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Direito à intimidade da vida privada

3.1 Direitos fundamentais em confronto

3.1.3 Direito à intimidade da vida privada

O direito à intimidade da vida privada encontra-se consagrado no art. 26º da CRP, sob a epígrafe “outros direitos pessoais” e também no art. 80º do CC. É um direito de personalidade inerente a todos os cidadãos que deve ser protegido quer de ingerências por parte das autoridades, quer por parte de outros cidadãos, no âmbito no nº 1 do art. 18º da CRP.

Para determinação do conteúdo do direito à intimidade89, a doutrina divide-o em três esferas distintas, correspondentes a três vertentes da vida de qualquer pessoa: a esfera íntima, que abarca os aspectos da vida mais secretos e que a pessoa, normalmente, só compartilha com as pessoas que compõem o seu círculo íntimo90; a esfera privada, que comporta aspectos não tão íntimos da vida pessoal e que a pessoa poderá partilhar com um círculo mais alargado de indivíduos; e a esfera pública, em que se inserem aspectos da vida que podem ser conhecidos dos outros indivíduos. Como será fácil de constatar, embora a divisão em esferas seja bastante útil para a concepção do grau de protecção a dar a cada tipo de informação sobre a intimidade, o núcleo do que é para cada um íntimo, privado e público difere de indivíduo para indivíduo, consoante este seja mais ou menos protector da sua própria privacidade91. Este aspecto vem previsto no art. 80º nº2 do CC, que determina que “ a extensão da reserva é definida conforme a natureza do caso e a condição das pessoas”. De facto, se pensarmos de um ponto de vista prático não existirão três esferas mas um conjunto imenso de graus de intimidade de um indivíduo e deste para com as várias pessoas da sua vida92.

O que nos interessa para o presente estudo é a obtenção ou produção de prova mediante violação do direito de reserva da intimidade e vida privada, que à semelhança do direito à prova analisado acima, é um direito relativo e que admite compressão em colisão com outros direitos, para além disso e, apesar de tudo, o direito à intimidade e reserva da vida privada têm sido bastante desenvolvido pela doutrina e jurisprudência, embora paradoxalmente na sociedade actual das novas tecnologias e redes sociais cada vez mais se desconsidere o carácter privado da vida. Basta pensar que a proliferação de informação nas redes sociais sobre a vida dos indivíduos, com o consentimento destes, diminui consideravelmente o que podemos chamar de vida privada. Pelo contrário,

89 Também designado por PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, “Teoria Geral do Direito Civil”, Lisboa, Almedina, 2007, 4ªEdição, p.65 como direito à privacidade.

90 Idem, p.65 o autor aponta como exemplos a sexualidade, afectividade, saúde e nudez

91 O que será bastante relevante do ponto de vista da apuração do quantum do dano causado por uma intromissão na reserva da intimidade da vida privada.

92 Também neste sentido, PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, “Teoria Geral do Direito Civil”, p.66: “A polaridade entre o público e o privado corresponde a uma escala progressiva e gradual, sem quebras de continuidade nem saltos bruscos, entre o que é totalmente privado e vedado ao conhecimento e contacto dos outros e o que completamente aberto e se partilha com toda a gente. É difícil, senão mesmo impossível estabelecer padrões previamente definidos e precisamente delimitados de níveis de privacidade.”

parece existir cada vez mais propensão para tornar públicos, ou mais públicos, aspectos da vida privada.

Daí que a sua ponderação no confronto com a utilização da prova ilícita deva ser cuidadosamente aferida. São dois direitos constitucionalmente protegidos em confronto, contudo, não nos parecerá razoável a invocação do direito à intimidade da vida privada para impedir a utilização de prova ilícita, eventualmente relacionada com um tema sobre o qual essa mesma pessoa dispõe de forma mais ou menos aberta nas redes sociais, por exemplo.

A CRP declara serem nulas as provas obtidas mediante abusiva intromissão na vida privada, no âmbito do processo penal, de acordo com o art. 32º nº8. Será de concretizar o conceito de abusiva intromissão, que nos parece remeter para situações nas quais a participação na vida privada de alguém é aproveitada com um intuito de obter a prova ou casos em que existe uma intromissão lícita mas abusiva93, por desproporcionada, por exemplo.Devemos, também, ter em conta que o art. em questão trata das garantias de processo criminal, pelo que a expressão “abusiva intromissão”

estará adaptada a esta realidade, ou seja, em que a intromissão por parte dos órgãos de polícia criminal é efectuada sem mandato judicial, ou, por exemplo, fora do horário estipulado. Desta forma, estaria a proteger-se a intromissão indiscriminada das autoridades, sendo que o que se considerará no caso dos particulares como “abusiva intromissão” deverão ser os tipos penais destas condutas.

Violações do direito à imagem ou à palavra, no que ao nosso tema dizem respeito, devem ser consideradas como violação da intimidade da vida privada, normalmente consubstanciando o crime de devassa, uma vez que estaremos perante casos de gravações áudio e vídeo sem consentimento dos participantes.

3.1.4 Direito à inviolabilidade do domicílio, correspondência e telecomunicações

93 ISABEL ALEXANDRE, “Provas ilícitas em processo civil”, p.259, a propósito do conceito de

“abusiva intromissão ser mais garantístico que o de “ilícita intromissão: “Pode, de facto, suceder que, embora determinado acto preencha os requisitos legais, as circunstâncias em que é praticado o tornem abusivo, por desnecessário, desproporcionado ou aniquilidador dos direitos da pessoa visada.”. Devemos, também, ter em conta que o art. em questão trata das garantias de processo criminal, pelo que a expressão

“abusiva intromissão” estará adaptada a esta realidade, ou seja, em que a intromissão por parte dos órgãos de polícia criminal é efectuada sem mandato judicial, ou, por exemplo, fora do horário estipulado. Desta forma, estaria a proteger-se a intromissão indiscriminada das autoridades, sendo que o que se considerará no caso dos particulares como “abusiva intromissão” deverão ser os tipos penais destas condutas.

Outro dos direitos muitas vezes em conflito com o direito à prova no âmbito da admissibilidade da prova ilícita em processo civil será o da inviolabilidade do domicílio, correspondência e telecomunicações. Também constitucionalmente consagrado no art.

34º da CRP, sob a epígrafe “Inviolabilidade do domicílio e correspondência”. Constitui ilícito penal a violação de domicílio94, introdução em lugar vedado95, devassa da vida privada96, violação de correspondência e telecomunicações97, aos quais o Código Penal dedica o Capítulo VII, sob a epígrafe “ Crimes contra a reserva da vida privada”.

Para além disso, à semelhança do que acontece com o direito à reserva da vida privada, existe protecção constitucional sob a forma de proibição de prova em processo penal, obtida mediante abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, correspondência e telecomunicações, constante do referido art. 32º nº8 segunda parte da CRP.

Também neste campo a protecção do ordenamento, visa assegurar direitos de personalidade inerentes a uma harmoniosa vida em sociedade. Parece-nos de distinguir os casos em que existe intromissão na vida privada, mas não violação do domícilio, correspondência ou telecomunicações, devendo ser diferente a resposta acerca da admissibilidade da prova ilícita em processo civil, num e noutro casos, sendo sempre necessária a avaliação dos direitos em colisão.

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