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Dinâmica da escrita – descrever a minha experiência: da prática à pesquisa

No documento Faculdade de Ciências Humanas e Sociais (páginas 51-55)

Postura Epistemológica e Metodológica

Capίtulo 2: Metodologia de investigação

2.2. Dinâmica da escrita – descrever a minha experiência: da prática à pesquisa

O meu percurso de mulher em movimento deu-me ferramentas sólidas e completas de exploração da experiência sensorial. No meu caminhar identitário, soube construir a minha relação com o sensível de forma autónoma, acolher os fenómenos perceptuais que emanam do modo de fazer sentido para mim e para a minha vida. Identifiquei, em parte, todas as formas de construir um projecto, de entrar em relação com o Sensível e de acolher o seu sentido; ainda observei aquelas etapas que passam por mim num movimento interno evolutivo.

Uma das características do estudo fenomenológico situa-se na produção duma descrição do objecto de estudo. O terreno desta pesquisa não se pode definir como o conjunto de condições sociais e / ou individuais, acontecimentos ou contextualizações. Não estamos numa situação de observador exterior como é o caso das pesquisas quantitativas clássicas. Como investigadora praticante do sensível, ao escolher trabalhar a minha própria prática estava, à partida, implicada na constituição do meu próprio universo experiencial que observei e na possibilidade dessa existência. Para que esta experiência fosse possível, foi necessário não só um movimento interno activo na minha própria matéria corporal mas também uma percepção consciente da trajectória desse movimento e dos seus efeitos. Deliberadamente, tive de criar as condições para a existência da experiência do sensível que permitiram o estabelecimento duma qualidade

52 na abordagem do Eu e da minha experiência através duma escuta e duma observação das manifestações da minha interioridade corporal.

Estas condições que constituem o quadro de manifestações do fenómeno da génese de sentido, foram instaladas em duas direcções: por um lado, houve que favorecer a activação do movimento interno na matéria corporal permitindo, assim, entrar em relação com o meu interior quando este movimento interno estava activo, facto que esteve ligado à qualidade da atenção, à abertura da consciência perceptiva e ao fenómeno de proximidade do meu Eu interior: este pressuposto acompanhou todo o meu processo de escrita.

Uma vez o Sensível instalado no meu corpo, na minha atenção, no meu pensamento, ele começa a participar na presença a mim e na presença do processo de escrita que eu quero desenvolver. Mas é preciso compreender que esta qualidade de presença induzida pelo meu contacto com o sensível não é apenas fruto duma mobilização da uma atenção clássica e naturalista, mas de uma percepção paroxística que favorece uma presença bastante forte e activa e tão íntima. Aqui, eu não estou, apenas, em contacto com as manifestações do movimento interno mas também com os seus efeitos que produzem na matéria corporal. Danis Bois chama de “ressonância” a essa qualidade particular de acolher os fenómenos do Sensível. É este fenómeno de ressonância que é o fio condutor que guia a orientação da atenção para o interior. Estava, pois, em presença de um processo autopoiético que inclui e que caracteriza uma reciprocidade activa entre o meu Eu e a minha própria experiência. Por isso, a minha produção de dados revela-se uma escrita descritiva e detalhada para satisfazer os objectivos desta pesquisa.

Enfim, trata-se de um tipo de experiência interna, privada, pessoal, existencial experiência essa que induz uma escrita detalhada que traz consigo uma resposta distanciada sobre essa mesma experiência, não uma distância de separação mas duma consciência testemunha capaz de recolher os fenómenos que se passaram para, de seguida, os observar cuidadosamente. Ao contrário, cada momento de intensidade representou uma porta aberta para desenvolver esta mesma descrição. Tratou-se de recolher, do interior, uma descrição susceptível de ser analisada para se obter as propriedades, a estrutura, as etapas do processo de nascimento de sentido.

Ao escolher este modo de recolha escrita, pude ver-me como “autora”da minha própria vida, daí poder conceber a minha existência como independente desta escrita. Não se tratou, prioritariamente, de escrever acontecimentos mais marcantes da minha

53 vida mas sim os efeitos sobre mim e a orientação geral que eu tive como sujeito da minha própria história. Estes traços biográficos foram o princípio da criação de sentido, a obra duma vida que me interessa. Para isso, releio, insistentemente, o que escrevo e encontro o movimento duma coerência, duma história que é a minha e que me toca não tanto pelo conteúdo dos acontecimentos mas por essa espécie de inteligência de vida que transmito, pela lógica de sentido ou pela emergência que demonstro. Por isso, encontrei uma motivação forte no coração desta descrição digna de confiança, conhecida e, por mim, aprovada. Por uma razão mais pragmática, a produção de dados na primeira pessoa orienta-se, desde logo, para uma análise e pesquisa da minha própria experiência. Ao produzir, eu mesma, esta história de vida, passo-me, também, a consultar a mim própria, posso verificar um ponto problemático, completar um momento, confirmar ou modificar um enunciado para obter mais alguma precisão. Assim, eu tenho mais essa liberdade de ter diferentes olhares sobre a minha história e redesenhá-la em qualquer momento da pesquisa. E isto é uma vantagem sobre o rigor do meu trabalho.

Como demonstrei anteriormente, neste exercício as coisas dão-se subjectivamente segundo uma orientação, um ritmo espontâneo como se a experiência subjectiva escolhesse, ela própria, o seu trajecto. Esta capacidade em seguir o movimento da escrita é uma capacidade que tem a ver com o gesto psíquico, o gesto interior de aceder a uma tomada de consciência que me conduz a uma liberdade na escrita. Mas é preciso orientar essa escrita. Podemos, iniciar a escrita pelo que primeiro nos aparece na consciência embora seja através do contacto com o sensível que todas as dimensões de nós penetram, docemente, no espaço da nossa existência. No entanto, ao descrever a sua experiência, o investigador deve acompanhar o tempo da experiência, seguir o seu desenvolvimento e recolher as orientações dessa sua própria revelação.

A partir dum exemplo experiencial que escolhi para esta tese, pude orientar a descrição e sublinhar a implicação de mim mesma como motor de escrita que se auto- alimenta e auto-justifica sem, no entanto, esquecer o seu objectivo. Encontrei, muitas vezes, o limite dessa escrita implicada que produziu, ela mesma, efeitos no meu desenvolvimento pessoal, onde os acontecimentos encontraram a sua justificação. Portanto, mesmo numa óptica de desenvolvimento pessoal ou de trabalho interior, uma experiência não pode sonegar o seu potencial formador; há que definir, com precisão, o objectivo segundo o qual se deseja inscrever a análise. Então, tive de organizar toda a minha recolha de dados em torno da questão de investigação, sob pena de me perder na

54 multiplicidade das dimensões da minha experiência que aparecem uma vez olhadas de perto, isto é, o estatuto da escrita como ferramenta essencial deve ser efectiva. Contudo, a escrita comporta uma dinâmica própria da consciência, do pensamento e da própria escrita que reveste todas as características dum movimento de vida que anima o corpo e todas as funções do ser humano. Escrever a minha história não foi apenas seguir o movimento mas foi a interiorização da ideia de que, ela própria responde a certas leis, responde a uma disciplina que não se coaduna com a auto-censura. Esteve sempre presente a ideia de que todas as informações produzidas devem ter, como fim, a análise. O objectivo de constituir material de pesquisa de qualidade está relacionado com uma descrição, o mais detalhada possível, da experiência a fim de poder dar-me conta, verdadeiramente, do processo de passagem entre o facto de consciência e o facto de conhecimento. Trata-se duma prática exigente que requer condições temporais e espaciais precisas: é o movimento da minha consciência, a importância de mim na minha história onde me sinto sólida nesta solidão que olho como profundamente construtiva, criadora, produtora de sentido. Tenho a sensação do interior me guiar, me induzir a uma separação de mim: eu oriento-me na experiência, a minha consciência orienta-se no território da experiência. Durante o período de produção da minha história de vida (que foi longo), encontrei o gosto pela experiência em si que continuou o seu caminho no meu corpo, no meu espírito e na minha vida: o espaço interior pré-existe não apenas para acolher experiências mas como fruto da própria experiência e este é um dos mecanismos através do qual se opera o processo de transformação. Transformo-me com o seu contacto na medida em que desenvolvo a capacidade consciente de transformação da própria experiência, ou seja, uma parte de mim, mostra-se è consciência.

Quando afirmo que a introspecção é, para mim, uma actividade reparadora de mim, quero dizer, em ultima instância que ela participa duma atitude que acolhe todas as dimensões do meu próprio ser e este é um dos efeitos da introspecção. O corpo da minha história foi moldado através desta experiência de génese de sentido produzida após várias introspecções. Este texto, com aproximadamente 20 páginas está disponível no corpo da tese. Não é necessário lê-lo para entrar na inteligibilidade da pesquisa. Fiz sobre o texto, todo um trabalho categorial que me permitiu extrair um texto puramente analítico de modo a reconstituir o processo da génese de sentido. Para situar o leitor, foram extraídas citações dos dados que serão referidas no decurso da análise. Para

55 preparar a análise, foram numeradas todas as linhas que dizem respeito ao material em si.

No documento Faculdade de Ciências Humanas e Sociais (páginas 51-55)