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5 ANÁLISE E DISCUSSÃO

5.2.2 DIMENSÃO RELACIONAL DO PROCESSO DE INCLUSÃO

5.3 ASPECTOS SUBJETIVOS

5.3.2 DIMENSÃO SUBJETIVA DO PROCESSO DE INCLUSÃO

Quanto ao aspecto subjetivo da inclusão social, podemos evidenciar os sentimentos de felicidade, de pertencimento, de autonomia, de auto-realização, de cidadania, de auto-estima e de potência. É sentir-se capaz de lutar por melhorias na qualidade de vida.

Na vida concreta das pessoas, encontramos possibilidades para a potência de ação que é um potencial que o indivíduo apresenta e que permite sua afirmação e sua expansão, podendo ser ativado e desenvolvido (Espinosa 1957).

Esta potência de ação pode ser ativada por práticas de inclusão que visam a restabelecer a relação do indivíduo com ele mesmo, produzir novas relações sociais, restituir os direitos civis, ativar dispositivos que permitam ao sujeito ter um rendimento para poder ter acesso aos intercâmbios sociais (Rotelli, 1990) e novas possibilidades de ser e estar, respeitando as singularidades de cada pessoa .

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Podemos observar esta potencia de ação nos seguintes relatos:

Aldebarã: Depois fui servir o exército, fiz todos os exames e passei.... Eu gostava muito de servir o quartel, servir a minha pátria e ter o documento do exército na carteira. Quando eu entrava no ônibus com o uniforme todo mundo me olhava. Eu era importante, era forte. Aldebarã: A minha carteira de reservista, não sei se está comigo ou com o meu pai, eu perdi a primeira e segunda via.

Vega: Devagar eu comecei a falar e ela me perguntou o que eu queria fazer na vida. Eu afirmei que gostaria de voltar a estudar porque lá poderia ter amigas, e isto seria uma alegria para mim e também possibilitaria que no final de semana eu pudesse estudar, pois nos finais de semana não tinha o que fazer e nem para onde ir.

Vega: Tenho um irmão que está fazendo hemodiálise e mora num quarto e cozinha no terreno dessa casa, pois não tem condições de pagar aluguel. O meu outro irmão falou que era para eu mandar ele para fora ou cobrar aluguel. Ele é muito egoísta. Falei que se ele puder ou não eu vou pagar a luz e a água sozinha, mas não o ponho para fora (...)

Vega: Eu enfrentei e enfrento tudo, pois era para eu estar internada na psiquiatria por causa de tudo que me aconteceu. Mas eu levantei a cabeça e falei para Deus que iria enfrentar tudo. E eu vou enfrentar tudo porque não sou preguiçosa (...)

Vega: Acabei indo morar nesta casa que era da minha mãe que estava fechada desde a sua morte.

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Vega: (...) o meu marido está pensando em ir embora para Santos. O meu irmão está doente, não tem filho é aposentado e se ele quer ir para Santos tudo bem. Mas eu tenho responsabilidade, ainda tenho vida e não tenho a doença que ele tem. Ele é muito trabalhador, mas com esta doença, ele precisa ter a vidinha dele, comer o peixe que ele tanto gosta, mas eu tenho que pagar o imposto, e tem a faculdade que eu quero fazer.

Vega: Outra coisa que me ajudou muito, foi a igreja.

Na fala de Aldebarã, podemos observar o quanto o exército foi importante para ele, despertando sentimentos de pertencimento e de cidadania (gostava de servir a minha pátria). Para ele, o exército foi um instrumento de inclusão que o aceitou. O período que ficou no exército, possibilitou-lhe a construção de uma identidade de capacidade, de possibilidade e de auto- estima, ficando explícito o quanto ele se sentia importante por estar fardado.

Simbolicamente a farda representava uma identidade de possibilidade, combatendo a identidade construída pelo estigma da incapacidade do doente mental. Depois de “sua saída” do exército, foi a carteira de reservista que ficou simbolizando esta identidade de possibilidade a qual está na 3ª via, pois acabou perdendo as outras, porque fazia questão de andar com ela para mostrar às pessoas, como se fosse uma garantia de possibilidade de ser visto, como pessoa e não como doente.

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No discurso de Vega, podemos observar sua potência de superação. Ela que teve uma identidade de “incapaz” e de ser um peso para sua família, pois ninguém quer ficar com ela. Atualmente, consegue se ver como capaz, passa de uma identidade de doente que precisa ser cuidada, para uma identidade de cuidadora, que arca com as despesas da casa sozinha, cuidando de seu irmão e explicitando a sua autonomia.

Vega conhece sua potência e acredita em sua capacidade de superação e de transformação da realidade, como fica demonstrado no trecho “Eu enfrentei e enfrento tudo (...)”.

A fala de Vega, também,mostrou a importância da escola como um lugar de inclusão, possibilitando o sentimento de pertencimento, de possibilidade e de cidadania.

A religião, também, pode ser um lugar de inclusão, como uma possibilidade de fortalecimento, de pertencimento, de trocas de afeto e de construção de vínculos.

O trabalho é outra possibilidade de inclusão que estimula as possibilidades de fortalecimento, de pertencimento, de trocas de afeto e de construção de vínculos, mas discutiremos este aspecto na dimensão material.

Sawaia (2004) discute a felicidade sob dois aspectos, um que ela chama felicidade pública que é a vitória como conquista da cidadania e da emancipação de si e do outro e a outra chamada de felicidade ético-política que

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é experienciada à medida que se sai do individualismo para abrir-se para a humanidade.

Os dois aspectos de felicidade podem ser vistos na fala de Vega: a felicidade pública ao sair da dependência e da incapacidade para a independência e autonomia e a felicidade ético-política que fica evidente nas falas:

Eu jamais colocaria o meu irmão para fora. Falei que se ele puder ou não eu vou pagar a luz e a água sozinha, mas não o ponho para fora. Não vou por para fora uma pessoa do meu próprio sangue. Eu gosto muito deste irmão, eu faço o cabelo e as unhas dele. Hoje, eu pago o imposto da casa sozinha (...)

(...)E é por isso que vou trabalhar e vou comprar as minhas coisas e vou ajudar os outros, porque as pessoas precisam ajudar o outro.

Nesta fala, Vega consegue sair do individualismo para ver a necessidade do outro. Este outro é seu irmão que está precisando de ajuda, assim, como ela precisou.

Portanto, para conseguirmos efetivar a inclusão social das pessoas em sofrimento psíquico precisamos estimular a potência de ação dessas pessoas.

Sawaia (2004) cita que a psicologia social propõe um convite à vida, mesmo que seja uma vida sofrida; um convite à transformação das relações

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objetivas que aprisiona as emoções, a aprendizagem, a humanidade e a sensação de impotência transforma-se em energia e força para a luta.

Acreditamos que este convite à vida, à transformação, à felicidade seja uma tecnologia de cuidado fundamental para os profissionais de saúde, mas, para isto é necessário acreditar em sua potência de ação e na potência da pessoa que tem sofrimento psíquico.