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3. A CAMINHADA

3.6. O PROCESSO DE PRODUÇÃO

Quase todos os trabalhos relativos ao processo da produção orgânica de hortaliças são executados manualmente – e por isso demandam muita mão de obra.

Um solo “convencional”, que vinha sendo cultivado com adubos químicos e com utilização de produtos sintéticos, para ser utilizado na agricultura orgânica, deve ser submetido a um processo de adequação, visando a sua “desintoxicação”.

Primeiramente, é necessário instalar um “coquetel”. Diversas sementes de diferentes espécies, selecionadas por suas características botânicas, são misturadas e plantadas ao acaso.

59 A certificação é um dos instrumentos-chave da produção orgânica. Significa o reconhecimento, por parte de uma entidade legitimada para exercer tal atribuição, de que o produtor, sua propriedade e seu sistema de produção estão coerentes com os princípios e técnicas aceitos pela comunidade científica. A obtenção da certificação implica em custos – o técnico certificador e sua entidade são remunerados – e em obediência às normas e procedimentos especificados como requisitos para classificação como produto orgânico. No caso da ADAO, a certificação foi feita a “preço de custo”, numa demonstração de apoio do IBD ao empreendimento, considerando que o próprio ConsultorR é um agente certificador credenciado por aquele instituto.

Mapurunga (2000) coletou a seguinte sugestão de composição de coquetel junto a produtores da ADAO (em quilos de sementes por hectare): milho (24), milheto (2), mucuna (16), crotalária (6), soja (1), girassol (12), lab-lab (12), sorgo (3) feijão kudzu (2), feijão de porco (14), mamona (8), amaranto (2), trefosia (2), feijão de rolinha (2), dente de burro (1), gergelim (1).

Após a germinação das sementes, se houver necessidade, a área é irrigada. Permite-se o desenvolvimento das plantas até a fase em que produzem flores - antes de produzirem frutos, são cortadas e incorporadas à terra. Deste modo, os nutrientes extraídos pelas raízes a diferentes profundidades (as raízes do milho, por exemplo, são mais superficiais; as raízes das leguminosas são mais profundas, além de apresentarem a propriedade de fixar o nitrogênio atmosférico em seus nódulos radiculares, disponibilizando-o como nutriente às plantas) servem para reciclar os nutrientes e incrementar o teor de matéria orgânica do solo.

Enquanto isso, a área é dividida em talhões e bananeiras são plantadas nas suas delimitações – servirão de quebra-vento, importante medida para reduzir a incidência de doenças, com a vantagem de que seus frutos podem ser comercializados.

Estrume de gado tem que ser adquirido de currais vizinhos (no caso dos produtores da ADAO, que não dispõem de produção própria de animais em quantidade), assim como bagaço de cana, adquirida junto a uma usina existente na região. A combinação desses dois materiais, após processo controlado de fermentação, vai formar o composto – suprimento nutricional orgânico aplicado ao solo (é o adubo orgânico por excelência). No primeiro ano, admite-se, de acordo com análise de laboratório, a aplicação de fosfato natural e calcário – elementos minerais que corrigem e equilibram a fertilidade do solo, sem agredi-lo, ou às plantas.

Sementes e mudas são adquiridas conforme a programação de produção (espécies mais demoradas são plantadas primeiro, espécies menos produtivas ou mais demandadas são plantadas em maior quantidade, etc.).Após a incorporação do “coquetel” no solo e um período de descanso, os canteiros de hortaliças são levantados, manualmente ou com ajuda de microtrator, com a adição do composto, e as mudas e sementes são plantadas de forma organizada e planejada. Com a interrupção do uso de adubos químicos e produtos sintéticos, o solo se equilibra e, com o passar dos anos, suas propriedades físicas (textura, principalmente), químicas (fertilidade natural) e biológicas (atividade microbiana) garantem aumento de

produtividade com redução de custos – inclusive com redução na necessidade de adubação com composto, conforme pudemos constatar nos sítios visitados.

Figura 3.3. Produção orgânica da ADAO.

Foto 1. Coquetel e bananeiras na fase inicial da implantação de uma horta orgânica

Foto 2. Compostagem

Foto 3. Levantando o canteiro Foto 4. Plantio de mudas de alface Fotos: Arthur Yamamoto, 2005.

Diariamente, os trabalhadores seguem uma rotina de molhar os canteiros, limpar o mato onde ele estiver em excesso (nem sempre o “mato” é considerado danoso - pelo contrário, em algumas situações ele é considerado desejável, pois servirá para proporcionar os mesmos efeitos do “coquetel” na renovação dos canteiros), aplicar os produtos naturais de proteção contra as pragas se necessário, preparar novos canteiros conforme a programação, e finalmente, colher os frutos do trabalho.

Figura 3.4. Mão de obra na produção orgânica da ADAO.

Fotos 5, 6, 7 e 8 – Irrigação manual; pulverização com produto repelente; colheita e encaixotamento. Fotos: Arthur Yamamoto, 2005.

No início, as muitas variedades solicitadas pelos consumidores causaram estranhamento junto ao produtor, habituado a lidar com uma, duas, no máximo três hortaliças ao mesmo tempo (cenoura, repolho, tomate, por exemplo) e observando a lógica da “safra”, ou seja, colheita concentrada num curto período do ano. Agora, era demandado a lidar com espécies e variedades que sequer tinha ouvido falar, assim como manter aquela produção diversificada durante todos os meses do ano. Assim, a adaptação do agricultor teve que se dar não só nos aspectos inerentes à técnica orgânica de produção, com o desconhecido, em termos de comportamento das plantas que jamais havia cultivado, mas também em lidar com a diversidade de produção e a maior complexidade da administração da mão de obra, das compras de insumos e das colheitas. Nesses aspectos, a competência técnica e capacidade de comunicação de Fernando, mais uma vez foram fundamentais para o sucesso da associação.

ProdutorN segue à risca as orientações técnicas, agora já não estranhando tanto os métodos apresentados por Fernando, por ter participado da fase de instalação dos campos de demonstração. Sérgio, empregado e braço direito de ProdutorN na roça, executa as tarefas com interesse e empenho60.

O sucesso da experiência de ProdutorN motiva seus vizinhos – renda mensal garantida, produção sem agrotóxico, despreocupação com a comercialização – são fatores altamente motivadores.

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