• Nenhum resultado encontrado

Dimensão social da esfera jornalística

CAPÍTULO 4: GÊNEROS DO JHQ BRASILEIRO

4.1 Dimensão social da esfera jornalística

A esfera jornalística têm uma diversidade muito ampla de participantes: no jornal, há a figura do diretor, do editor-chefe, do secretário de redação, do editor de cadernos/editorias, do repórter, do fotógrafo, do freelancer; e, na outra ponta, temos os leitores. Esse grande número de participantes faz também com que o enunciado jornalístico tenha uma diversidade de autorias (Bakhtin não toma “autoria” como um termo empírico, ligado a uma pessoa física, mas à responsabilidade discursiva): repórteres, colunistas, colaboradores, editores e até o próprio veículo jornalístico são responsáveis pela notícia publicada em uma edição do jornal, por exemplo.

A produção de enunciados na esfera jornalística também prevê que o enunciado passe por diversas mãos antes de ser publicado de fato. Um repórter, por exemplo, escreve uma notícia, que passa pelos processos de revisão e edição (que envolve titulação, corte etc.) de outro(s) funcionário(s) do jornal. Essa hierarquia editorial de “aprovação” do texto existe até em pequenas publicações. Mesmo em artigos de opinião de colunistas, é comum haver revisão por parte de algum funcionário do veículo. Por isso, pode-se considerar que a própria empresa jornalística ocupa a posição de autor dos enunciados.

Até quando o enunciado jornalístico não foi publicado em um veículo, mas em um livro — como é o caso das três obras selecionadas para compor o corpus da pesquisa —, por exemplo,

o jornalista não pode ser considerado o único autor. Na grande maioria das editoras — excluindo empresas que publicam livros sob demanda —, o enunciado passa por revisões ortográficas, gramaticais e às vezes até jurídicas, além de processos de edição e acabamento artístico.

Assim como pertencem a diferentes autores, os enunciados da esfera jornalística possuem também uma diversidade de interlocutores, dependendo das características do veículo, editoria e até gênero do discurso. Jornais impressos como Folha de S.Paulo e O Estado de S.

Paulo, de circulação nacional, tendem a ver como público-alvo todas as pessoas letradas.

Revistas ditas “especializadas”, como a Quatro Rodas, da editora Abril, afunilam mais os seus interlocutores, já que são voltadas mais ao público letrado que se interessa por automobilismo72. No caso de publicações seriadas, como jornais e revistas, o interlocutor esperado do enunciado é o consumidor de produtos jornalísticos, que, no Brasil, é um público menor do que os consumidores de livros. Segundo a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil (FAILLA, 2016), do Instituto Pró-Livro, publicada em 2016, a porcentagem de leitores de jornais diários é a menor entre a população leitora do país: apenas 67% dos entrevistados declararam ler este tipo de publicação. No caso de livros, a porcentagem aumenta: 74% têm o costume de lê-los. Ao ser publicado em formato livro, caso das três obras selecionadas para o corpus, o enunciado jornalístico também se destina a outro tipo de interlocutor, e não somente àquele que tem o costume de consumir produtos jornalísticos de maneira rotineira.

A esfera jornalística produz enunciados em diversas mídias, como jornais impressos, revistas, sites, canais de televisão e rádios. Os gêneros do discurso sofrem modificações a depender da mídia, mas nem todas as mudanças alteram o gênero do enunciado: “A questão é que tipo de modificação de qual propriedade (potencialidade) pode implicar numa modificação e se é o caso de uma única propriedade ou uma dada conjunção de propriedades” (SEIXAS, 2009, p. 301).

É possível perceber semelhanças entre uma entrevista publicada em um jornal impresso e uma veiculada em um programa jornalístico televisivo. Na televisão, é possível perceber os tons e as ênfases na fala do entrevistado, mas o gênero discursivo permanece o mesmo.

Sobre a interação autor/leitor, os enunciados jornalísticos não acontecem no mesmo espaço e tempo físicos e não ocorrem sem mediação (RODRIGUES, 2004). O leitor só terá acesso ao enunciado depois que ele for publicado. Antes disso, o jornalista o terá produzido, e

72 A editora Abril disponibiliza, inclusive, informações sobre sua audiência. É possível conferir dados sobre sexo,

idade e até classe social. No caso da Quatro Rodas, por exemplo, a maior audiência é masculina, possui de 30 a 39 anos e são da classe social B. Disponível em: http://publiabril.abril.com.br/marcas/quatro-rodas/ plataformas/revista-impressa. Acesso em 20 mai 2019, às 13h47.

ele poderá ser reescrito e editado por outros funcionários do veículo em que trabalha. Os gêneros do discurso jornalístico, portanto, são mediados pela esfera jornalística: ou pelo veículo, ou pelas mídias pelas quais os enunciados circulam, como as redes sociais.

Entre o processo da produção e o da interpretação dos enunciados na comunicação jornalística, há o espaço do trabalho de mediação da esfera jornalística, que ‘regulamenta’ as diferentes interações nesse espaço, ‘filtra’, ‘interpreta’ (impõe um acento de valor) e põe em evidência os fatos, acontecimentos, saberes, opiniões etc. que farão parte do universo temático-discursivo jornalístico (RODRIGUES, 2004, p. 170-171).

Vale ressaltar a questão do tempo da interação: por mais que a interação de um enunciado do discurso jornalístico não aconteça no mesmo momento de sua produção73, em muitos gêneros a distância temporal entre esses dois momentos não pode ser muito grande. Uma notícia que ainda não foi publicada em outro jornal (o chamado “furo”, como explica Traquina) tem mais valor jornalístico. Mesmo gêneros como reportagens e perfis, que não têm o mesmo caráter emergencial, tendem a ser publicados antes que um veículo concorrente apresente enunciado parecido.

Rodrigues (2004) aponta também para a periodicidade na esfera jornalística: muitos gêneros do Jornalismo são esperados. Existem diferentes tipos de veículos e cada um possui uma periodicidade previamente estabelecida. Na mídia impressa, existem jornais impressos diariamente, cadernos especiais que saem em um dia específico da semana (como o caso do

Guia Folha, que é publicado junto com o jornal Folha de S.Paulo às sextas-feiras), revistas

semanais etc. Um acontecimento importante, como a explosão de uma bomba, certamente será objeto de notícias em sites jornalísticos e em jornais impressos. A mesma explosão poderá ser explorada em reportagens ou ter alguns de seus aspectos narrados por outros gêneros em uma revista dias depois74.

Isso não quer dizer, no entanto, que todo enunciado jornalístico é previsto: casos como investigações feitas por repórteres ou assuntos de interesse humano também pertencem ao leque de objetos dos gêneros.