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Já se disse que os princípios que norteiam o direito penal clássico são inadequados ao direito penal econômico moderno, que tutela bens transindividuais – que transcendem à noção de pessoa. No tocante à distinção entre direito penal clássico e secundário, afirma José de Faria Costa, verbis:

A primeira aproximação a uma distinção entre o direito penal comum e o direito penal secundário sofre da simultaneidade do benefício e do prejuízo que o critério formal pode trazer à correcta e justa separação destas áreas incriminadoras [...]

Porém, fácil é de entender que não basta uma tal distinção para se poder ter exacta compreensão das diferenças – materiais que intercedem entre o chamado direito penal “comum” e o direito penal secundário. Urge, por isso, tentar encontra um critério material.96

O direito penal econômico apresenta direções metodológicas que precisam ser analisadas: 1) dogmaticamente; 2) no plano do direito público e do direito privado; 3) na repercussão do direito penal econômico na sociedade contemporânea de risco.

A existência de um direito penal econômico, no aspecto de um direito penal secundário, amplo, ganha contornos com o aparecimento de uma economia dirigida e centralizada, pois, enquanto existirem condições que outorguem aos operadores econômicos a liberdade para o desenvolvimento de relações econômicas, o Estado só deverá intervir na economia para regular a livre iniciativa e a livre concorrência.

95 TIEDEMANN, Klaus, Ibidem., 2010, p. 58.

96 COSTA, José Francisco de Faria. Noções fundamentais de direito penal: introdução. Coimbra: Coimbra Editora, 2007, pp. 30-31.

Righi, ao estabelecer critérios para delimitar o conceito jurídico material de delito econômico, esclarece:

El bien jurídico penal del delito económico, puede ser el orden público económico, el orden económico, el orden económico nacional, el régimen económico público. Por la ambiguedad e imprecisión que se há cernido em torno a este concepto, mediante definir al derecho económico por el bien jurídico protegido será la única conceptualización que permitírá evitar ambiguedades y conctradicciones, possibilitando conclusiones homogéneas. Los bienes jurídicos que protegían los delitos económicos son de carácter colectivo o supraindividuales. Estos los diferencias de los delitos patrimoniales que tutelán bienes individuales [...]97

Não há negar que a construção dogmática de um direito penal econômico só foi possível com um corte epistemológico, rompendo os paradigmas do passado para construir o paradigma da modernidade, objetivando adaptar o direito penal clássico às novas perspectivas de um mundo globalizado, que reclama a tutela de valores fundamentais, bens jurídicos, na sua gênese, de categoria material, de natureza supraindividual, pelo Estado Social e Democrático de Direito.

3.3.1 A legitimidade do direito penal econômico contemporâneo: uma “mera” questão de eficácia?

Willian Terra de Oliveira destaca que a legitimidade do direito penal contemporâneo não deve ser buscada numa “mera questão de eficácia, a qual não é a razão do labor de um penalista, ainda que seja a consequência maior de seu ofício”.98 Até porque, a ineficácia da norma penal pode ser explicada, antes dos critérios legitimadores da criminalização, pela criminologia, a qual tem o Direito Penal Econômico como objeto de pesquisa da “cifra dourada da criminalidade”. Por outro lado, Miguel Reale Júnior, referindo-se à necessidade da tutela penal, cita Tobias Barreto, para o qual “a aplicação legislativa na penalidade é uma pura questão de política social. Ela resume-se na seguinte máxima: impor pena em todos os casos em que a sociedade não pode passar sem ela”.99

97 RIGHI, Esteban. Los Delitos Económicos. Buenos Aires: AdHoc Villela, 2000, p. 93.

98 DE OLIVEIRA, William Terra. Algumas questões em torno do novo direito penal econômico. Revista

Brasileira de Ciências Criminais. Na. 3. n 11. jul-set, 1995, p. 233

99 REALE JÚNIOR, Miguel. Despenalização no direito penal econômico: uma terceira via entre o crime e a

Superada, portanto, a questão da eficácia, mister indagar acerca da necessidade da criminalização no âmbito econômico, e, aqui especificamente, dos atos atentatórios à livre concorrência.

Segundo Douglas Fischer, os delitos econômicos estão em um nível hierarquicamente superior de gravidade em relação à criminalidade clássica, o que impõe um tratamento proporcional da aplicação das normas “(des)penalizadoras à luz dos comandos fundantes da Constituição”, razão pela qual não haveria falar em relegar à repressão dos delitos desta natureza tão somente à seara cível ou administrativa.100

Corcoy Bidasolo e João Bernardo da Silva têm que a intervenção do Direito Penal nos “delitos econômicos” é a única capaz de dissuadir o delinquente a não mais praticar semelhantes atos danosos, sendo a tipificação de delitos desta espécie a afirmação expressa do legislador acerca da vontade política e da necessidade de repressão, a qual não deve esgotar-se na esfera administrativa porquanto o Direito Penal, em seu caráter preventivo e repressivo, é um dos instrumentos de controle social a ser empregado.101

Especificamente no que concerne à tutela jurídico-penal da livre concorrência, Raúl Cervini e Gabriel Adriasola consideram a sua ausência na legislação uruguaia uma imperdoável lacuna de punibilidade, eis que a concentração da economia em mãos de poucos causa graves prejuízos ao empresariado como um todo, assim como ao público consumidor. Para eles, a incidência que este tipo de fenômenos econômicos de concentração de mercado gera sobre a formação de preços faz com que a livre concorrência possa ser objeto de tutela penal sem que se despreze o princípio da ofensividade.102 Considerando, pois, as graves consequências econômicas advindas dos cartéis horizontais, lesando consumidores e concorrentes, e, quando levados a efeito em processos licitatórios, o próprio erário, sua criminalização torna-se legítima, observada concreção do bem jurídico livre concorrência e sua conformação de natureza fundamental.

100 FISCHER, Douglas. Delinquência econômica e estado social de direito: uma teoria à luz da constituição. Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2006.

101 CORCOY BIDASOLO, Mirentsu apud FISCHER, Douglas. Ibidem.; DA SILVA, João Bernardo. A criminalidade econômica e o direito penal. Revista Jurídica da Universidade de Franca. Ano 7. n. 12. 1º semestre, 2004, p. 107.

102 CERVINI, Raúl; ADRIASOLA, Gabriel. El derecho penal de la empresa: desde uma visión garantista. Montevideo: Julio César Faira – Editor. 2005, p. 292.

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