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2. UM NOVO OLHAR PARA OS LD

2.2. AS DIMENSÕES DA CIÊNCIA NO LD

2.2.2. A dimensão experimental em LD

A experimentação é uma dimensão intrínseca à ciência para qualquer teoria epistemológica adotada para a descrição da ciência. A dimensão experimental compõe uma das principais componentes do empreendimento científico que se diferencia de outras formas do conhecimento justamente pela sua capacidade de testar hipóteses empiricamente e construir argumentos racionais sobre os dados obtidos. Sendo assim, a experimentação tem um papel fundamental tanto para a ciência na produção de conhecimento novo, quanto para seu ensino, onde se pretende difundir os conhecimentos já estabelecidos.

No ensino, a experimentação pode contribuir tanto para um entendimento da ciência quanto sobre a ciência. Por um lado, a experimentação representa uma das melhores formas de se trabalhar alguns conteúdos específicos das ciências, sejam de ordem conceitual, procedimental ou atitudinal. É através da capacidade de propor hipóteses e buscar a solução de problemas que os estudantes poderão tomar contato com habilidades relativas à ciência como verificar a relação entre grandezas físicas, coletar, organizar a avaliar dados ou decidir qual é o melhor método para a análise de um conjunto de dados. Por outro lado, compreender a experimentação como uma dimensão indissociável à ciência pode colocar os estudantes em contato com a natureza do empreendimento científico e sua importância para a humanidade.

No entanto, esse papel central associado à experimentação na educação científica nem sempre é contemplado no processo educacional, tornando o ensino científico um tanto quanto incompleto, deixando de lado uma componente fundamental e uma das partes mais interessantes e instigantes da ciência.

Carvalho (2010) escreve que as práticas experimentais estão presentes no ensino da Física desde do século XIX e podem ser designadas por uma série de termos como “aulas práticas”, “aulas de laboratório” ou laboratório escolar” (CARVALHO, 2010, p.53). No entanto, segundo a autora, apesar desses quase 200 anos nos currículos escolares e da vasta gama de variações possíveis para possíveis planejamentos, os professores ainda não têm familiaridade com essa atividade, o que se traduz em aulas pouco reflexivas:

[...] aulas extremamente estruturadas com guias do tipo “receita de cozinha”. Nessas aulas, os alunos seguem planos de trabalho previamente elaborados, entrando nos laboratórios somente para seguir os passos do guia, onde o trabalho do grupo de alunos se caracteriza pela divisão de tarefas e muito pouco pela troca de ideias significativas sobre o fenômeno estudado” (CARVALHO, 2010, p.54)

Para Hodson (1994) as atividades experimentais dificilmente exploram completamente seu potencial e grande parte das atividades práticas que oferecemos aos alunos estão mal concebidas, são confusas e carecem de valor educativo.

Por outro lado, as pesquisas e concepções sobre o laboratório escolar foram se modificando ao longo do tempo. Com a tradução do Physical Science Study Committe (PSSC)4 para o português na década de 1960 há uma mudança importante nos rumos do trabalho experimental no Brasil. O projeto traz consigo uma perspectiva mais investigativa mediante o desenvolvimento de problemas experimentais (Carvalho, 2010).

Conforme Alves Filho (2000) o PSSC foi tão importante a nível internacional que se poderia dividir o ensino de Física em “antes e depois” do PSSC. Para o autor o projeto desencadeou o movimento de renovação que se estendeu a Europa e aos demais continentes como Ásia, América do Sul e África. Segundo o autor o projeto apresenta “discussões e atividades dos alunos em classe, visão moderna do conteúdo ministrado e um laboratório didático participativo” (Ibid., 2000, p.31), que o faz permanecer na “história do ensino da Física como uma das maiores fontes de inspiração de inovações e investigações para o ensino de Física.” (Ibid., 2000, p.30- 31).

Além do PSSC a Universidade de Harvard, apresenta outra proposta curricular através de um projeto intitulado “Project Physics Course” (mais conhecido no Brasil como Projeto Harvard) elaborado a partir de 1963. Na Inglaterra, esse movimento se concretiza através do projeto “Nuffield Physics” elaborado em 1962 (Ibid., 2000). No entanto, para o autor esses dois projetos não tiveram grandes repercussões no Brasil

4 O PSSC é um projeto norte americano que, segundo Moreira (2000), foi iniciado no

Massachusetts Institute of Technology (M. I. T.) em 1956 cuja primeira publicação se deu em 1960 e trata de uma renovação no currículo de Física para o Ensino Médio. Esse movimento surge da insatisfação, principalmente dos físicos, com o ensino de física nas escolas secundárias, principalmente em um momento histórico em que o conhecimento científico era peça chave na corrida espacial entre estados Unidos e União Soviética.

ficando restritos ao conhecimento de alguns grupos com interesse em ensino de Física e algumas bibliotecas.

Segundo o mesmo autor os grandes projetos internacionais apesar de suas diferenças, tem em comum o fato de romper com a passividade do aluno e buscar transformá-lo em um pequeno cientista, onde aprenderia ciências comportando-se como um cientista. Para o laboratório, segundo o autor, esses projetos proporcionam uma transformação:

De um laboratório tradicional, onde predomina a atuação do professor apresentando demonstrações ou experimentos-padrão, com predominância de objetivos comprovatórios, o laboratório se torna um “espaço didático” mais ligado ao processo de ensino. O material experimental torna-se mais “leve”, isto é, de domínio de construção e manuseio por parte do aluno. Quanto à execução, esta é quase que totalmente transferida para os alunos. São eles os responsáveis pela montagem, coleta dos dados e discussão dos resultados. O eixo de trabalho é completamente oposto ao do laboratório tradicional, pois a passividade do aluno é substituída por sua interação direta com o equipamento. (PINHO ALVES, 2000, p.43)

Esse deslocamento das tarefas, de uma demonstração do professor a execução exclusiva dos alunos representa uma grande mudança para o laboratório escolar.

No entanto, conforme Borges (2002), apesar do destaque que estes e outros projetos5 de ensino deram ao laboratório, o papel deste no ensino de ciências estava longe de ser claro para o professor. Para o autor o que impulsiona a grande popularização do ensino prático é a ideia de que “qualquer que seja o método de ensino-aprendizagem escolhido, deve mobilizar a atividade do aprendiz, em lugar de sua passividade” (BORGES, 2002, p.294). No entanto, o autor adverte que não é a manipulação direta que proporciona uma melhor aprendizagem em todos os casos, mas sim o envolvimento do estudante com problemas colocados em atividades que podem até ser de pensamento.

Para Alves Filho (2000), a partir dos anos 80 as investigações em ensino passam a ser orientadas pelo paradigma construtivista e estudos sobre concepções alternativas, mudança conceitual e resolução de problemas passaram então a orientar as investigações. A partir daí, uma das ideias que adquire muita adesão é pensar

5 Podemos destacar Projeto Piloto da UNESCO e os projetos brasileiros como o Física Auto-

atividades experimentais como atividades investigativas (Furió, Payá, Valdés, 2005), onde seu principal elemento é a proposição de um problema a ser resolvido pelos alunos.

Trata-se de propor situações mais abertas que permitam ao aluno não apenas executar tarefas algorítmicas mas, planejar sua resolução, resolver, discutir e comunicar seus resultados. Assim, um problema, em contraposição a um exercício tradicional, não apresenta uma solução imediata e nem um caminho único para sua solução.

Com isso, muitas pesquisas têm se preocupado em verificar o quanto as atividades experimentais proporcionam envolvimento dos alunos com as diferentes etapas que compõe esse tipo de atividade (Tamir, 1976; Tamir; Garcia Rovira, 1992; Duarte, 1999; Araújo; Abib, 2003; Mori; Curvelo, 2013). Uma proposta muito comum a estes trabalhos é a análise das propostas quanto ao nível de abertura nas diferentes etapas associadas ao trabalho experimental.

Nesse sentido, Borges (2002), apresenta uma classificação proposta por Tamir (1991 apud Borges 2002, p. 305) para classificar as atividades experimentais conforme níveis de abertura como no Quadro 2:

Nível de

Investigação Problemas Procedimentos Conclusões

Nível 0 Dados Dados Dados

Nível 1 Dados Dados Em aberto

Nível 2 Dados Em aberto Em aberto

Nível 3 Em aberto Em aberto Em aberto

Quadro 2 – Níveis de investigação no laboratório de ciências. BORGES (2002, p.306)

Por essa classificação, o nível 0, corresponde a ao extremo de problema fechado, onde são dados o problema, os procedimentos e o que se deve observar/verificar, ficando a cargo dos estudantes apenas coletar dados e confirmar ou não as conclusões. No nível 1, o problema e procedimentos são definidos pelo professor, ao estudante cabe coletar os dados indicados e chegar a conclusões. No

nível 2, apenas a situação-problema é dada. Nesse caso, o estudante decide como e que dados coletar, realizas as devidas medições e obter conclusões. Já no nível 3, o nível mais aberto de investigação, o estudante deve fazer tudo, desde formular o problema até chegar às conclusões (Borges, 2002).

Os resultados de análises de atividades experimentais em LD (Garcia Rovira, 1992; Duarte, 1999; Mori; Curvelo, 2013) tem mostrado um baixo grau de abertura das proposições. Isso que demonstra a importância de uma reflexão em torno desse tipo de análise, na medida em que a formulação de hipóteses, a determinação de caminhos, métodos, formas de realização de experimentos, bem como a coleta, análise de dados e elaborações de conclusões fazem parte da atividade científica e devem fazer parte também do ensino de ciências que não pode privar o aluno de uma parte tão significativa e instigante do fazer científico.

Além do nível de abertura, existem diversos outros aspectos relativos a atividades experimentais que podem e devem ser analisados. Araújo; Abib (2003), por exemplo, realizam uma análise em periódicos de Ensino de Física, buscando caracterizar possibilidades e tendências dessas atividades nas pesquisas apresentadas nesses periódicos. Nesse trabalho, os autores propõem as categorias para análise, aqui apresentadas resumidamente:

a) Ênfase Matemática: classificação em Qualitativos e Quantitativos.

b) Grau de Direcionamento: grau de direcionamento em função de seu caráter de Demonstração, Verificação ou Investigação.

c) Uso de Novas Tecnologias: uso de novas tecnologias, com o emprego de computadores e programas específicos para atividades práticas de laboratório ou de simulação.

d) Cotidiano: relação entre texto dos artigos e situações típicas encontradas do cotidiano com explicações causais para situações do dia a dia.

e) Montagem de Equipamentos: apresentação da montagem de determinados equipamentos, abordando detalhes devolvidos em sua confecção¸ e fornecendo possíveis aplicações para os mesmos (Ibid., 2003).

Essas discussões sobre as atividades experimentais podem e devem fazer parte da formação de professores visando uma maior compreensão sobre esse tipo

de atividade e sua inserção no ensino, que vem sendo preconizada nos diversos documentos legais que regulam a educação no país.

Nos PCN+, por exemplo, há uma ideia clara de que a experimentação deve estar presente ao longo de todo o processo de desenvolvimento de competências em física “privilegiando-se o fazer, manusear, operar, agir, em diferentes formas e níveis” (BRASIL, 2000, p.84). Segundo esse documento:

É dessa forma que se pode garantir a construção do conhecimento pelo próprio aluno, desenvolvendo sua curiosidade e o hábito de sempre indagar, evitando a aquisição do conhecimento científico como uma verdade estabelecida e inquestionável. Isso inclui retomar o papel da experimentação, atribuindo-lhe uma maior abrangência para além das situações convencionais de experimentação em laboratório. As abordagens mais tradicionais precisariam, portanto, ser revistas, evitando-se “experiências” que se reduzem à execução de uma lista de procedimentos previamente fixados, cujo sentido nem sempre fica claro para o aluno. É tão possível trabalhar com materiais de baixo custo, tais como pedaços de fio, pequenas lâmpadas e pilhas, quanto com kits mais sofisticados, que incluem multímetros ou osciloscópios. Experimentar pode significar observar situações e fenômenos a seu alcance, em casa, na rua ou na escola, desmontar objetos tecnológicos, tais como chuveiros, liquidificadores, construir aparelhos e outros objetos simples, como projetores ou dispositivos óptico-mecânicos. Pode também envolver desafios, estimando, quantificando ou buscando soluções para problemas reais. (BRASIL, 2000, p.84)

Nas DCNEM (Brasil, 2013) também há uma clara sinalização de que o ensino científico deve privilegiar o trabalho experimental do aluno como forma de efetivar a apropriação de conhecimentos científicos: “A apropriação de conhecimentos científicos se efetiva por práticas experimentais, com contextualização que relacione os conhecimentos com a vida, em oposição a metodologias pouco ou nada ativas e sem significado para os estudantes” (Ibid., 2013, p.167).

Sendo assim, é importante que os professores e futuros professores tenham conhecimento sobre as possibilidades que podem ser apresentadas para as atividades experimentais. Na escolha do LD, esse aspecto deve ser privilegiado em função da dissociabilidade entre a ciência e sua dimensão experimental. Dessa forma, na construção da proposta de análise para os LD, foram incorporadas essas observações procurando propor um olhar mais atento as propostas de atividades experimentais nas coleções analisadas.