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Dimensão psicossocial do trabalho

3 SENTIDOS DO TRABALHO

3.1 Dimensão psicossocial do trabalho

O trabalho não interfere apenas nos cenários sociais e econômicos nos quais a pessoa está inserida. O estado psíquico do trabalhador é alterado conforme as modificações ocorridas em sua subjetividade e identidade no âmbito do exercício da atividade laboral. Tais alterações resultam em condições que envolvem prazer ou sofrimento e que podem levar a resultados que vão da satisfação à doença. Desse modo, alguns autores demonstram a importância de analisar o trabalho sob a dimensão psicossocial.

Na inteligência de Mendes (2007), o trabalho é uma atividade ontológica que desempenha um papel essencial na estruturação e reconfiguração da identidade adulta. Trabalhar é transformar a si mesmo, o sujeito se transmuda no e pelo trabalho. Com base na

experiência bem-sucedida de superação do real do trabalho, o sujeito passa a ampliar sua subjetividade, descobrir outras capacidades e obter ganhos na saúde psíquica.

O real do trabalho é considerado por Dejours (2004) como ponto central na psicodinâmica e refere-se ao conceito de trabalho pré-escrito e trabalho real; conceito totalmente revolucionário no mundo do trabalho que para qualquer atividade, sempre há uma expectativa pelos resultados e um trabalho possível de ser realizado.

Enriquez (1999) volta a atenção para as consequências sobre as pessoas da não realização do trabalho. Conforme ele relata, sua perda provoca uma ferida profunda na identidade das pessoas, concorrendo para a fragmentação de suas personalidades. O autor segue a mesma vertente de Dejours (2004) e Mendes (2007) destaca a ideia de que trabalhar não é unicamente produzir, mas também modificar a si mesmo.

Com a psicodinâmica do trabalho, Dejours (2004) demanda alargar seus estudos e busca compreender como o trabalhador resguarda o equilíbrio psíquico perante as pressões no trabalho. Nessa concepção, o trabalho não é reduzido a uma atividade de produção no mundo objetivo. Ele sempre submete à prova a subjetividade. Trabalhar não é somente produzir, pois é, também, transformar a si mesmo e, no melhor dos casos, é uma ocasião oferecida à subjetividade para se testar, até mesmo para se realizar.

Freud (1974) argumenta que o trabalho é a atividade que oferece certa direção à vida, noção de realidade, e, também, representa uma possibilidade de vínculos entre as pessoas. Ele ainda assinala que, quando numa pessoa não há uma disposição especial que prescreva imperativamente a direção que seus interesses na vida tomarão, o trabalho profissional comum, aberto a todos, pode desempenhar o papel a ele atribuído.

Segundo o autor, não existe outra técnica para a conduta da vida que prende a pessoa tão fortemente à realidade quanto ao destaque concedido ao trabalho, pois este, pelo menos, lhe fornece um lugar seguro numa parte da realidade, na comunidade humana. A possibilidade que essa técnica oferece de deslocar uma grande quantidade de componentes libidinais, sejam eles narcísicos, agressivos ou eróticos, para o trabalho profissional, e para os relacionamentos humanos a ele vinculados, empresta-lhe um valor que de maneira alguma está em segundo plano quanto ao de que se goza como algo indispensável à preservação e justificação da existência em sociedade. A atividade profissional constitui fonte de satisfação especial, se for livremente escolhida (FREUD, 1974).

Observa-se que Dejours (2004) e Mendes (2007) concordam com a ideia de que o trabalho constitui um aspecto importante da subjetividade e é central na vida das pessoas. Isso ratifica a tese de Freud (1974), para quem o trabalho livremente escolhido é algo

indispensável para a preservação da sociedade.

Os autores também estão de acordo quanto à existência de prazer e sofrimento no trabalho. Para eles prazer-sofrimento é um constructo único e dialético, resultado da relação entre os aspectos subjetivos do trabalhador, a organização do trabalho e o contexto no qual o sujeito está inserido. Reiteram a noção de que o sofrimento provocado pelas dificuldades vivenciadas no trabalho pode ser transformado pelo trabalhador em prazer, quando a organização do trabalho é flexível.

Importante é ressaltar que Dejours et al (2011) fortalecem a plataforma da centralidade, acentuando que o trabalho é e continuará no meio das atividades em face da elaboração da identidade e da saúde, da realização pessoal, da criação das interações de mulheres e homens, da evolução da convivência e da cultura.

Do mesmo modo, com suporte no que foi sugerido por Dejours, Mendes (2007) sustenta a proposta da centralidade do trabalho exercendo papel importante para a realização do sujeito. Assim, reafirma a importância do elo entre o homem com as atividades desenvolvidas para se estruturar feito pessoa.

No que concerne ao prazer e ao sofrimento do trabalho, inicialmente, menciona-se a abordagem contida na obra A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho, de Dejours (1992), que, com substrato nos estudos desenvolvidos na França, argumenta que se a organização formal do trabalho se choca com a história individual, portadora de projetos, esperanças e desejos, ignorando-a, instaura-se o sofrimento. Se, por outro lado, o trabalho autoriza a descarga de energia psíquica, por meio da satisfação de necessidades do trabalhador, deflagra-se uma fonte sublimatória de prazer e de enriquecimento da identidade. Por conseguinte, as vivências de prazer e/ou de sofrimento no trabalho estão relacionadas tanto ao contexto socioprofissional quanto à história subjetiva de cada trabalhador (MENDES, 1995).

A psicodinâmica do trabalho postula a ideia de que o trabalho, como parte do mundo externo ao sujeito e do seu corpo e relações sociais, representa uma fonte de prazer ou de sofrimento, se as condições externas oferecidas atenderem ou não à satisfação dos desejos inconscientes (MARTINEZ; PARAGUAY, 2003; MENDES; TAMAYO, 2001).

Na compreensão de Dejours (2007), o prazer-sofrimento no trabalho se estabelece como um constructo dinâmico, dialético, resultante do enfrentamento do sofrimento, seja pelo uso de estratégias defensivas, conforme já discutido, que visam à negação ou ao controle do sofrimento, seja pelas estratégias de mobilização coletiva, que ajudam na ressignificação do sofrimento, transformando situações precipitantes de padecimento em situações geradoras de

prazer.

O sofrimento no trabalho pode constituir um mobilizador para a busca de prazer, e, nesse sentido, ele não é patogênico, mas criativo, com a origem no qual os trabalhadores elaboram soluções favoráveis, especialmente, para sua saúde psíquica (MEIRELES, 2006).

Giddens (2005) ensina que ter um emprego é importante para manter a autoestima. Até em lugares onde as condições de trabalho são relativamente desagradáveis, e as tarefas sem variação, o trabalho tende a expressar um item estruturador na composição psicológica das pessoas e na sequência de suas atividades diárias.

Assim, o sofrimento é concebido pela psicodinâmica do trabalho em sua dupla potencialidade: poderá conduzir ao adoecimento ou à criatividade (SELIGMANN-SILVA, 2011).

A conversão do sofrimento patogênico, originado na rigidez da organização formal do trabalho, em criatividade depende, segundo Dejours (2007), de dois elementos: a ressonância

simbólica e o espaço público de discussão coletiva. A ressonância simbólica ocorre sob o

signo de uma compatibilização entre as representações simbólicas do sujeito, seus investimentos pulsionais e a realidade de trabalho.

Conforme atestam Dejours, Abdoucheli e Jayet (2011), a ressonância simbólica articula o teatro privado da história singular do sujeito ao teatro atual e público do trabalho, abrindo assim uma problemática socialmente referenciada da sublimação e do prazer no trabalho.

Convém destacar a noção de que, como pensa Mendes (1995), na maioria das vezes, a maneira de organização do trabalho não permite ou limita o espaço para ressonância simbólica. O espaço público de discussão é estabelecido pelos próprios trabalhadores, constituindo o momento em que se enunciam e se confrontam as opiniões elaboradas pelos trabalhadores, em que acontecem a expressão coletiva do sofrimento e a busca de mecanismos de transformação das circunstâncias vigentes (DEJOURS; ABDOUCHELI; JAYET, 2011).

Mendes (2007) toma partido da corrente dejouriana, acentuando que o sentido do trabalho depende da interação da subjetividade do trabalhador com o saber fazer e o coletivo do trabalho. Para ela, variando conforme o seu contexto, trabalho pode ser fonte de moléstias, de adoecimentos ou de saúde, e estará sempre associado ao binômio prazer-sofrimento. Em todas essas situações, o trabalhador determina novas significações às relações dinâmicas entre organização do trabalho e processo de subjetivação. Entende-se por subjetivação a definição de sentido com base na relação do trabalhador com sua realidade de trabalho, expresso em modos de pensar, sentir e agir individuais ou coletivos.

Para modificar um trabalho que transmuda o padecer em um trabalho prazeroso, é preciso que a organização do trabalho ofereça maior liberdade ao trabalhador para remanejar seu modo operatório, usar sua inteligência prática, engajar-se no coletivo, admitindo ações capazes de promover vivências de prazer. Então, sofrimento não é o único sentido encontrado pelo trabalhador. As atividades laborais podem ser acompanhadas por prazer, dependendo do significado que cada trabalhador atribui ao seu trabalho (MENDES, 2007).

A autora complementa, dizendo que as experiências de prazer afloram pelo reconhecimento social, pela satisfação em trabalhar numa área que permite aprendizagens constantes, pela autonomia referente ao horário de trabalho e a relação saudável entre os colegas, criando um bom ambiente. Tais vivências se constituem indicadores de saúde no trabalho, ao proporcionar a estruturação psíquica, a identidade e expressão da subjetividade no trabalho (MENDES, 2007).

Quanto às experiências negativas, Mendes (2007) exprime a ideia de que se pode analisar representando esse sentido de esgotamento emocional, estresse, insatisfação, sobrecarga, frustração, insegurança, medo, falta de reconhecimento do esforço, míngua de reconhecimento do desempenho, desvalorização, indignação, inutilidade, desqualificação, injustiça e discriminação.

O trabalho sempre passará pela área sofrimento/prazer e o sentido será construído pelo trabalhador conforme o seu contexto de trabalho e seus modos de subjetivação (MENDES, 2007).

Numa análise mais específica, faz-se necessária a abordagem do conceito de organização do trabalho, que representa a separação do trabalho, a informação que existe da tarefa, o sistema hierárquico, as modalidades de comando, as relações de poder, as questões de responsabilidade, dentre outros. De outro modo, as condições de trabalho representam o ambiente físico, químico e biológico, as condições de higiene e de segurança e as características antropométricas do posto de trabalho (DEJOURS, 1992). Dada a diferenciação, convém verificar o papel da organização do trabalho no âmbito psicossocial do trabalhador.

A organização do trabalho pode ser a grande causa de sofrimento psíquico e físico na vida do trabalhador, isto porque exerce sobre o homem uma ação específica, cujo conflito é no aparelho psíquico. Em certas condições, aparece um sofrimento que pode ser concedido ao choque entre uma história individual, portadora de projetos, de esperanças e de desejos, e uma organização do trabalho que as ignora. Esse sofrimento, de natureza mental, começa quando o homem, no trabalho, já não pode fazer nenhuma modificação na sua tarefa, no sentido de torná-la mais conforme as suas necessidades fisiológicas e aos seus desejos psicológicos –

isso é, quando a relação homem-trabalho é bloqueada (DEJOURS, 1992).

Na perspectiva de Dejours (2007), o embate entre a organização do trabalho e o funcionamento psíquico pode ser reconhecido como fonte de sofrimento. Esse sofrimento provoca as estratégias defensivas, isto é, reações do trabalhador para lidar de modo equilibrante com o conflito entre organização do trabalho e o próprio funcionamento psíquico.

Essas defesas são elaboradas pelo trabalhador para lutar contra a doença, a loucura e a morte. Por intermédio delas, o trabalhador relaciona com as situações de desprazer e as transforma, de alguma maneira, em prazerosas (DEJOURS, 1992).

Dejours (2004) também acredita que a evolução contemporânea das modalidades de organização do trabalho, gestão e administração, depois da virada neoliberal, incide sobre os princípios que sugerem, precisamente, o sacrifício da subjetividade em nome da rentabilidade e da competitividade.

Portanto, o sentido do trabalho será estabelecido pelo sujeito conforme a sua maneira de conduzir todos os fatores no seu dia a dia (GIUST-DESPRAIRIES, 2001).

Refletir, então, sobre subjetividade e trabalho remete a pensar nas diversas maneiras de relação do ser humano e o trabalho. Com suporte no que foi mostrado, é possível considerar que os fatores sociais, econômicos, políticos e outros interferem, ao mesmo tempo, na organização do trabalho e subjetividade do trabalhador.

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