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Dimensão profissional: “saber lidar com a diversidade que encontramos na sala de aula”

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Anne 22 apresentou-se como professora de Educação Infantil (EI) e Ensino

4 As marcas da experiência na formação docente em gênero e diversidade sexual e os processos de comprometimento

4.1 Sobre as dimensões pessoal e profissional e as motivações para cursar o Sobre as dimensões pessoal e profissional e as motivações para cursar o Sobre as dimensões pessoal e profissional e as motivações para cursar o Sobre as dimensões pessoal e profissional e as motivações para cursar o GDE

4.1.1 Dimensão profissional: “saber lidar com a diversidade que encontramos na sala de aula”

A dimensão profissional da docência está ligada diretamente à apreensão de conhecimentos, saberes e fazeres específicos, que se desdobram na realização de atividades específicas da docência (MOROSINI, 2006), ou seja, compreende todo o período de formação acadêmica desses profissionais se estendendo aos processos de seleção, acompanhamento e progressão na carreira docente (NÓVOA, 2011). Esse repertório de conhecimentos permite aos docentes construir a noção do que é ser professor (a), além de possibilitar o exercício da profissão.

Essa dimensão - considerando o âmbito da motivação em realizar o curso - parece comportar três marcas da experiência, dos sujeitos de pesquisa, relacionadas a aspectos da profissão docente, quais sejam: 1 - da atuação profissional e/ou prática docente, 2 - do compromisso político e 3 - da qualificação profissional. Talvez, possa parecer que essas marcas pouco ou nada tenham a ver com a temática perseguida por essa dissertação, no entanto, provavelmente, elas influenciem no modo como professores (as) irão produzir conhecimento e buscar mudanças a partir da formação realizada no GDE.

A marca da atuação profissional e/ou prática docente pode ser observada na narrativa de várias professoras, que a todo momento evocavam a escola e a sala de aula, bem como as situações nelas ocorridas como motivação para realizar o curso. Por exemplo, situações como as que fizeram Adele afirmar que nunca fez “um curso voltado para as diversidades cada vez mais presentes em sala de aula” e que provavelmente a incitaram a realizar essa formação a fim que se revertesse em uma melhor prática em seu cotidiano. O mesmo exemplo é revelado por Amélia ao explicitar a crença de que esse curso irá prepara-la e suas companheiras para melhor lidar “com situações que ocorrem na sala de aula”, surgindo aqui novamente a ideia de transformação do conhecimento em práticas docentes. Do mesmo modo, Audrey pensa que o curso lhe proporcionará “saber lidar com a diversidade que encontramos na sala de aula”, o que expressa a vontade atuar nesse sentido. Já para Ângela, a formação ajudará no sentido de “esclarecer algumas indagações que [tem] de como trabalhar com os (as) alunos (as) e os temas que [seriam] abordados”, o que remete à ideia de que haja uma propensão a esse trabalho, porém, demonstra o receio de não realiza-lo de forma adequada. Complementando, Diana afirma, enquanto docente, a existência de “inúmeras dúvidas de como lidar com a diversidade e diferenças” existentes na sala de aula, o que pode

causar insegurança e, consequentemente, fazer com que o (a) docente deixe de trabalhar esses temas. Grace, por sua vez, acredita que um curso voltado ao gênero e diversidade sexual pode contribuir com o desenvolvimento de suas atividades, uma vez que pretende - após a conclusão - “desenvolver um trabalho cada vez melhor em sala de aula.” Esse sentimento é compartilhado por Leila, que também acredita que poderá “desenvolver um trabalho melhor em sala de aula” e Miriam, ao pensar que o curso poderá ajudá-la a “desenvolver um trabalho com mais qualidade”. Para Lisa, a vontade de participar foi motivada devido ao fato de não se sentir preparada para “trabalhar toda a diversidade cultural e social em sala de aula”, isso revela o reconhecimento da existência dessa diversidade no exercício de sua prática profissional, além da necessidade de formação no que tange ao trabalho com essa temática. Esse sentimento é compartilhado por Susan, já que percebe em sua ação docente “situações em que culturas distintas coexistem no mesmo espaço” e Teresa, que relata encontrar “muita diversidade cultural e social entre os (as) alunos (as) dentro [...] da escola”.

Posso alegar, pelas afirmações trazidas, que a sala de aula e a escola ocupam um lugar central nas preocupações, reflexões e indagações dessas professoras, que além disso, demonstram grande consciência de que o espaço escolar abriga uma ampla diversidade social e cultural. Desse modo, a marca da atuação profissional e/ou prática docente parece revelar ainda, muito mais que uma simples necessidade em saber lidar, na sala de aula, com situações de preconceito e desrespeito com a diversidade, seja ela sexual, de gênero ou cultural. A marca revela uma disposição dessas professoras em lidar com essas situações, nas quais essas temáticas surgem no cotidiano de sua atuação docente, de maneira adequada, o que parece expor, ainda, um desejo em contribuir para desestabilização de preconceitos, desfazendo dúvidas, tanto suas enquanto profissionais, quanto dos (as) alunos (as), quando esses as questionam. Dessa forma, essa marca parece se entrelaçar e sustentar a existência da próxima marca que trago para a discussão.

A marca do compromisso político pode ser observada nas afirmações de Anita, que expressa uma forte crença de que “educadores ainda [fazem] e [vão] fazer a diferença com relação aos [...] alunos”, no que tange ao gênero e à sexualidade. Já Carmem vai um pouco além, quando afirma que o curso poderia lhe ajudar a conseguir “junto com os pais, a direção da escola, plantar a sementinha de um futuro melhor, multicultural, onde todos os envolvidos [pudessem] oferecer aos alunos, filhos, a oportunidade de se transformarem em seres sociais e críticos”. No que diz respeito ao gênero e sexualidade, Marta expressa o gosto “de trabalhar a questão das minorias” na sala de aula e Melinda expressa perceber que poucas vezes

professores e professoras pensam “sobre questões raciais e realidade social de cada aluno”, o que parece externar a ideia de que é extremamente necessário que essa reflexão aconteça. Nesse sentido, Selena completa que é “de muita responsabilidade do educador estar a par desse tema”, o que parece se coadunar com todo o exposto anteriormente.

Como foi salientado, a marca do compromisso político se entrelaça à marca da atuação profissional e/ou prática docente à medida que, a partir da primeira marca revelada, essa surge como tomada de consciência de que os (as) educadores (as) são, também, e não somente eles (elas), responsáveis por realizar ações em prol da desestabilização de preconceitos. Assim como surgem, ainda, propostas de ações que podem ser realizadas a fim de desestabilizar a existência de tais preconceitos em sala de aula, quiçá fora dos muros da escola.

Contradiz-se, por meio da existência dessas marcas, todo aquele discurso veiculado desde os anos 1980 sobre a falta de compromisso político docente no que concerne à sua atuação profissional ao qual Souza (2006; 2012) critica. Devido ao argumento da incompetência forjado por esse discurso, foi possível a criação de muitos cursos de formação continuada docente, que alimentam um grande mercado de formação. Ainda que nessa pesquisa esteja olhando por um prisma específico das questões de gênero e diversidade sexual, é revelador perceber que essas professoras manifestam grande percepção de suas responsabilidades enquanto educadoras e do quanto a sua contribuição se faz importante, no que concerne ao respeito para com a diversidade sexual e as diferenças de gênero.

O argumento da falta de compromisso político vem atrelado a outro, o da incompetência técnica de professores (as), que por terem uma má-formação inicial, não saberiam lidar com a diversidade de alunos (as) presentes na escola. Penso que as duas marcas já reveladas contribuem para desestabilizar esse discurso que vem sendo veiculado desde os anos 1980.

Contudo, há ainda uma terceira marca que aparece no discurso desses professores (as). Essa, a marca da qualificação profissional aparece nas narrativas de César ao esclarecer que escolheu o curso “pela necessidade de aperfeiçoamento”, o que pode apontar também um compromisso com uma educação de qualidade e clara noção de que a formação é um processo longo e contínuo, nunca está finalizado ou acabado. Essa marca fica exposta, também quando Edith revela sua crença de que o curso lhe trará “coisas novas” que poderão enriquecer o seu fazer “pedagógico”, reconhecendo a importância de um diálogo com a teoria formulada nas universidades e nos centros acadêmicos e a necessidade de trazer um frescor a sua prática cotidiana. Assim como quando Evita expõe a possibilidade de que o curso aponte “novos

caminhos para todos [que atuam] na área da Educação”, caminhos esses que, segundo Kate, podem trazer um “aperfeiçoamento na [...] área profissional”. Isso revela, talvez, que essas professoras consideram a discussão desses assuntos muito importante para o desenvolvimento profissional da docência. Esse é um sentimento compartilhado por Mary, já que ela acredita que o curso acrescentará “mais conhecimentos” à sua “experiência profissional”. A ideia de desenvolvimento profissional destaca-se também no discurso de Scarlett, pois ela acredita que o curso a ajudará a “melhorar o desempenho dentro da sala de aula” e Virgínia, ao demonstrar o “interesse em estar [se] aprimorando cada vez mais”.

Espera-se que qualquer ser humano, quando se forma, desempenhe suas atividades da melhor maneira possível, forma-se muitas vezes esperando isso. Nesse caso, o desempenho está intimamente ligado à ação que é realizada da maneira que se deseja e que sofre uma avaliação. Portanto, a formação está intimamente ligada a uma melhoria nessa ação. É por isso que a marca da qualificação profissional se inter-relaciona com as duas primeiras marcas reveladas, e todas sob a égide da dimensão profissional da docência.

Ainda que, essa marca seja reveladora, é preciso ter cautela ao discutir sobre ela. Por um lado, ela pode revelar que, uma vez que professores (as) percebem a necessidade de atuar frente às questões de gênero e diversidade sexual surgidas na escola - propondo ações em prol da melhoria do combate ao preconceito - eles (elas) busquem qualificação profissional, formação inicial ou continuada que possa sanar eventuais falhas no seu processo de formação docente. Por outro lado, pode significar meramente a busca por uma qualificação que é exigida aos (as) docentes para progressão em suas carreiras, vez que há um bom tempo essa progressão vem sendo atrelada à quantidade de certificados apresentados por esses profissionais do serviço público aos seus empregadores.

Nesse contexto, é possível reafirmar que, diferentemente do que afirmava Guiomar Namo de Mello nos anos 1980, as docentes Anita, Carmem, Marta, Melinda e Selena não demonstram ser politicamente descompromissadas, ao contrário, o interesse na realização do curso passa exatamente por aspectos políticos entrelaçados a sua profissão. Assim como Adele, Amélia, Ângela, Audrey, Diana, Leila, Lisa, Miriam, Susan e Teresa contrariam a afirmação dessa pesquisadora, já que elas buscam o curso para que possam atuar na sala de aula, pois compreendem que as temáticas de gênero e sexualidade se fazem presentes no cotidiano escolar.

Paralelamente, César, Edith, Evita, Kate, Mary, Scarlett e Virgínia deixam transparecer um traço do discurso sobre a incompetência técnica dos (as) professores (as)

(MELLO, 1988), pois afirmam que buscaram o curso para se aprimorar ou aperfeiçoar profissionalmente. Revela-se desse modo que, talvez, eles (elas) possam se sentir tecnicamente incapazes no trato com essas questões na sala de aula, ou que reconhecem a sua má-formação.

Contudo, me questiono: docentes, que estão em busca de um melhor desenvolvimento profissional, poderiam ser chamados de incapacitados tecnicamente? Pressuponho que não, uma vez que acredito que nenhuma formação docente poderia dar conta de todos os aspectos envolvidos no campo da atuação profissional de professores (as), assim como das demandas que são criadas por movimentos sociais, políticas públicas, dentre outros (as) e que atingem diretamente a escola e o trabalho dos (as) docentes. Penso, ainda, que esse reconhecimento da falta de formação em determinada área os impulsionou a uma busca para sanar tal falha. Desse modo, suponho que o que realmente está exposto é a falha nos currículos da formação docente, muito mais do que uma pressuposta incapacidade técnica docente, falha essa já apontada nas formulações teóricas dos capítulos iniciais dessa dissertação.

No total, 23 professores (as) investiram no curso por motivações profissionais. Esse aspecto é ainda mais revelador no sentido de demonstrar o compromisso político e vontade de melhorar seu desempenho técnico na formação dos (as) alunos (as), ou seja, 77% do total de cursistas da turma do GDE de Jaú analisada. Isso, não significa dizer que alguns (mas) professores (as) desses 23, tenham deixado de procurar o curso motivados (as) por aspirações e desejos pessoais, ou seja, por melhorar-se intimamente naquilo que, talvez, lhes cause alguma angústia. Por isso, é possível que os sujeitos que aparecem trazendo marcas da dimensão profissional, também apareçam trazendo marcas da dimensão pessoal, o que não é novidade levando em consideração as afirmações de Nóvoa (2011), sobre a não separação entre essas dimensões que interagem e se complementam na formação da subjetividade do eu- professor (a).

4.1.2 Dimensão pessoal: “os temas a serem abordados são de grande