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3. A CAMINHADA

3.7. O DILEMA DO CRESCIMENTO

O senso de responsabilidade dos diretores da ADAO aumenta na mesma proporção do ritmo de adesões de associados consumidores. É necessário ampliar o número de produtores – “um único produtor torna o sistema muito vulnerável e suscetível a falhas, caso algum problema na sua produção ocorra” lembra um ex-diretor.

Em novembro de 1997, sete meses após sua constituição, a ADAO contava com aproximadamente oitenta consumidores associados, e ProdutorN como único sócio-produtor. Um dos sócios fundadores da ADAO se dispõe a se tornar sócio-produtor. Trata-se de ProdutorJ61. Na condição de técnico da EMATERCE (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado do Ceará), ProdutorJ acompanhou o passo-a-passo da bem sucedida empreitada de ProdutorN, participando das palestras de ConsultorR e das atividades públicas desenvolvidas pela ADAO. Diante da oportunidade de se tornar também um produtor orgânico, ProdutorJ não pensou duas vezes: abriu mão da estabilidade e dos salários de seu emprego, e se voltou totalmente à produção orgânica.

Mas seu ingresso na ADAO se dá de forma diferente daquela prevista nos critérios da Agricultura Motivada pela Comunidade. ProdutorJ não conta com recursos antecipados pelos consumidores para realizar sua conversão à agricultura orgânica. Contrai empréstimo junto ao banco e inicia sua produção, com acompanhamento técnico de ConsultorR – numa relação

60 No momento em que finalizava essa investigação, Sérgio havia adquirido terreno próprio e se arrisca como produtor orgânico, se associando à ADAO. Interessante será acompanhar sua evolução, como produtor e como associado, na perspectiva de ser apontado como um caso de ascensão social proporcionado pela ADAO, “do assalariado rural que virou produtor”.

61 A “história” de ProdutorJ só foi surgir já no final do processo de coleta de informações da dissertação. Até então, ninguém havia sequer mencionado sua passagem como produtor de importância na história da ADAO. Tentamos contatá-lo, mas não fomos bem sucedidos. As informações que apresentamos foram prestadas pela administração da ADAO.

muito mais fácil, pela formação técnica do novo produtor. “Ele vai ser o coordenador da ADAO na Serra”, declara a diretoria da ADAO, na assembléia que aprova sua admissão (23 de outubro de 1997 – Livro Ata ADAO).

Enquanto isso, ProdutorN amplia sua horta, de 1 hectare para 1,7 hectares, com o mesmo orçamento. O anúncio de tal feito, naquela mesma assembléia, entusiasma os associados consumidores, que decidem manter o valor de contribuição em R$62,00 (valor que havia sido definido para rateio entre 50 associados, e que agora somavam 80 associados).

Em assembléia realizada em 5 de março de 1998, ProdutorJ é formalmente apresentado como novo produtor da ADAO (após o período de conversão de seu sítio para a produção orgânica) juntamente com outros dois representantes de assentamentos - Assentamento Capim Grosso (no município de Caucaia) e Assentamento Novas Vidas (no município de Ocara). O primeiro seria voltado para a produção de produtos pecuários (ovos e frangos, principalmente) e o segundo para frutas e legumes (mamão, melão, berinjela, quiabo, pepino e abóbora).

Nessa assembléia, um dos associados consumidores questiona: “por que não há mais produtores? Existe preferência?”.

“Não existem preferências; apenas eles precisam preencher alguns requisitos indispensáveis para serem orgânicos”, responde a diretoria.

A experiência com os produtores dos assentamentos teve início efetivo em 1998 e foi interrompida em dezembro de 2000. Segundo MOREIRA DA SILVA (2003), no caso do Assentamento Novas Vidas, após entregarem mais de 1259 caixas de legumes e frutas (nos anos de 1999 e 2000), as 14 famílias envolvidas com a agricultura orgânica “se queixaram

das exigências feitas pela associação, tais como o que produzir, as observações técnicas do preparo do solo e as quantidades de produtos, mas não era só isso. O grande entrave estava no processo de transporte, visto que eram os produtores que tinham que garantir [arcando com os custos] a chegada do produto até a sede da associação, em Fortaleza, CE”.

(MOREIRA DA SILVA, 2003, pp. 13 e 14). Ou seja, os critérios para participação dos produtores assentados na ADAO foram distintos daqueles preconizados para os demais. Conforme revela a pesquisa Mercados urbanos de cidades rurais: ação pública, comércio, receitas e consumo em feiras livres do Jequitinhonha (RIBEIRO et. all., 2006), realizada em 5 municípios do Vale do Jequitinhonha (MG), “a principal dessas demandas é o transporte para feirantes [agricultores familiares], onde ele não existe, ou a sua melhoria, onde ele já existe.

Em alguns municípios, a ausência de sistemas públicos de transporte chega a comprometer 1/3 do valor das vendas das famílias feirantes”. Ou seja, o frete é um dos itens que mais oneram os agricultores familiares. Talvez por contar com melhores condições iniciais, maior poder de endividamento e nível de organização, ProdutorN tenha “resolvido” seu problema, adquirindo caminhão próprio. Mas, em seu caso, a ADAO (os consumidores), embutiu no valor do orçamento anual esse custo. Até hoje, o frete “cobrado” por ProdutorN representa um valor significativo em sua renda.

Em 26 de março de 1998, ConsultorR informa que “no próximo mês [abril], sairá uma reportagem da ADAO no [jornal]. Isto é o indicador da chegada de novos associados, porém, devemos ter cautela pois necessitamos continuar crescendo passo a passo para não comprometer a credibilidade da ADAO.” Ao final daquela assembléia, afirma que, para fortificar a ADAO “temos que dar oportunidades a novos produtores interessados em ingressar na agricultura orgânica. Com isso, melhoraremos a estabilidade da oferta de nossos produtos certificados. Novos produtores serão bem vindos”.

Ou seja, a preocupação com a credibilidade da ADAO estava referenciada no urbano. A “estabilidade da oferta” visava tranqüilizar o consumidor, mas o crescimento de adesões – ampliando a demanda - deveria se dar “passo a passo”.

Meses depois, outros dois produtores da Serra da Ibiapaba se apresentam: ProdutorT e ProdutorL, primo de ProdutorN. Outros vizinhos mostram interesse e “fazem fila”.

Os diretores se deparam, mais concretamente agora, com o dilema – admitir ou não os novos produtores interessados. Não havia consumidores associados suficientes para absorver a produção de tantos produtores. Ao mesmo tempo, essa era a missão da ADAO – o desenvolvimento da agropecuária orgânica, através da ampliação do número de agricultores orgânicos.

Sem consultar os associados, a diretoria decide “tomar uma decisão arrojada”: capacitar doze produtores e iniciar uma campanha de filiação, com a meta de atingir mil consumidores. Sob uma condição: a exemplo de ProdutorJ, os novos produtores não teriam o apoio inicial de antecipação de recursos que ProdutorN teve. Os custos de implantação da nova tecnologia de produção teriam que ser arcados pelos próprios interessados. Seria uma espécie de “contrato de risco”. A confiança de ProdutorN e seu sucesso até ali demonstrado são motivadores o suficiente para os interessados descartarem a hipótese de desistir da ADAO. Alguns tinham

recursos disponíveis, outros venderam algum bem, outros (a maioria), a exemplo de ProdutorJ, contraíram empréstimo no banco e se associam.

O processo de crescimento, portanto, foi bem distinto do processo de constituição. Não houve participação compartilhada entre produtores e consumidores para discutir o orçamento da produção dos novos associados, nem planilha de demanda de produtos – os consumidores ainda não existiam, a não ser como aposta da diretoria na sua capacidade de arregimentação de mais associados. O orçamento, em tese, já estava dado tomando-se por base o que ProdutorN realizava – bastava extrapolar os custos por hectare de ProdutorN para os novos produtores. A demanda semanal também não seria muito diferente do observado per capita pelos sócios pioneiros.

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