a maioria dos entrevistados, declarou não possuir nenhum desejo de retornar ao cargo.

Este posicionamento da maioria dos diretores, de preferência por não mais estarem à frente de uma direção de escola, apresenta-se como reflexo direto dos problemas por eles enfrentados ao longo de seu trabalho e que eles, diretores de 1995 a 2010 – dentre os quais a experiência de dois remonta inclusive a 1985 –, ainda identificam no espaço escolar. Assim, os problemas apresentados foram agrupados em quatro dificuldades, que são apresentadas a seguir.

A primeira delas é compreendida como a falta de autonomia do diretor, seja por sua subordinação em um sistema hierarquizado, seja pelo fato de que não pode efetivamente incidir sobre as decisões relativas ao uso das verbas, seja por não poder definir a equipe diretiva e o corpo docente da escola, o que demanda várias e constantes negociações com estes sujeitos da escola por parte da direção. Neste sentido, sere de exemplo a fala do Diretor 7, ao declarar que o gestor deve “correr atrás” com a participação da comunidade, sugerindo ainda que naturalizou a responsabilização do gestor pelo gerenciamento da escola e a apresentação de resultados característicos do modelo neoliberal em vigor.

O diretor de escola, hoje em dia, ele não manda em nada e responde por tudo. Responde por absolutamente tudo sem mandar em nada. Ele não tem poder de decisão de nada e responde por tudo. E quando eu digo que não tem poder de decisão de nada eu quero dizer o seguinte, que nem uma construção coletiva para ele conversar com os colegas não ocorre mais. Então ele é um mero cumpridor de ordens. […] Da forma que está aí eu jamais queria ser diretor de escola. [...] Qual é o papel desse cidadão? Dizer que é o diretor da escola? Responder pelo patrimônio da escola? Responder algum pai, se algum aluno....? Qual é o papel dele? Cumprir ordem? (Diretor 2)

Uma das dificuldades é a falta de autonomia mesmo. […] Você tem uma autonomia meio... não uma autonomia total, na totalidade. Tem coisas que você sabe como fazer, você sabe como resolver, mas você fica preso à lei mesmo. Então que acho que tem muita burocracia ainda. E a educação ela emperra muito. E outra coisa também é a falta de material. […] Material didático, didático-pedagógico. Então é uma dificuldade que você encontra muito. A questão da verba, ela agora é descentralizada, mas ela é muito difícil de chegar na escola. […] E quando chega

nas escolas, a escola já está caminhando, mas assim, capengando, porque é muito difícil. [...] É a falta de autonomia, precisa ter uma autonomia maior. [...] é uma faca de dois gumes, é até meio, meio complicado você falar sobre isso. Eu senti isso na pele, a falta de autonomia, por exemplo para você poder chegar e ver que o professor está precisando de alguma coisa e você ter acesso ao dinheiro para você poder resolver esse problema. […] Como é que você vai ficar? Como é que você vai fazer? Você tem que correr atrás. Porque o gestor ele não é... ele não vai só gerir uma escola só esperando só de braços cruzados as coisas acontecerem. Ele tem que ir buscar, ele tem que ir atrás. Para isso, para você fazer uma boa gestão você tem que ter a comunidade participando, a comunidade dentro da escola. E uma harmonia, um diálogo aberto e claro com os professores. Com toda a comunidade escolar. […] O diretor precisa ter apoio da Regional, a Regional precisa ter apoio da Secretaria de Educação e assim vai. Porque se você não tiver essa harmonia, se não houver essa harmonia, o diretor não consegue trabalhar. Se não tiver uma harmonia com a Regional de Ensino, com a Secretaria, isso vai repercutir lá na sala de aula. Então é como se fosse um efeito dominó. (Diretor 7)

[…] não há autonomia necessária para gerenciar a escola. [...] Pelo próprio sistema. […] nós estamos subordinados a uma Regional, nós estamos subordinados à própria Secretaria. Não estou dizendo que seja errado, isso está correto. […] Então isso dificulta um pouco. Mas sabendo trabalhar, você pode superar essas dificuldades. (Diretor 8)

Não sou eu que escolho as pessoas que vão trabalhar na minha escola, porque se eu pudesse escolher seria acho que uma coisa totalmente diferente. Então eu não ter essa autonomia já é uma dificuldade para a gente. Porque se eu chegar e chamar a atenção de professor ele fala para mim que não sou eu que pago o salário dele, que ele não deve satisfação do trabalho dele para mim. [...] Então eu posso te dizer que eu tenho mais problemas hoje em dia com o professor. Porque com aluno a gente, em sala de aula, eu como professora de sala de aula, você tem responsabilidade com os seus alunos só, praticamente. E como direção os professores acham que eu estou fora da sala de aula eu não sei o que que eles estão passando lá. [...] Porque por falta dessa autonomia. Porque às vezes eu tenho um problema com um professor e não existe esse negócio de: “ah, devolve o professor”, porque existe toda uma burocracia, um processo, passa por sindicato, essas coisas todas. Então a gente tem que conseguir as coisas mais ou menos na base da conversa mesmo, relevar muitas coisas. (Diretor 12)

Aliado ao aspecto da falta de autonomia identificou-se como empecilho à atuação da direção a intensificação do trabalho tanto de diretores quanto de professores. Dentro deste item foram enumerados; i) o pequeno valor da gratificação aos diretores diante de sua possível responsabilização por ocorrências e pelo patrimônio escolar; ii) as demandas administrativas agravadas pelo tamanho reduzido das equipes de administração e que se estendem inclusive à realização da manutenção da escola pelos próprios diretores; iii) a necessidade de lidar com a própria intensificação do trabalho docente, que gera insatisfações e disturba as rotinas da escola com ausências e adoecimentos frequentes e; iv) a constante cobrança por resultados, tanto da esfera distrital quanto de outras esferas que consideram o Distrito Federal espaço de salários e condições privilegiadas para os professores, em desconsideração à realidade contraditória, desigual e multifacetada que não permite que todos os resultados sejam positivos e que todos os sujeitos sejam bem sucedidos.

Olha, como é que você pega uma escola com dois mil e tantos alunos por aí e tem um diretor, um vice e dois assistentes? Impossível. Impossível. Porque se tem

problemas disciplinares, se tem problemas administrativos, você tem que estar dando suporte para os professores o tempo todo, você tem que estar dando suporte para os funcionários, você tem que atender a Regional, participar de tudo quanto é reunião, projetos. E com duas ou três pessoas? [...] Até desentupir porta, tirar palito de fechadura, eu fazia. […] O diretor que tem que fazer tudo isso porque não adianta, por mais que tenha Caixa Escolar, por mais que tenha APAM, quem acaba administrando isso é o Diretor. Essas pessoas são eleitas pelas comunidade delas não ficam lá na na escola administrando recursos, elas ficam cuidando da vida delas. Alguns vão pontualmente na escola um dia ou outro para reuniões, mas quem administra tudo é o diretor.[...] mas a questão de pessoal em direção é sérissimo, muito sério. Não dá para trabalhar com um tiquinho de gente que tem. E outra o que se paga para diretor não estimula de jeito nenhum. […] Até as pessoas que talvez tivessem uma contribuição boa para dar, não veem um estímulo. Trabalhar só porque eu tenho amor a causa, é um negócio meio complicado. [...] você trabalha aí dois, três anos como diretor, ganha uma miséria em termos de gratificação e depois, ainda se por um acaso ele der o azar de sumir algum patrimônio, tem que pagar isso ainda […]. Então o reconhecimento em termos, por exemplo, de gratificação para diretor de escola é uma vergonha. (Diretor 1)

Olha em primeiro lugar eu acho que é o número de pessoas pra compor a equipe. Não sei... Posso falar da minha gestão. […] Eram poucas pessoas. Nós tínhamos 3 turnos: matutino, vespertino e noturno. Então a coisa é complicada. [...] Primeiro era o número de pessoas da equipe. Eu acho que isso atrapalha um pouco. A demanda administrativa ela ainda é uma coisa muito forte dentro do sistema. A gente é, hoje em dia, nós estamos enfrentando o mesmo problema. Qual é a preocupação? É ter professor em sala de aula. Agora se o pedagógico vai funcionar ou não, se você vai tirar o coordenador pra suprir uma vaga de professor... […] Mas por outro lado também o que o sistema faz pra garantir que o pedagógico funcione? (Diretor 3) Lidar com os professores. A insatisfação dos professores. Os alunos você consegue lidar muito bem. Com a comunidade. Com tudo. Agora a insatisfação é muito grande do grupo. Então existe uma resistência pra se fazer um projeto, para ampliar algum projeto já existente, para sair do PPP, porque ele é flexível e você pode sair dele. Então você sente a insatisfação do grupo. Isso é, isso é ruim. Os professores trabalham muito. Ficam muito doentes. [...] Ganham pouco na rede, trabalham em outras escolas pra poder ter um padrão de vida melhor e essa insatisfação, esse cansaço é a barreira. (Diretor 6)

Lidar com gente. Lidar com gente e quando eu digo gente, professor de um lado, que às vezes não quer muita coisa, e outro, lidar com aluno proveniente de uma família desestruturada que não quer muita coisa. Isso aí complica. (Diretor 9)

Olha, as dificuldades maiores hoje são as cobranças. Aliás, sempre foram. Porque a gente aqui em Brasília carrega um estigma de ter a educação mais cara do país. Parece que tem os melhores salários de professor, segundo os estudos, e nem sempre os resultados aqui são os melhores. Então a pressão maior para um diretor, pelo menos nos últimos anos, era em termos de resultados. [...]. E aí a gente batia em cima de um aluno sem muitas motivações. […] Então uma dificuldade grande que eu via era da gente motivar os alunos para permanecerem na escola motivados e etc. E isso reflete no professor. Que o professor ele, por mais boa vontade que ele tenha, ele quando vê o trabalho dele desvalorizado, ele vai se deixando abater. Então acho que esse ânimo aí geral de alunos, professores, essa é... Porque esse negócio de...dificuldades materiais etc, isso tudo é contornado, isso tudo é razoável. E a falta de professor, eu diria... o excesso de licenças, de problemas de saúde está associado muito à descrença que ele também passa a ter nesses alunos desinteressados. Porque a gente não pode esquecer o seguinte, que no passado, o pessoal diz que a educação era boa, principalmente o pessoal mais antigo da minha idade, mas acontece que aquilo era um funil. Para chegar ali era muito complicado. Agora hoje, quando você abre a porteira, que chega todo mundo, aí você começa a ver como manter todo mundo motivado. (Diretor 11)

Somam-se a este cenário de falta de autonomia e intensificação do trabalho, os desafios em se lidar com uma nova configuração da realidade, na qual coexistem novos sujeitos, em que a diversidade entre eles passa a ser reconhecida e permitir a emergência de exigências e conflitos, em que as relações familiares estão fundamentadas em um outro modelo que no mais das vezes não corresponde ao modelo vivenciado pelos diretores que se veem obrigados a trabalhar nesta nova conjuntura. Todavia, os diretores reconhecem que o bom desenvolvimento de seu trabalho depende de como lidam com esta nova e ainda mais diversa miríade de sujeitos, direitos e relações.

[…] então um dos problemas sérios para ser gestor hoje em dia é esse: você não tem autonomia. O aluno tem direitos demais. Você não tem. (Diretor 1)

É, na verdade, nós não temos uma escola única. Nós tínhamos 3 escolas. Cada turno é um grupo diferente. Então a gente gosta muito, eu de falar da escola, mas não existe uma escola. Existem grupos. […] Então, são várias escolas. Mesmo dentro de uma única escola existe essa diversidade, tremenda. (Diretor 3)

Hoje, por exemplo, o Estatuto da Criança e do Adolescente já é um que você não pode falar nem uma palavra mais alta com o aluno. [...] o aluno não te respeita. O pai também acha que o filho pode fazer o que quer. Então, é muito difícil. Eu sinto, assim, que naquela época, o pai ajudava a Direção, ajudava o professor, ele cobrava as atividades em casa, ele tinha aquele compromisso com o professor de dar retorno do que o professor cobrava. [...] mas eu posso dizer que 80% está muito ocupado, com o dia a dia dele, com televisão.[...] Não tem diálogo entre pai e filho, não tem diálogo com o professor... […] Agora, o diretor não conhece os seus alunos. O professor não conhece os alunos pelo nome. [...] Hoje ninguém tem interesse por ninguém. (Diretor 5)

[...] Então a gente trabalha com essas diferenças. Mas o importante não são as diferenças, é a gente fazer com que essas diferenças não deixem a escola parar e sim a escola continuar a caminhar. […] a gente tem que trazer elas e torná-las favoráveis para que a gente possa conseguir administrar essas diferenças e essas diferenças possam dar um bom resultado. (Diretor 7)

Finalmente, um diretor apontou como principal dificuldade aquilo que ele denominou descaso com a educação, que verifica tanto na falta de continuidade na ação de governos, que se sucedem à frente das instâncias de decisão, quanto no distanciamento destes espaços decisórios da realidade vivenciada pelos sujeitos em cada uma das escolas e que descamba, por fim, na culpabilização dos sujeitos da escola pelas mazelas da educação no país.

A primeira coisa é o descaso com a educação. […] Entra governo, sai governo e não se toma providências, sabe? Fica-se dentro de gabinetes, sabe, defendendo bandeiras, ou nada... posições que não vai nem se conhecer... não se vai nem ao local pra se conhecer, pra se estabelecer prioridades. Aí chega lá e diz “Pô, vamos fazer o seguinte? Quanto é que a gente tem?”, “A gente tem 'x'.”, “Então, vamos pegar esse 'x' aqui, vamos reformar essa escola.” Entendeu? Aí fica esses meninos... aí bota a culpa nos meninos... (Diretor 4)

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Portanto, neste terceiro capítulo, “Como os modelos de escolha de diretores incidem na gestão escolar?”, foram apresentados os resultados do campo empírico, observados a partir das

entrevistas semi-estruturadas e tendo como pano de fundo as continuidades e descontinuidades na política de gestão escolar do Distrito Federal detectadas no segundo capítulo. O conselho escolar e suas atribuições, a construção do projeto político pedagógico e a descentralização administrativa e financeira foram examinados dentro do contexto de cada um dos três dispositivos legislativos promulgados entre 1995 e 2010 (lei 957/95, lei 247/99 e lei 4036/07), bem como dos três modelos de escolha de diretores por eles instituídos ao longo deste período. Destarte, identificou-se como cada um dos modelos incidiu sobre a gestão escolar destas três estratégias de gestão e verificou-se movimento de reinstauração da configuração autoritária, neopatrimonial e hierárquica enraizada no contexto escolar, bem como de estabilização do modelo neoliberal para a gestão escolar em contraposição às experiências democráticas vivenciadas no Distrito Federal desde sua transferência e inauguração.

Finalmente a terceira seção deste capítulo apresentou as dificuldades identificadas pelos diretores entrevistados no desenvolvimento de seu trabalho à frente da direção de escolas públicas do Distrito Federal. Assim, estes resultados convertem-se, na conformação das contradições entre práticas tradicionalistas e práticas democráticas, em possíveis desafios cuja superação deve ser buscada na construção de processos de gestão mais efetivos e democráticos.

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