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Para Kiyoshi Harada (2005, p. 57), a principal dificuldade na concretização dessa espécie de desapropriação é o fato de que a decisão pelo pagamento da indenização respectiva está submetida à vontade de um órgão estranho ao Município, qual seja, o Senado Federal, ao qual cabe estabelecer limite global e condições para o montante de sua dívida mobiliária, de acordo com o art. 52, IX, da Constituição.

Frise-se que, como já exposto anteriormente, até 31 de dezembro de 2010, essa situação era ainda mais grave em vista da Resolução nº 78 do Senado Federal, que determinou a proibição da emissão de títulos públicos nos termos já mencionados. Tal resolução atrasou por muito tempo a aplicação do instrumento.

Ademais, desde a notificação remetida ao proprietário para que este promova o aproveitamento do bem até o fim do prazo de cinco anos de aplicação do IPTU, quando será possível efetuar a desapropriação-sanção, há um intervalo de tempo bastante considerável. Maria Sylvia Zanella de Pietro (2003, p. 155) afirma que “sem considerar os prazos para aprovação do plano diretor e da lei específica, os demais prazos previstos no Estatuto da Cidade estão a indicar que o decreto de desapropriação não poderá ser expedido antes do decurso de aproximadamente oito anos”.

Não por acaso, em pesquisa realizada no site do STF, em 27 de maio de 2011, não foi encontrado nenhum registro de acórdão que tratasse de desapropriação-sanção para fins de reforma urbana.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através do princípio da função social, consagrado na Constituição Federal de 1988, o ordenamento jurídico pátrio passou a conceder proteção ao interesse individual somente nos casos em que este for compatível com as necessidades da sociedade ou não haverá legitimidade no ato de autonomia privada.

Embora não se pretenda, com o princípio da função social, eliminar as prerrogativas relativas à titularidade do bem, ele é fundamento de limitações administrativas e até mesmo de intervenções extremas, como é o caso da desapropriação.

Segundo o art. 182 da Carta Magna, a função social da propriedade urbana será cumprida quando o bem atender às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor. O §4º do dispositivo mencionado faculta ao Poder Público Municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, determinando penas sucessivas que chegam a culminar na desapropriação-sanção, na hipótese de desídia do proprietário.

O Estatuto da Cidade foi concebido para estabelecer as diretrizes gerais da Política Urbana e promover a regulamentação dos artigos 182 e também 183 da CF. Assim, a desapropriação-sanção da propriedade urbana, proposta pela Constituição Federal no art. 182, foi regulamentada por meio do art. 8º da Lei nº 10.257/2001.

Por ser a função urbanística exercida de forma mais concreta no nível municipal, o plano diretor, consolidado pelo Estatuto da Cidade, configura o meio mais eficaz para sistematizar o desenvolvimento urbano. Seu objetivo principal é definir a função social da cidade e da propriedade urbana e garantir seu cumprimento através da utilização dos instrumentos urbanísticos.

O Estatuto da Cidade, em consonância com o texto constitucional, trouxe alguns efeitos para o não cumprimento da função social pela propriedade urbana, como o parcelamento, a edificação ou a utilização, compulsórios, e a implantação do IPTU progressivo no tempo, de caráter extrafiscal. Apenas se essas medidas administrativas não forem suficientes é que haverá a desapropriação do imóvel.

Além da desapropriação comum, caracterizada pela indenização prévia, em dinheiro, incidente sobre qualquer espécie de propriedade, a Constituição Federal de 1988 trouxe a previsão da desapropriação sancionatória, que atinge a propriedade rural ou urbana não cumpridora da sua função social, sendo que a supressão do imóvel urbano se dará pela sua inadequação ao que dispõe a legislação urbanística.

Devido ao caráter punitivo dessa espécie de desapropriação, a indenização devida pela perda compulsória do imóvel será paga em títulos da dívida pública, com prazo de resgate futuro. A sanção, portanto, é não ter direito a pagamento prévio e em dinheiro, como é garantido no procedimento relativo à desapropriação comum, que ocorre nas hipóteses de necessidade pública, utilidade pública ou interesse social.

A desapropriação-sanção é importante para a execução de políticas de desenvolvimento e ordenação urbana, além de combater a especulação imobiliária e o déficit habitacional, sendo esses os motivos pelos quais a doutrina a denomina de desapropriação urbanística ou desapropriação para fins de reforma urbana.

O Estatuto da Cidade traz que os títulos da dívida pública, os quais serão usados no pagamento da indenização, deverão ser previamente aprovados pelo Senado Federal, fato que retira do Município a discricionariedade para escolher entre a manutenção da cobrança do IPTU progressivo ou a efetivação da desapropriação-sanção.

A indenização será paga ao expropriado em prestações anuais, iguais e sucessivas, em até dez anos, assegurado o valor real da indenização e os juros legais de 6% (seis por cento) ao ano. O valor real da indenização refletirá o valor da base de cálculo do IPTU, o que pode levar ao pagamento de uma indenização não condizente com o que realmente vale o imóvel.

Não serão computados no valor da indenização as expectativas de ganhos, lucros cessantes e juros compensatórios, bem como será descontado do quantum o montante incorporado em função de obras realizadas pelo Poder Público após a notificação de que trata o § 2o do art. 5o do Estatuto da Cidade. Afora isso, os títulos da dívida pública não terão poder liberatório para pagamento de tributos.

Ocorrida a desapropriação-sanção, o Município procederá ao adequado aproveitamento do imóvel no prazo máximo de cinco anos, contado a partir da sua incorporação ao patrimônio público, nos termos do art. 8º, § 4º do Estatuto da Cidade ou o

Prefeito incorrerá em improbidade administrativa. O Estatuto da Cidade não esclareceu, todavia, se o imóvel retornaria para o expropriado por meio de retrocessão caso o Município não cumpra o prazo citado.

O aproveitamento do imóvel poderá ser efetivado pelo Poder Público ou por meio de alienação ou concessão a terceiros, observando-se, nesses casos, o devido procedimento licitatório, sendo que quem adquire o imóvel passa a ser responsável pelas obrigações de parcelamento, edificação ou utilização. A lei não fixou prazo para cumprimento das obrigações nesses casos.

Infelizmente, apesar da importância que a desapropriação-sanção tem como instrumento da Política Urbana na garantia do cumprimento da função social da propriedade urbana, verifica-se que há grande dificuldade para a sua concretização, seja porque a liberação da indenização correspondente à expropriação depende da aprovação do Senado Federal, portanto, de um órgão estranho ao Município, seja porque os prazos previstos no Estatuto da Cidade são muito favoráveis ao proprietário omisso, haja vista impedirem que o decreto de desapropriação possa ser expedido antes do decurso de, aproximadamente, oito anos, a partir do momento em que Poder Público notifica o titular do bem para aproveitá-lo de acordo com os ditames da legislação urbanística.

Além disso, a Resolução nº 78 do Senado Federal, de 1º de julho de 1998, por ter determinado a proibição da emissão de títulos públicos, salvo para refinanciamento de débito devidamente atualizado, até 31 de dezembro de 2010, atrasou por muito tempo a aplicação da desapropriação-sanção, prejudicando, assim, o combate à atividade especulativa e ao déficit habitacional, problemas que assolam as nossas cidades e que deixam evidente que o princípio da função social ainda é muito desrespeitado.

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