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Dimensão pessoal: “os temas a serem abordados são de grande discussão e tratam da nossa realidade”

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Anne 22 apresentou-se como professora de Educação Infantil (EI) e Ensino

4 As marcas da experiência na formação docente em gênero e diversidade sexual e os processos de comprometimento

4.1 Sobre as dimensões pessoal e profissional e as motivações para cursar o Sobre as dimensões pessoal e profissional e as motivações para cursar o Sobre as dimensões pessoal e profissional e as motivações para cursar o Sobre as dimensões pessoal e profissional e as motivações para cursar o GDE

4.1.2 Dimensão pessoal: “os temas a serem abordados são de grande discussão e tratam da nossa realidade”

A dimensão pessoal da docência é constituída tanto pelas marcas de vida quanto pelas marcas da profissão, ou seja, há que se considerar que os (as) professores (as) estão inteiros (as) na profissão. Dessa forma, essa dimensão compreende o duplo movimento realizado

pelos (as) docentes na prática de suas atividades, permitindo que eles (elas) se reconheçam como sujeitos dessas atividades ao mesmo tempo em que delas conseguem se distanciar e sobre elas fazer reflexões (MOROSINI, 2006).

Diferentemente da dimensão profissional, é possível perceber na dimensão pessoal duas marcas que se entrelaçam. A primeira delas é a da pessoalidade docente, já a segunda marca da atualidade e da polêmica despertada pela temática. Contudo, é necessário observar que ao mesmo tempo, algumas professoras revelam as duas marcas como se verá a seguir.

A marca da pessoalidade é exposta quando Diana afirma esperar que “o curso venha ao encontro de [suas] expectativas, em responder questões pessoais”, nesse caso ela claramente afirma que a escolha pelo curso não se deu apenas por uma motivação profissional. Assim como Miriam, ao dizer que espera que as discussões a ajudem “a ampliar [sua] visão a respeito de cada um dos temas”, revela que o que está em jogo não é apenas a sua ação profissional, mas também sua visão pessoal acerca dos assuntos tratados. Ou Cora que diz ter ficado interessada “por ser algo inovador na [sua] vida”. Já Susan expõe que tem um desejo de “enfrentar os desafios provocados pela diversidade cultural tanto na sala de aula como na sociedade”, demonstrando, portanto uma postura pessoal com relação aos temas tratados. Esse aspecto vai ao encontro do que pensa Carmem ao explicitar que as informações trabalhadas no curso lhe ajudarão “a construir um vasto conhecimento sobre lidar com as diversidades, para que [...] consiga banir os preconceitos, as discriminações que ainda possam existir” dentro dela, destacando nessa escrita a vontade de mudar sua própria subjetividade.

Essa marca da pessoalidade demonstra que o interesse em realizar o curso não passa apenas pelo fato de saber lidar com as questões de gênero e diversidade sexual na sala de aula. Ela revela que, possivelmente, para algumas professoras essa mudança na prática docente pode passar pela mudança da própria subjetividade, aproximando-se da ideia de formação enquanto preparação de si, como diz Nóvoa (2011), ou seja, uma formação que remete também ao autoconhecimento e à autorreflexão. Penso, portanto, ser fundamental trazer essa marca da pessoalidade, uma vez que ao refletir sobre a própria vida, professoras e professores podem se desenvolver profissionalmente, promovendo mudanças em seu eu-professor (a).

A marca da atualidade e da polêmica despertada pela temática aparece nas escritas de algumas professoras como Diana ao revelar que seu interesse pelo curso foi motivado “por ser um assunto polêmico e atual”, ou seja, seu interesse não se dá apenas por uma motivação profissional, mas antes, passa também pela opinião de que o tema tratado cause polêmica. No caso de Lisa, ela considera “tratar-se de um assunto cada vez mais necessário e atual”,

demonstrando uma opinião sua sobre o assunto. Assim como Susan, quando revela que um dos motivos pela escolha do curso foi “primeiro por ser um tema atual e que trata da diversidade e das diferenças culturais” e Selena ao expor que se sentiu “motivada a fazer o curso por ser um tema atual, abrangente, presente em toda sociedade”. Já Marina expressa que “Há também a polêmica no que tange ao tema proposto”, demonstrando mais que um desejo, também uma motivação profissional, ela pode estar buscando sanar indagações pessoais. A ideia de melhoria com relação a questões pessoais aparece também na escrita de Scarlett quando afirma estar “em busca de novos conhecimentos, para melhorar [...] também na vida pessoal” ou quando Tina expõe que “os temas a serem abordados são de grande discussão e tratam da nossa realidade”.

As professoras, em suas motivações, trazem adjetivos como atual, polêmico e novo. A palavra atual, além de nos remeter às coisas que se realizam no presente, também está ligada a coisas que são tendências do presente ou que não estão ultrapassadas. Provavelmente, ao afirmar que a temática do curso é atual, essas professoras estejam revelando que por um lado esse tema, até o momento era silenciado, e por outro lado que hoje, quando ganha visibilidade, como a que lhe é dada desde os anos 2000, no Brasil, esse debate passa ser uma tendência no tempo presente.

Ao definir-se quando, como e quem poderia falar sobre o sexo, foram percebidas regiões que se não eram de silêncio absoluto sobre a temática, eram consideradas de discrição (FOUCAULT, 1988). Nesse caso, essas educadoras demonstram que a escola parece ter se tornado uma dessas regiões e que docentes - apesar de contribuírem por meio de inúmeros dispositivos institucionais e estratégias discursivas presentes na escola, para a vigilância e o controle da sexualidade - não seriam produtores (as) de discursos sobre o sexo. Antes seriam apenas multiplicadores de um discurso advindo das ciências médicas e biológicas, carregado de recomendações de formas exemplares de comportamento e conselhos médicos que buscavam o controle e a “normalização” das atividades sexuais.

No entanto, como pode ser visto no capítulo 1, questões sobre a sexualidade e o gênero sempre estiveram presentes em nossa sociedade, ainda que nem sempre fossem publicamente debatidas e muitas vezes silenciadas. De todo o modo a palavra atual também se refere a tudo aquilo que é real e efetivo, ou seja, que existe, e se a existência está clara essa palavra, inevitavelmente carrega a marca daquilo que é considerado uma novidade. Estando, portanto diretamente ligada à ideia de novidade que, provavelmente foi empregada no sentido

de algo que apenas recentemente alcançou sua concretude, que tem caráter de inovação ou então que apesar de sua maturidade possui um frescor.

Já a palavra polêmica tem o sentido de discussão ou de uma disputa em torno de algo ou algum assunto que suscita muitas divergências, algo que é controverso. É fato que os temas de gênero e sexualidade ou diversidade sexual estão em toda parte e ao mesmo tempo em que fascinam e provocam, também causam espanto, por serem, ainda hoje, considerados tabus. Para Louro (2011), a coisa se complica quando é preciso encarar esses temas considerando a posição ocupada por educadores e educadoras e para ela isso acontece mais com relação a sexualidade do que com relação ao gênero. A autora explica que apesar de apresentar certas resistências, as ideias sobre a construção social da diferença de gênero já vêm sendo admitidas por muitos, inclusive os (as) educadores (as). No entanto, quando se trata da sexualidade parece ser mais difícil admitir seu caráter de construção, pois, usualmente, ela é reduzida e associada à natureza e à biologia, como se essas estivessem em uma espécie de domínio a parte e fora da cultura.

Enfim, discutir temas como gênero e diversidade sexual ou sexualidade, socialmente, já é algo extremamente complicado, e como foi visto no primeiro capítulo dessa dissertação, a inclusão desses temas nas políticas públicas de educação foi realizada por meio de disputas e discussões, nunca tranquilas e consensuais. Há ainda que se considerar que, outras vezes, e por muitos (as) docentes, esse assunto é visto como algo de foro íntimo, do âmbito da casa e da família e nunca público ou da escola (ROSSI et al., 2012). Desse modo, possivelmente, o que essas professoras estejam externando seja exatamente esse discurso que paira no ar quando se discute gênero e diversidade sexual. Ou seja, estão fazendo referência à polêmica que implica em discutir esses temas na escola, ou simplesmente em qualquer âmbito da sociedade. Uma vez que, durante um longo tempo histórico as interdições a que foi exposto o sexo passaram a tentar extinguir a sua presença do real (FOUCAULT, 1988), o que pode produzir, hoje, a sensação de que esse tema é algo atual a se tratar em qualquer âmbito.

Portanto, o que se pode depreender das afirmações trazidas é que para esse grupo de professoras, a temática do gênero e da diversidade sexual é algo que apesar de sua existência histórica, só atualmente atingiu um caráter de novidade, demonstrando estar no centro das discussões da sociedade, por ser um assunto ainda considerado por elas como polêmico.

Tudo isso revela que, apesar de todos os caminhos trilhados e lutas em busca da inclusão dos temas de gênero e diversidade sexual nas políticas públicas de educação que vem ocorrendo desde meados da década de 1990, há ainda muito a se trilhar.

Enfim, 11 professoras investiram no curso, impulsionadas por motivações pessoais. Em tempo, pode ser que, os (as) outros (as) 19 não tenham externado isso em suas motivações, mas, possivelmente, tenham procurado o curso para resolver, também, questões pessoais.