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2. COMPLEXOS AGROINDUSTRIAIS E DINÂMICA TECNOLÓGICA

2.2 Dinâmica tecnológica dos complexos agroindustriais

2.2.1 Dinâmica tecnológica do segmento agropecuário

Indiscutivelmente, as mudanças tecnológicas na agricultura têm sido marcantes e exercido papel expressivo nas conquistas de produtividade e na expansão de cultivos para áreas com restrições edafoclimáticas para cultivo e criação, assim como na consolidação do segmento como importante setor da economia. Novas cultivares têm propiciado crescentes aumentos de produtividade, redução de custo, expansão de área de produção, redução de manejos prejudiciais ao ambiente, introdução ou melhoria de aspectos qualitativos no produto e redução de perdas pós-colheita. No Brasil, por exemplo, novas cultivares de soja auxiliaram no aumento da produtividade da oleaginosa de 1.400 kg/ha na década de 70 para 2.500 kg/ha no início dos anos 2000, além de contribuírem para a expansão da cultura para as regiões de Cerrado (cultivares com período juvenil longo).

Segundo Cohen e Levin (1989), algumas inovações agrícolas são imperfeitamente apropriáveis, ou seja, a inovação ou o conhecimento existente na inovação podem ser transmitidos, imitados ou reproduzidos por competidores com dificuldade mínima ou a baixo custo e com pequeno ou nenhuma obrigação para compensar os inovadores. Possas et al. (1994) destacam que as condições específicas da agricultura e outras atividades em que o grau de apropriabilidade é reduzido acabam moldando o processo de inovação e, em certa medida, limitando os ganhos inerentes a tamanho e a diversificação de atividades.

De fato, situações de baixo potencial de apropriabilidade conduzem a um menor interesse em investimentos por parte de agentes econômicos e implicam na necessidade de estabelecimento de mecanismos, jurídicos ou não, que garantam a proteção dos direitos de propriedade. Especificamente, no caso da agricultura, no qual as bases científico-tecnológicas da atividade têm alta dependência das condições naturais e há o predomínio de inovações de processo e facilidade de transmissão ou imitação, o emprego de multiplos e simultâneos mecanismos que garantam a apropriabilidade das inovações se faz necessário.

Outro aspecto que condiciona a dinâmica tecnológica deste segmento se refere à interdependência entre elementos do sistema e as implicações na demanda por outras inovações quando há alteração em um dos elementos do sistema. Para Romeiro (1998), o processo produtivo agrícola fundamenta-se em um complexo ecológico que interrelaciona solo/planta/clima e evolui em função das intervenções a que é submetido. O autor argumenta que uma mudança em um

ponto qualquer do sistema pode provocar “desequilíbrios” tecnológicos que tendem a provocar reações em cadeia e sinalizam sequências particulares de inovações a serem introduzidas ou de modificações no sistema.

Neste sentido, as inúmeras possibilidades advindas com a engenharia genética (biotecnologia) no desenvolvimento de novas matérias-primas para o setor agroindustrial têm implicado em ajustes da cultura e da rotina organizacional, tais como o estabelecimento de novas estruturas de relacionamento institucional e mercadológico, a tradução de termos científicos para termos jurídicos, ou ainda a reformulação de conceitos de moral e ética. Segundo Silveira e Borges (2004), a capacidade de produzir plantas geneticamente modificadas, com novos atributos e independentemente da compatibilidade sexual entre espécies, representa o maior impacto da biotecnologia moderna na agricultura e tem exigido esforço de repensar as instituições, as relações entre elas e os marcos regulatórios do setor.

Diversos modelos de descrição e de interpretação do processo de mudança técnica da agricultura, em especial dos condicionantes de desenvolvimento agrícola, podem ser observados na literatura. Dentre eles, as duas principais perspectivas teóricas que abordam o padrão inovativo da agricultura são: abordagem neoclássica e análises neosschumpeterianas.

A abordagem neoclássica pode ser contextualizada pelo “modelo de insumos modernos”, publicado por Schultz em 1965 (SCHULTZ, 1965), e pelo modelo de inovações induzidas, publicado por Hayami e Ruttan em 1971 (HAYAMI; RUTTAN, 1986), que buscavam explicar quais fatores condicionavam a adoção de tecnologia e seus indutores. Para Schultz (1965), o atraso tecnológico observado na agricultura dos países subdesenvolvidos não se devia a fatores culturais que bloqueavam a difusão de comportamentos racionais maximizadores, mas a falta de oportunidades de investimentos rentáveis. Segundo este modelo, o investimento em novos fatores de produção (insumos e máquinas) e em educação era a chave de transformação do setor e, às instituições públicas caberiam às ações de pesquisa dadas as dificuldades de apropriabilidade dos investimentos. Segundo Sales Filho (1993), todo o movimento de expansão do padrão moderno da agricultura, conhecido como revolução verde, tinha a concepção de que a pobreza e o atraso rural teriam condições de superação pela substituição dos fatores tradicionais por fatores mais produtivos. Para Rosenberg (1976 apud ROMEIRO, 1998), o modelo ignora os mecanismos de indução que atuam pelo lado da oferta de inovações e não

é capaz de explicar de forma adequada nem as características de uma sequência particular, nem o timing de uma atividade inovativa ao atribuir como principal estímulo, os sinais de mercado.

O modelo de inovação induzida, apresentado por Hayami e Ruttan (1986) como um desenvolvimento ou um complemento ao modelo de Schultz, buscou incorporar questões relacionadas à direção do progresso técnico e aos mecanismos pelos quais os recursos eram alocados na educação e nas pesquisas agrícolas, principais críticas ao modelo de Schultz. Os autores, partindo da concepção da inovação induzida proposta por Hichs9, argumentam que os agricultores procuram adotar inovações para poupar os insumos, cujo preço aumenta em relação aos demais, e determinam uma sequência de mudanças técnicas que reduz o uso daquele fator relativamente ao dos outros fatores, bem como pressionam tanto as instituições de pesquisa quanto as firmas para que gerem ou forneçam os fatores substitutivos. Ou seja, os autores pressupõem que a mudança técnica é dirigida ao longo de uma trajetória de mercado, que as restrições de crescimento decorrentes por limitação de um determinado recurso ou fator são superadas pelo progresso técnico que substitui o limitante ou maximiza seu potencial, e isto se traduz em orientação para definição dos investimentos em P&D.

Na abordagem evolucionária-schumpteriana, a inovação tecnológica na agricultura ocorre por meio de um processo cumulativo, e a interpretação da complexidade de seu regime tecnológico pode ser feita em termos de trajetórias tecnológicas. Possas et al. (1994) argumentam que, semelhante aos demais setores, as trajetórias tecnológicas e a formação do regime tecnológico na agricultura podem ser interpretadas sobre as bases da noção de “áreas problemas”, as quais se relacionam a questões de maior ou menor evidência na produção agrícola e que guiam o curso do desenvolvimento tecnológico. Os autores afirmam que as trajetórias e as fontes de inovação não são únicas na agricultura e que, apesar de ser classificada como inovation taker, a agricultura não pode ser considerada como uma entidade homogênea com uma dinâmica inovadora única, mas como um conjunto de trajetórias tecnológicas de origens diferentes, moldadas por ambientes econômicos e disciplinares diferentes.

Neste sentido, a abordagem do processo de mudança técnica na agricultura deve admitir que (POSSAS et al., 1994):

(a) na agricultura, não há uma trajetória tecnológica geral em que uma situação tecnológica e competitiva homogênea seria encontrada em todos os setores; (b) o conceito de trajetória tecnológica não pode ser tomado como um conceito

setorial amplo, mas relacionado a tendências dinâmicas competitivas específicas dos mercados (agrícolas ou não);

(c) as trajetórias de indústrias relacionadas com a agricultura devem ser consideradas em suas interrelações com os mercados agrícolas.

Possas et al. (1994) classificam os agentes que geram ou suportam inovações para a agricultura em seis principais grupos de acordo com o perfil e com os comportamentos na geração e na difusão das inovações:

(a) Fontes privadas de organizações industriais empresariais, cujo negócio principal é produzir e vender produtos intermediários e máquinas para o mercado agrícola. Este grupo engloba, por exemplo, as indústrias de pesticida, de produtos veterinários, de fertilizantes, de maquinários e equipamentos agropecuários, de sementes, de nutrição animal e de genética animal;

(b) Fontes institucionais públicas como universidades, instituições de pesquisa e empreendimentos de pesquisa pública, vinculadas à pesquisa agropecuária, bem como a execução de desenvolvimento, de transferência e de teste de tecnologias;

(c) Fontes privadas relacionadas às agroindústrias que envolvem as indústrias processadoras que utilizam produtos agropecuários e interferem direta ou indiretamente, individual ou coletivamente, na produção de matéria-prima; (d) Fontes privadas, organizadas coletivamente e não orientadas ao lucro, tais

como as cooperativas e as associações produtoras, cujo principal propósito é desenvolver e transferir novas cultivares e práticas agrícolas;

(e) Fontes privadas relacionadas a suprimento de serviços de suporte técnico, planejamento e gestão da produção e serviços relacionados à produção, à colheita e aos estoques de grãos e de melhoramento animal;

(f) Unidades de produção agrícola, nas quais um novo conhecimento pode ser estabelecido por meio do processo de aprendizado.

A evolução e o relacionamento entre as fontes de inovação são a principal força motriz institucional que desenvolve as trajetórias na agricultura e estabelecem um padrão coerente e inclusivo ao regime tecnológico moderno da agricultura (POSSAS et al., 1994). Vale mencionar que, em alguns segmentos específicos, a evolução tecnológica, a criação de mecanismos legais de apropriação, o uso de estratégias tecnológicas e mercadológicas10 diferenciadas e o aumento da organização do segmento têm dilatado a possibilidade de apropriabilidade das inovações, ampliando a participação de fontes privadas de organizações industriais empresariais e intensificando o interesse das fontes privadas coletivamente organizadas e sem fins lucrativos.

O perfil do desenvolvimento tecnológico do segmento agropecuário pode ser caracterizado pelo alto grau de interdependência entre conhecimentos científicos associados a diversas areas, pela interdependência entre elementos do sistema e as implicações na demanda por outras inovações quando há alteração em um dos elementos do sistema e pelo fato de que os principais agentes de geração e desenvolvimento tecnológico não atuam diretamente no setor. Podem-se agrupar as tecnologias associadas ao segmento em quatro grupos: as de base genética, processos de manejo, insumos e, máquinas e equipamentos de suporte. Embora inovações significantes sejam desenvolvidas por agentes de apoio, a alta dependência das condições naturais do processo produtivo requer intensa atividade de adaptação às condições edafoclimáticas de entorno. Em geral, há predomínio de inovações de processo e facilidade de transmissão ou imitação ou reprodução das inovações relacionadas às tecnologias de base genética e processos de manejo por parte dos usuários. No caso de insumos, há o predomínio de atuação de grandes e tradicionais corporações e, no caso de implementos e equipamentos, há o convívio de grandes corporações com pequenas e médias empresas, que exploram o mercado de adaptação de maquinário e mercados de demanda restrita.

10 As estratégias de mercado constituem ações empregadas pelas empresas para obter as chamadas

“first-move advantages”, ou seja, "vantagens não-triviais sobre seus concorrentes potenciais, baseadas em conhecimento acumulado sobre seus clientes" (FIANI, 2002), no intuito de gerar obsolescência e evitar comportamentos oportunistas.