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Capítulo III – Recuperação institucional e pobreza

1. O retorno do IPEA e o embate entre técnica e política na discussão sobre o social (1991-

1.3. O dimensionamento dos problemas sociais

Roberto Cavalcanti conta (D’ARAÚJO, FARIAS e HIPPOLITO, 2004: 193) que quando retornou ao IPEA no começo da década de 1990 (já fora superintendente do IPLAN na década de 1970 e, depois disso, assumiu diversos cargos na administração pública fora do IPEA), começou a trabalhar na produção de indicadores sintéticos para a área social, na unidade carioca do instituto. Sua avaliação é a de que não havia muito interesse, no IPEA- Rio, por este tipo de trabalho, mas mesmo assim formou uma equipe e teve todas as condições para realizá-lo. Na unidade de Brasília, tendo se acentuado, com a crise institucional, seu perfil de instituição de pesquisa, já havia alguns pesquisadores interessados em explorar as possibilidades abertas por novos recursos técnicos de análise de dados e por novas abordagens apresentadas por organismos internacionais. Assim, o projeto reuniu pesquisadores com esse interesse comum e produziu o estudo chamado Brasil Social: realidades, desafios, opções (ALBUQUERQUE, 1993). Cavalcanti também coordenava as atividades do Instituto Nacional de Altos Estudos, INAE, centro criado pelo ministro Velloso no Rio de Janeiro. Nos fóruns promovidos pelo INAE, estão sempre presentes pesquisadores e ex-pesquisadores do

131 Por meio de um ex-funcionário do Ministério do Planejamento, tivemos acesso a um fax enviado pela

presidente do IPEA Aspásia Camargo ao ministro Alexis Stepanenko, em que sua intercessão em favor da instituição fica clara. Ela dá um panorama da situação apresentando a desvalorização dos salários (“já chegaram

a 3.500 dólares, hoje se reduzem a menos de 1.000 dólares”) e a comparação com outras instituições, em

número de funções gratificadas (“na LBA é de mais de 1.000, no IPEA é de apenas 56”). Menciona, ainda, o desparecimento de áreas inteiras de pesquisa, por falta de técnicos, e a fragmentação institucional que resultava das sucessivas tentativas de ministros e presidentes de aproximar o instituto dos principais ministérios, depois das crises dos anos de 1980 e do período Collor. Termina a mensagem dizendo que sua “esperança” e “certeza é

de que possamos, agora, redefinir suas funções no contexto do planejamento democrático, descentralizado e participativo. A reestruturação do IPEA parece inseparável de uma reforma, urgente, do Estado brasileiro”

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IPEA, bem como administradores ou ex-administradores públicos. O fórum de 1994 foi dedicado também aos problemas sociais, reforçando dessa maneira, a percepção de crescente interesse pelos temas sociais. Linhas de pobreza já vinham sendo traçadas no IPEA-Rio também desde fins de 1980, de modo que o Mapa da Fome não emerge num contexto sem antecedentes.

A introdução d’O Brasil Social faz uma avaliação a respeito da produção de estudos voltados para a análise de problemas sociais daquele momento: havia poucos trabalhos propositivos e pouco se sabia, com segurança, sobre as dimensões dos problemas tratados. Daí que seus objetivos fossem exatamente esses: identificar e caracterizar os problemas mais graves e propor intervenções para sua resolução. A parte diagnóstica do estudo é feita, então, por meio da seleção e análise de indicadores sociais, bem como da produção, novidade para o momento, de indicadores sintéticos. Em ambas as linhas, mas especialmente nesta última, a referência à produção internacional sobre o assunto indica a importância conferida a ela na formatação do estudo. De outro lado, tratando-se o coordenador do trabalho de pesquisador formado na tradição da defesa do planejamento coordenado pelo Estado, a ideia de desenvolvimento é central na organização dos diferentes temas tratados. Esforçando-se para elaborar uma proposição de planejamento adequada ao cenário democrático, propõe que ele seja pensado como reunindo quatro racionalidades distintas (econômica, política, social e dialógica) e que o desenvolvimento seja entendido como mais que crescimento econômico, mas como desenvolvimento humano.

Neste ponto, a referência é o Relatório de Desenvolvimento Humano lançado naquele 1990 pelo PNUD, com o correspondente cálculo do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). É curiosa a observação crítica feita por Cavalcanti, ao citar a nova noção, de que o adjetivo “humano” seria dispensável na medida em que o que se buscava era, justamente, a superação da compreensão estritamente econômica do tema. O uso do termo criava, portanto, uma redundância desnecessária. Esta crítica, no entanto, é interessante por permitir a apreensão, como tal, de um momento ainda primeiro de contato com a nova abordagem e sinaliza a fase inicial de encontro entre duas correntes de trabalho com origens diversas. De um lado, a situação interna do país já vinha empurrando pesquisadores do IPEA e seus interlocutores no sentido da busca por um discurso de desenvolvimento que desse conta dos problemas sociais criados nos anos de crescimento econômico acelerado. De outro, a oferta de um conjunto já pronto de ideias a respeito de tema semelhante, mas a partir de outras

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motivações e cenários, por parte de organizações internacionais. Nesse caso específico, o PNUD. Com o tempo, a tendência é de acomodação entre as duas correntes e, ainda que com possíveis ressalvas pontuais, de adesão do esforço interno ao ideário externo132.

A despeito desse processo de acomodação que só posteriormente se mostrará com mais vigor, na relação estabelecida entre desenvolvimento e planejamento, o texto apresenta um exercício para combinar considerações políticas, sociais e históricas para o alcance do objetivo de “crescimento com equidade”. As análises e interpretações levam à descrição dos padrões do desenvolvimento brasileiro nas duas décadas anteriores e de seus efeitos para as condições de vida da população e à posterior escolha de uma estratégia específica de desenvolvimento133, a partir da qual são feitas sugestões de prioridades e políticas de intervenção nos campos e questões selecionados - desigualdade de renda, educação básica, pobreza absoluta, condições habitacionais e evolução demográfica.

Não é o caso de explorar a forma como são entendidos os âmbitos histórico (com referências ao passado colonial, mas sobretudo como evolução dos índices e indicadores no tempo) ou político (com referências a relações de poder, mas sobretudo a variáveis de processos eleitorais), mas é interessante a existência do esforço para considerá-los. A

132 A ideia de adesão do discurso interno ao externo define-se no sentido do que, de maneira mais ampla,

procura-se mostrar ao longo da tese. Ideias produzidas em instituições internacionais são absorvidas por diferentes atores sociais (o IPEA é um importante canal para essa incorporação) e combinam-se com maior ou menor facilidade às ideias que circulam internamente. O caso do IDH será abordado mais adiante pelo esmero dos esforços para sua divulgação no Brasil. A menção a ressalvas pontuais, por sua vez, diz respeito a críticas também diversas, que vão de opiniões pessoais a críticas mais institucionalizadas a aspectos metodológicos, por exemplo. Embora manifestações desses tipos tenham sido registradas em entrevistas, elas não ultrapassam a sala do pesquisador ou as paredes da instituição, não interferindo, ademais, no caráter mais abrangente do alcance atingido por esses ideários.

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As estratégias possíveis são a neoliberal, a social democrata e a pós-liberal. A primeira está definida pela centralidade da liberdade de mercado e clara delimitação de atribuições e papéis entre as esferas pública e privada. Na segunda estratégia, a social democrata, as atribuições do Estado são ampliadas por meio de sua participação na resolução dos conflitos e incertezas sociais geradas pelo mercado e em situação de escassez de recursos. Uma máquina burocrática bem desenvolvida, maior intervenção do Estado no âmbito privado e maior interdependência entre ele e o setor público são outras características. A primeira e a segunda estratégias não seriam as mais as mais adequadas para o caso brasileiro daquele momento, segundo o autor, porque historicamente o país não tinha experiência de plena liberdade de mercado e porque a ampliação das atribuições públicas eram incompatíveis com a situação econômico-financeira do Estado, causando, respectivamente, mais obstáculos que soluções. A opção pós-liberal, em que o Estado assume a função de orientador e coordenador das atividades a serem empreendidas principalmente por atores privados, com os quais se relaciona por meio da negociação e do diálogo seria a mais adequada porque, contando o país com quadros competentes e a sociedade com mecanismos de controle social, enfrentaria com maior facilidade os problemas de déficit econômico e práticas patrimonialistas, realizando com maiores chances de êxito a transição do momento de crise para uma situação futura desejada. (ALBUQUERQUE, 1993: 470-473).

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quantidade de indicadores e índices (como os de desenvolvimento global, de nível de vida, de desenvolvimento humano para estados do Brasil) envolvida na empreitada diagnóstica não exclui análises e interpretações que localizam os problemas estudados em seus contextos sociais e econômicos, produzidos por decisões regidas por determinados objetivos e em dado momento; ainda que, por exemplo, em comparação com o documento para circunstanciar os trabalhos com indicadores sociais, nos anos de 1970, no IPEA-Brasília, a inserção dos elementos contextuais seja completamente diversa134. Para os fins deste trabalho, os capítulos dedicados à desigualdade de renda e à pobreza absoluta merecem atenção mais detida.

O capítulo dedicado à desigualdade de renda é apresentado como pertencente à linha de trabalho estabelecida no IPEA-Rio que tem como objetivo mensurar e explicar o fenômeno da desigualdade brasileira. Recorrendo a esses estudos, a família é definida como unidade de análise, a renda como renda familiar per capita e o escopo da discussão nos seguintes termos: “a compreensão do problema distributivo em nosso país requer o estudo dos determinantes das remunerações do trabalho. Estes dependem, por sua vez, dos atributos da mão-de-obra, das características das firmas, e do contexto institucional que regula o funcionamento deste mercado” (idem: 136). Assim, o texto busca definir o peso de diferentes variáveis relacionadas a esses eixos (chamados de heterogeneidade dos trabalhadores e segmentação no mercado de trabalho), na produção das desigualdades de renda demonstradas pelos indicadores. Na consideração de outros determinantes, é destacado o papel da inflação. No que diz respeito à heterogeneidade dos trabalhadores são considerados os diferenciais de produtividade em função da escolaridade e experiência no mercado de trabalho. No que diz respeito à segmentação do mercado, trata-se de condições como registro em carteira, trabalho em empresas públicas ou privadas, setor de atividade. O investimento em educação, a busca pelo fim da inflação e pela estabilidade econômica e a oferta de políticas assistenciais compensatórias formam o cerne das orientações para o enfrentamento do problema.

O capítulo dedicado à análise da pobreza absoluta faz considerações conceituais (como a diferença entre pobreza relativa e absoluta), cita problemas causados pela definição exclusivamente monetária de pobreza e pela limitação de dados existentes e discute as contradições implicadas na busca simultânea por, usando os próprios termos do autor, eficiência econômica e equidade. Sua análise, então, estabelece uma linha de pobreza definida em “um quarto do maior salário mínimo vigente no país em 1980” (idem: 202) e caracteriza

134 Ver item 1.2 do capítulo II desta tese.

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sua ocorrência em números absolutos, sua incidência por regiões do país, em áreas rurais e urbanas e o fenômeno da concentração da pobreza em regiões metropolitanas. Concluindo com a afirmação do recrudescimento da pobreza ao longo dos anos anteriores e tendência a seu agravamento nos seguintes, o texto apresenta como as principais causas para essa situação os choques externos da década de 1970, as políticas de ajustamento interno que se seguiram na década posterior e o que o autor denomina de passividade das políticas sociais existentes. Instituições internacionais como a ONU e o Banco Mundial enfatizavam, segundo ele, a necessidade de “mudança de atitude” em relação ao aumento da pobreza e da desigualdade de renda. As orientações para uma “estratégia antipobreza” são, portanto, a promoção do trabalho (acesso ao crédito e à terra) e oferta e garantia de acesso à infraestrutura social (nutrição, educação, saúde), na linha preconizada pelo Banco Mundial, da construção de uma rede de proteção a essa população.

Alguns pontos chamam a atenção nestes dois textos. Na comparação entre eles, a forma pela qual definem as causas dos problemas que são seus objetos. No caso da desigualdade de renda, apesar da tradição de debate sobre o problema da concentração como decorrência do tipo de desenvolvimento implementado no Brasil, a questão não é tratada nesses termos. Diferentemente, centra-se nas características dos atores e do mercado, estabelecendo graus diferenciados de influência de determinada variável na configuração do fenômeno em discussão. A pobreza, por sua vez, é relacionada aos acontecimentos de determinado momento histórico, concorde-se ou não com a seleção daqueles e não de outros fatores. Outro ponto é a ausência de menção, no primeiro artigo, a alguma política de geração de emprego como parte da intervenção em favor dos mais pobres, possibilidade apresentada no capítulo sobre pobreza. Finalmente, o capítulo sobre a desigualdade de renda - exceto pela menção ao “caráter imperioso” do objetivo de alteração de sua concentração, pela política de desenvolvimento (idem: 135) – concentra-se nas variações de resultados (a desigualdade entre rendas) obtidos pelas combinações diversas das mesmas variáveis que são seu ponto de partida e compõem também sua conclusão, ou seja, as características dos indivíduos e famílias na interação com as características do meio (neste caso, do mercado de trabalho e das políticas de estabilização).

Tratam-se, assim, de duas formas diversas de compreensão dos problemas. Num primeiro momento a ressalva de que se dedicam a questões distintas – um aborda a concentração de renda e o outro a pobreza – poderia parecer suficiente para encerrar o

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assunto. Do ponto de vista da história institucional, também seria argumento conclusivo a afirmação de que o que se vê nessa comparação nada mais é do que a pluralidade de linhas de trabalho e liberdade para sua aplicação na produção da casa. Contra esta afirmação não há nada a dizer. A questão, entretanto, é que, do ponto de vista da produção da instituição para outros espaços sociais, sejam governos, universidades ou, no limite, a sociedade, essa diferença é significativa. Por outro lado, sobre a primeira afirmação – a respeitos dos objetos distintos –, trata-se de meia verdade, pois é possível destacar a diferença de construção e análise das questões, resguardando as especificidades de seus objetos. A característica para a qual interessa chamar a atenção é a maneira de definir o objeto, de dar-lhe forma e conteúdo. No caso da desigualdade de renda, características individuais ou do contexto são destacadas de seu meio e manejadas como variáveis de maneira que se descubra quais são mais relevantes para a produção do fenômeno. No caso da pobreza, condicionantes históricos e políticos levam a uma situação de empobrecimento da população, cujo dimensionamento é dado pelas variáveis consideradas sinalizadores adequados de ocorrência da pobreza. Ainda que desigualdade de renda pressuponha ou sugira uma medida em algum sentido mais processual (no caso da concentração) ou relacional (partes com mais e partes com menos), seu tratamento a autonomizou de qualquer contexto. Ao contrário da de pobreza, cujo dimensionamento caracteriza um problema que, imbricado a causas sociais, deve ser enfrentado com políticas que desconstruam ou vão de encontro a efeitos de determinadas medidas tomadas em contextos passados. Ressalte-se, novamente: ainda que se discorde das causas selecionadas.

Por meio desse exemplo se insinua uma questão geracional que também se apresentará em sua plenitude na trajetória posterior do IPEA. Embora não necessariamente em termos estritamente etários e com variações de rigidez ou nitidez, há uma distinção entre perfis de formação, de abordagem ou pesquisa no interior do IPEA. A tendência mais liberal no Rio e mais desenvolvimentista em Brasília já foi apresentada. A entrada de pesquisadores com robusto arsenal de técnicas quantitativas gerando uma diferenciação entre economistas soft e hard, na década de 1980, é outro marco nessas diferenciações. Seria possível identificar diferenças entre os capítulos reunidos na publicação analisada a partir de distinções como essas. Sob essa perspectiva, o capítulo sobre desigualdade de renda chama atenção por ser o ponto fora da curva. Seu investimento quase exclusivo nas experiências com os dados distingue-o dos demais. Apesar do fato de que todos trazem resultados de pesquisadores que

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investiam em áreas já inicialmente exploradas (no caso dos indicadores sociais) ou de impulso relativamente novo (no caso dos índices), ainda predominam textos que inserem esses novos recursos em uma perspectiva mais ampla de compreensão dos dados. Ou seja, a interpretação ou explicação dos problemas dimensionados trazem leituras da realidade, não se restringindo aos dados que os dimensionam. Não por outro motivo que o artigo sobre pobreza trabalhe com uma linha de pobreza de um quarto de salário mínimo. A questão não está em que o autor trabalhe a partir de uma referência que poderia ser chamada de ultrapassada, já que linhas de pobreza mais sofisticadas já eram produzidas no interior do próprio IPEA. O ponto está em que as questões colocadas pelo artigo são trabalhadas em outro registro. Embora não fosse o caso de desprezar uma medição mais pormenorizada do fenômeno, a medição não é o foco, mas o meio para a discussão de um problema social.

No entanto, o hiperdesenvolvimento da técnica não foi sem consequências. A publicação d’O Brasil Social se deu no mesmo ano de lançamento do Mapa da Fome, 1993, mas foi a repercussão deste último que mobilizou a crítica dos especialistas do IPEA no Rio de Janeiro. Restrita, em grande parte, ao âmbito interno da instituição, ela é resgatada pela lembrança de outros pesquisadores da área social do IPEA e de suas principais protagonistas: de um lado Sônia Rocha e, de outro, Anna Peliano. A polêmica se deu em torno do número de 32 milhões de pobres. Embora o Mapa da Fome não tenha mencionado o estabelecimento de uma linha de pobreza, a forma pela qual o dado de 32 milhões foi obtido e apresentado conduzia ao tipo de raciocínio característico deste tipo de instrumento: “nove milhões de famílias, cuja renda mensal lhes garante, na melhor das hipóteses, apenas a aquisição de uma cesta básica de alimentos capaz de satisfazer suas necessidades nutricionais” (MAPA, 1993: 5). O estabelecimento do custo de uma cesta básica mínima e sua relação com a renda das famílias era o trabalho ao qual Sônia Rocha vinha se dedicando desde fins da década anterior, o que a levou ao questionamento das formas como os cálculos do Mapa haviam sido realizados. No entanto, as críticas vão além desse terreno e mesclam-se, de cada um dos lados da contenda, argumentos técnicos e posicionamentos distintos a respeito do próprio tema dos problemas sociais e da intervenção do Estado na área social. Nesse sentido, os argumentos atualizavam as divergências, grosso modo, definidoras das características de atuação das unidades do Rio e de Brasília.

De um lado, Peliano recorda que estudos de linha de pobreza vinham sendo realizados no momento em que Betinho mobilizou os envolvidos no debate a respeito da fome para a

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necessidade de localizar famintos e produção de alimentos. Apesar do reconhecimento da fragilidade dos dados disponíveis, a decisão pela produção do documento foi também política, em razão do momento de mobilização que se vivia então. Do lado oposto, também em retrospectiva, Rocha considerava que a despeito do valor da mobilização, a abordagem do problema era assistencialista e que a “chamada da fome foi equivocada”135. O assistencialismo se revelava, em sua perspectiva, pelo apelo que o tema da fome exerce sobre as pessoas, substituindo a ação racional do Estado. Já no que se referia ao método com que se chegou ao número de 32 milhões, a avaliação de Rocha centra-se na crítica ao que identifica como falta de rigor e cientificidade do trabalho. Peliano, por sua vez, compara o método utilizado no Mapa com o que afirma ser a metodologia utilizada por Rocha e reforça, na comparação, o elemento algo arbitrário que está implícito no estabelecimento de qualquer linha de pobreza; arbitrariedade reconhecida por todos os pesquisadores entrevistados para esta pesquisa.

Assim, a despeito dos argumentos e suspeitas lançadas de parte a parte, o Mapa da Fome é defendido por sua coordenadora a partir do valor mobilizador de seu resultado. O cenário público e a intervenção social do governo federal são os validadores de sua posição. De maneira distinta, as linhas de pobreza produzidas por Sônia Rocha são defendidas por ela a partir do valor técnico de seu método, atestado, por sua vez, pela adoção delas pelo Banco Mundial como as linhas de pobreza oficiais para o Brasil.

“(...) Eu sei que fizemos o mapa, com todos os percalços. Era um