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4.3 PROTOCOLOS DE ANALGESIA

4.3.1 Dipirona

A dipirona é um derivado de pirazolona (BROGDEN, 1986), introduzido na farmacoterapia em 1922 (HINZ et al., 2007). Atualmente, a dipirona é classificada como um analgésico não-opioide (VAZQUEZ et al., 2005; ESCOBAR et al., 2012), embora por anos, foi classificada como anti-inflamatório não-esteroidal (AINEs)

(BATU; EROL, 2007; DOMÍNGUEZ-RAMÍREZ et al., 2010), porém alguns autores relatam que, em contraste com outros AINEs, o mecanismo principal o qual a dipirona atua baseia-se na inibição de uma cicloxigenase central, a isoforma COX-3, sendo possivelmente desprovida de efeitos anti-inflamatórios (CHANDRASEKHARAN et al., 2002, MUÑOZ et al., 2010).

A literatura disponível não tem quaisquer dados sobre as propriedades farmacocinéticas da dipirona em animais, embora tenham informações para seres humanos. Esta é um pró-fármaco, que em ambiente hidratado é transformado em numerosos produtos metabólicos (VLAHOV et al., 1990): 4-methylaminoantipyrine (MAA), 4 formylaminoantipyrine (FAA), 4-aminoantypyrine (AA) e 4- acetylaminoantipyrine (AAA) (VLAHOV et al., 1990; ROGOSCH et al., 2012). MAA e AA são metabólitos ativos, enquanto AAA e FAA são compostos que não apresentam atividade farmacológica (VLAHOV et al., 1990). Além disso, MAA e AA sofrem transformações adicionais em amidas araquidonoil ativas, cuja presença foi detectada no cérebro e na medula espinal de ratos (ROGOSCH et al., 2012). Além disso, sabe-se que os derivados da dipirona podem facilmente penetrar na barreira hematoencefálica e suas concentrações no fluido cerebrospinal, embora menores do que no plasma, são suficientemente elevadas para induzir um efeito terapêutico (COHEN et al., 1998).

Apesar de a dipirona ser utilizada com sucesso há mais de 90 anos, o seu mecanismo de ação não foi completamente elucidado. Durante muito tempo foi considerada como sendo inibidor não seletivo de COX-1 e COX-2 (HINZ et al., 2007; ROGOSCH et al., 2012). O mecanismo envolvido no seu efeito analgésico é complexo. Muito provavelmente, este efeito é obtido por meio tanto da ação em COX-3, uma variante da COX-1, que ocorre principalmente no sistema nervoso central (CHANDRASEKHARAN et al., 2002), quanto do impacto sobre os sistemas opioidérgico e canabinóide.

De acordo com as referências disponíveis, a ação analgésica da dipirona está relacionada ao bloqueio da COX-3 (CHANDRASEKHARAN et al., 2002; MUÑOZ et al., 2010). Este mecanismo é sugerido pelos resultados obtidos por Chandrasekharan et al. (2002), que concluíram que há um efeito inibidor sobre a atividade da COX-3 no cérebro de cães e que este gera uma redução na síntese de prostaglandina E2 (PGE2). Como resultado do bloqueio da síntese de PGE2 no SNC, há diminuição da sensibilidade dos nociceptores aos mediadores da dor, o que

também significa que a excitabilidade destes receptores é diminuída, e deste modo o efeito analgésico é obtido (CHANDRASEKHARAN et al., 2002; MUÑOZ et al., 2010). Independentemente da inibição da síntese de PGE2, outros mecanismos participam da produção do efeito analgésico da dipirona. O sistema canabinóide, que desempenha um papel importante na regulação da sensação de dor, está provavelmente envolvido (JASIECKA, MAŚLANKA, JAROSZEWSK, 2014). Rogosch et al. (2012) relataram que MAA e AA são agonistas de receptores canabinóides tipo 1 (CB1), que são receptores também incluídos no sistema antinociceptivo descendente. A contribuição do sistema canabinóide para o mecanismo analgésico da dipirona também foi citado por Escobar et al. (2012), que provaram que o efeito antinociceptivo deste agente foi reduzido após a administração de um antagonista de CB1.

O terceiro mecanismo mais provável de estar envolvido na indução do efeito analgésico da dipirona é a ativação do sistema opioidérgico endógeno. Este mecanismo foi citado por Tortorici e Vanegas (2000), que mostraram que uma micro injeção de dipirona na massa cinzenta periaquedutal (MCP), principal local de analgesia opioidérgica, induziu antinocicepção em ratos acordados e, quando realizada de maneira repetitiva, induziu tolerância à dipirona e tolerância cruzada à morfina. Além disso, citaram que uma microinjeção de naloxona, um antagonista dos receptores de opioides, no mesmo local, diminuiu os efeitos antinociceptivos da dipirona. Esta conclusão é corroborada por outros pesquisadores, por exemplo, Vazquez et al. (2005), o que sugere que o efeito é mediado pelo sistema opioidérgico (VAZQUEZ et al., 2005).

Da mesma forma que os AINEs, a dipirona mostra um efeito antipirético evidente porém, os dados relativos ao mecanismo de ação são contraditórios. Alguns estudos relataram que ocorre pela inibição da síntese de PGE2 (KANASHIRO et al., 2009), outros sugeriram que não. Foi demonstrado que há o bloqueio de ambas as vias, dependentes e independentes de PG, da febre induzida por lipopolissacarídeo bacteriano (LPS), o que sugere que este fármaco tem um perfil de ação antipirética distinto do de outros inibidores de COX, o que pode ser vantajoso no tratamento da febre (MALVAR et al., 2011).

A dipirona apresenta um efeito espasmolítico (GULMEZ et al., 2006; HINZ et al., 2007). Gulmez et al. (2006) relataram a influência espasmolítica da dipirona no músculo liso traqueal de uma cobaia. Demonstraram que ocorre a inibição da

liberação de cálcio intracelular como resultado da síntese reduzida de fosfato de inositol. Em estudo posterior, demonstraram que o fármaco tem clinicamente um evidente efeito relaxante da musculatura lisa, especialmente em pequenas vias aéreas, apoiando resultados in vitro sobre a ocorrência de um efeito espasmolítico da dipirona no músculo liso pré-contraido (GULMEZ et al., 2007).

Embora durante muitos anos a dipirona tenha sido classificado como um AINE, hoje em dia acredita-se que o fármaco produz apenas um efeito anti- inflamatório muito fraco (BOTTING, 2000; ROGOSCH et al., 2012) apesar de ter sido mostrado que a dipirona inibe COX-1 e COX-2 (HINZ et al., 2007). Botting (2000) relata que se trata de uma inibição fraca, porém a falta de evidências científicas torna incerto se o efeito anti-inflamatório da dipirona é clinicamente significativo.

Em comparação com outros analgésicos não opiáceos, dipirona parece ser um fármaco relativamente seguro (IMAGAWA et al., 2011). Os efeitos adversos mais comuns são: distúrbios gastrointestinais como náuseas, vômitos, dor abdominal e diarreia (EDWARDS et al., 2010). Em estudos em ratos, não se observaram alterações patológicas no trato gastrointestinal tanto em uso por 14 dias (SÁNCHEZ et al., 2002) quanto em administração em animais apresentando úlcera gástrica (BERENGUER et al., 2002). Além disso foi provado experimentalmente que o fármaco pode ter um efeito protetor contra alguns tipos de úlceras gástricas não induzidas por estresse. Estes resultados sugerem que a dipirona pode aumentar a síntese e/ou a liberação de muco gástrico e, paradoxalmente, pode ser capaz de aumentar o teor de PGE2 gástrica (BATU; EROL, 2007). Assim, em relação à influência sobre o aparelho digestório, a dipirona parece ser muito mais segura do que os AINEs.

Outros efeitos secundários descritos são dores de cabeça e tonturas, disfunções renais e reações de hipersensibilidade da pele, tais como erupções cutâneas, urticária ou eritema (ZUKOWSKI; KOTFIS, 2009), que, muito provavelmente, são induzidos por um mecanismo dependente de imunoglobulina E (GÓMEZ et al., 2009).

O fármaco apresenta algum potencial hepatotóxico, mas, como indicado por Drobnik (2010), o risco de distúrbios hepáticos durante o tratamento é relativamente baixo.

O efeito adverso mais controverso produzido pela dipirona em humanos parece ser a agranulocitose. Há alguma evidência sugerindo que a administração

prolongada pode causar algum dano ao sistema sanguíneo, sendo relatadas a ocorrência de leucopenia, agranulocitose e anemia aplástica (GARCÍA-MARTÍNEZ et al., 2003; BASAK et al., 2010). Esta é a razão pela qual o medicamento foi retirado do mercado em vários países (BAUMGARTNER, 2009; BASAK et al., 2010). Pelas informações contidas na literatura atual, as taxas de incidência são de 0,2:1x106 pessoas por dia de uso (MAJ; LIS, 2002), 0,56:1x106 pessoas por ano (IBÁÑEZ et al., 2005) ou 0,7:1x106 adultos poloneses (BASAK et al., 2010).

Os resultados de estudos in vitro por García-Martínez et al. (2003) não provaram que a dipirona possui maior mielotoxicidade que o diclofenaco ou ácido acetilsalicílico, medicamentos que não estão associados a um risco significativo de agranulocitose. Na mesma pesquisa, a administração em dose terapêutica não mostrou nenhum efeito no processo de diferenciação granulocítica e na apoptose de granulócitos terminalmente diferenciados. Apenas as concentrações muito superiores induziram a apoptose de cerca de 30% de promielócitos, porém as células granulocíticas diferenciadas foram mais resistentes.

As investigações acima provaram que agranulocitose atribuível à dipirona é rara, embora seja necessário realizar em grande escala um projeto de investigação prospectiva em países onde a dipirona é prescrita rotineiramente, a fim de chegar a uma solução universal para este problema. Deve acrescentar-se que a literatura acessível carece de quaisquer dados sobre a incidência da agranulocitose ou outros efeitos hematológicos atribuídos à administração de dipirona em animais (JASIECKA, MAŚLANKA, JAROSZEWSKI, 2014).

Em comparação com analgésicos AINEs ou opioides, existem poucas contraindicações para o uso da dipirona em seres humanos e animais (BAUMGARTNER et al., 2009, IMAGAWA et al., 2011). Devido a um possível e discutível efeito hematotóxico, o medicamento é contraindicado em pacientes com histórico ou presença de discrasia sanguínea (GARCÍA-MARTÍNEZ et al., 2003; BASAK et al., 2010) e a segurança do uso em gestante é incerta. (SILVA DAL PIZZOL et al., 2009).

Apesar da administração generalizada de dipirona na prática veterinária, a literatura carece de relatos relevantes que permitam avaliar a eficácia clínica do fármaco na terapia de doenças nos animais (JASIECKA, MAŚLANKA, JAROSZEWSKI, 2014).

A dipirona é indicada para animais com contraindicações a medicamentos anti-inflamatórios baseado nos poucos efeitos colaterais gastrointestinais (ou seja, gastrite, constipação), sem alterações hematológicas e qualquer potencial carcinogênico do tratamento em longo prazo (IMAGAWA et al, 2011).

Por ser um derivado fenólico, a dipirona é metabolizada lentamente em gatos, levando à intoxicação em doses elevadas (SOUZA; AMORIM, 2008), porém em doses e intervalos adequados pode ser administrada com segurança (ARAUJO et al., 2000).

Em cães, um estudo anterior mostrou uma analgesia bem sucedida fornecida pela dipirona como medicação de resgate no período pós-operatório de maxilectomia ou mandibulectomia em 13/14 casos (MARTINS et al., 2010). Alívio adequado da dor pós-operatória foi também observada nas cadelas submetidas à OSH eletiva tratadas por via intravenosa com 25 ou 35 mg/kg de dipirona e não foram observadas alterações hematológicas, renais, hepáticas ou clínicas após 2 dias de tratamento (IMAGAWA et al., 2011). Nenhuma agranulocitose foi observada no presente estudo e assim o benefício clínico prevaleceu sobre este risco incomum. O estudo de Zanuzzo e seus colaboradores (2015b) demonstrou que, a dipirona promove melhor analgesia pós-operatória em cadelas submetidas à OSH eletiva quando comparado ao meloxicam e que, se associada a este AINE, apresenta maiores benefícios quanto ao controle de dor. Entretanto a dipirona inibiu a agregação plaquetária por 3 horas após a administração intravenosa enquanto o meloxicam quando associado à dipirona, prolongou esta inibição por até 5 horas enquanto o uso do meloxicam não alterou a função plaquetária (ZANUZZO et al., 2015b).

No documento MARCO AURÉLIO AMADOR PEREIRA (páginas 30-35)

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