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5 ANÁLISE E DISCUSSÃO

5.2.2 DIMENSÃO RELACIONAL DO PROCESSO DE INCLUSÃO

5.3 ASPECTOS SUBJETIVOS

5.3.1 DIMENSÃO SUBJETIVA DO PROCESSO DE EXCLUSÃO

A exclusão social deve ser considerada um processo sócio-histórico, configurado em todas as esferas da vida social, mas que é vivida como necessidade do eu, como sentimentos, significados e ações.

O aspecto subjetivo da exclusão traz efeitos sociais e psicológicos, pois essas subjetividades não podem ser explicadas unicamente pela determinação econômica, já que elas determinam e são determinadas por formas diferenciadas de legitimação social e individual e manifestam-se no cotidiano como identidade, sociabilidade, afetividade, consciência e inconsciência (Sawaia, 2004).

Falar de subjetividade relacionada ao fenômeno da exclusão social é referir aos sentimentos e à humilhação que os excluídos enfrentam.

O sofrimento que advém da situação de exclusão social, segundo Sawaia (2004), é a dor de ser tratado como inferior, subalterno, sem valor, apêndice inútil da sociedade. É a tonalidade ética que acompanha a vivência cotidiana da desigualdade social, a negação imposta socialmente às possibilidades de apropriação de produção material, cultural e social de se movimentar no espaço público e de expressar desejo e afeto. Evidencia-se que os excluídos padecem de uma questão material “morrem de fome”, mas, igualmente “morrem de tristeza pela carência de dignidade”.

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O sofrimento que as pessoas em sofrimento psíquico enfrentam é o de ser tratado como inútil por não ter um trabalho, ser visto como um incapaz, como uma pessoa perigosa e que deve ser excluída da sociedade e de não ter as suas potencialidades vistas.

A sensação de inutilidade é sempre geradora de sofrimento psíquico que, neste caso, pode ser considerado sofrimento social (Carreteiro, 2004).

Paugan (2004) e Barreto (2008) ressaltam que as pessoas que sofrem com a exclusão social internalizam a desvalorização que ouvem durante sua vida, gerando pessoas com baixa auto-estima, pessoas que não acreditam em sua capacidade que interiorizam uma identidade negativa; como pode ser observado nas falas a seguir:

Mirfak: Eu começo uma coisa e paro, acabo fazendo outra e antes de terminar volto para aquela que parei. Eu sou assim, muito inconstante. Eu gosto de ir ao cinema, de ouvir música e de ler enciclopédia. Eu faço muitas coisas ao mesmo tempo, mas não faço nada direito (...) Mirfak: Eu quero ser uma escritora, mas eu sou preguiçosa e acabo não indo atrás disso.

Aldebarã: Eu era muito inteligente, era muito bom na guardinha (...) Vega: Quando o cérebro não trabalha a gente não é nada.

Vega: Eu era uma demente, toda molenga.

Sirius: Tenho muito medo de namorar e de me acharem uma coitada porque não faço nada.

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Mirfak internalizou uma identidade na qual é preguiçosa, inconstante, que não consegue terminar nada e que não faz nada direto, explicitando sua baixa auto-estima.

Aldebarã afirma que era inteligente, portanto, atualmente não se considera uma pessoa inteligente.

Na fala de Vega, podemos observar a internalização de aspectos negativos: de demente, de molenga, de não existência (a gente não é nada) e outros.

Sirius relata que tem medo de ser considerada uma coitada e uma inútil, na verdade, ela projeta algo que sente porque internalizou uma identidade de inutilidade e de coitada.

Sentir-se inferior, sentir-se à margem, ser desclassificado faz com que o indivíduo desestabilize suas relações com o outro, leva-o a fechar-se sobre si mesmo (Paugam, 2004), como podemos verificar nas falas:

Antares: (...) falaram que iriam me ajudar a voltar para onde eu morava, mas eu pontuei que não quero porque lá sabem que eu tentei me matar e vão achar que eu sou louca e aqui ninguém sabe do meu problema e todos conversam comigo. Aqui é outra coisa! Como eu vou voltar para um lugar no qual eu vou passar na rua e as pessoas vão ficar me olhando de rabo de olho e fica uma conversinha.

Sirius: Tenho muito medo de namorar e de me acharem uma coitada porque não faço nada.

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Antares não se isola, mas opta por “fugir”. Ela muda para outro lugar no qual as pessoas não a conhecem; nem conhecem sua história, podendo criar novas possibilidades de relação.

Na fala de Sirius, podemos observar o prejuízo das relações, pois até a impedem de procurar um relacionamento amoroso com medo que ele considere que ela é uma coitada e uma inútil.

Faz-se perceptível a profundidade da vivência da exclusão social e suas conseqüências na subjetividade da pessoa que se sente diminuída e humilhada, evidenciando, também, a importância de compreender esse processo para ser transformado.

Segundo Martins (1997), o excluído está em situação de carência material, mas, sobretudo, não está sendo reconhecido como sujeito, que é estigmatizado, visto como nefasto ou perigoso pela sociedade.

Freqüentemente, percebemos o quanto a pessoa em sofrimento psíquico não é vista como um sujeito e por internalizar a desvalorização que ouve, acaba sendo muito mais sujeitada do que sujeito de sua vida. Por isso, a importância do profissional de saúde ao acreditar na capacidade das pessoas em sofrimento psíquico e enfatizar suas potencialidades, transformando esta internalização de desvalorização para um vir a ser, ou seja, de desvalorização para possibilidades de ser, tornando-se sujeito de sua vida.

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Heller (1979) considera que a pessoa afetada pela exclusão social sente vergonha e culpa por sua situação. Estes sentimentos podem ser observados nas falas:

Mirfak: eu sempre dei trabalho para os meus pais. Trabalho por causa da minha dificuldade no estudo e dos problemas com a religião. Mirfak: Na minha infância eu era mais alegre, porém dei trabalho para minha mãe porque eu tinha dificuldades na escola.

Vega: Eu passava os dias deitada e cheguei até urinar nas calças. Minha irmã sofreu muito comigo... Não é fácil cuidar dessas pessoas que tem problema.

Mirfak ao falar que deu trabalho para os pais, demonstra sentimento de culpa e Vega, também, expressa este sentimento de culpa ao falar que sua mãe e sua irmã sofreram com ela. Desta forma, podemos perceber que elas se sentem um peso para seus familiares, ressaltando apenas suas dificuldades.

Heller (1979) afirma que estes sentimentos de culpa e vergonha possuem a função de manter a ordem social dos excludentes. Ressalta, também, que a vergonha das pessoas e a exploração social caminham juntas, porque as emoções estão continuamente em construção, porque são fenômenos históricos e sociais.

A autora citada defende que os sentimentos de culpa e vergonha são utilizados para que as pessoas se imobilizem e não consigam achar formas de

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enfrentamento e mudança. Estas pessoas particularizam situações que são sociais.

Os sentimentos de vergonha e de culpa que algumas pessoas em sofrimento psíquico possuem, podem imobilizá-las, prejudicando a percepção de caminhos para a superação.