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Direito de fiscalizar a gestão dos negócios sociais

CAPÍTULO 2 – DIREITO DE PARTICIPAR NOS LUCROS SOCIAS E AS

2.2 Direitos essenciais como instrumento de estabilização das relações de

2.2.2 Direito de fiscalizar a gestão dos negócios sociais

O acionista não poderá ser privado, nem pelo estatuto social, nem pela assembléia geral, do direito de fiscalizar a gestão dos negócios sociais, na forma prevista na Lei 6.404/76. Trata-se de direito extremamente relevante para a proteção dos interesses do acionista, permitindo-lhe acompanhar o desenrolar das atividades empresariais, através dos instrumentos legalmente previstos.

Ressalta-se, entretanto, que o direito de fiscalização nas sociedades anônimas não possui a mesma amplitude do revogado artigo 290 do Código Comercial, que, em linhas gerais, assegurava aos sócios de associações mercantis o direito de examinar todos os livros, documentos, escrituração, correspondências e caixa da sociedade, sempre que assim o requeresse.

O direito de fiscalização nas sociedades anônimas não é irrestrito, uma vez que a Lei das Sociedades Anônimas determina os instrumentos a serem utilizados pelos acionistas para o exercício desse direito essencial. Logo, conforme Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 292):

o acionista não pode, a pretexto de exercer seu direito essencial de fiscalização, pretender assistir às reuniões de diretoria, ser informado das balizas das negociações em que está envolvida a sociedade, inspecionar o estabelecimento empresarial, fazer o controle físico do estoque, ou outras ações que, mesmo reputadas relevantes por ele, não estão especificadamente mencionadas na lei como instrumento ao seu alcance.

O direito de fiscalização pode ser exercido diretamente pelo acionista, através do acesso aos livros societários (artigo 105 da Lei 6.404/76), ou da participação em assembléias gerais e, nelas, discutindo as matérias postas em votação, tais como o relatório da administração sobre os negócios sociais, a prestação de contas dos administradores, as demonstrações financeiras do exercício (artigos 132, inciso I e 133 da Lei 6.404/76), como também indiretamente, através do conselho fiscal (artigo 161 da Lei 6.404/76) e da auditoria independente, obrigatória nas companhias abertas (artigo 177, §3º da Lei 6.404/76).

O acesso aos livros societários é um instrumento de fiscalização posto a disposição de acionista, ou de grupo de acionistas, que será ordenada judicialmente quando forem atendidas as seguintes condições: a) ser o acionista ou o grupo de acionistas titular de, pelo menos, 5% (cinco por cento) do capital social; e b) serem apontados atos violadores da lei ou do estatuto, ou ser manifestada suspeita de graves irregularidades praticadas por qualquer órgão da companhia. Para Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 294), “esse instrumento de exercício do direito de fiscalização é bastante improfícuo, porque raramente a escrituração da companhia dará ensejo à produção de prova inequívoca de violação à lei ou estatuto, ou de

grave irregularidade”. A fiscalização direta dos administradores também poderá ser realizada através da verificação do relatório da administração sobre os negócios sociais, bem como da análise das demonstrações financeiras que deverão ser postos à disposição dos acionistas, até um mês antes da data marcada para a realização da assembléia geral ordinária (artigo 133 da Lei 6.404/76), ocasião em que todos acionistas, independentemente da espécie ou classe de ação de que seja titular, poderão discutir as matérias postas em votação, tais como os referidos documentos elaborados pelos administradores da companhia (artigo 125, parágrafo único da Lei 6.404/76). Ressalta-se que, nos termos do artigo 134, §3º da LeI 6.404/76, somente a aprovação, sem reserva, pelos acionistas titulares de ações com direito a voto, das demonstrações financeiras e das contas, exonera de responsabilidade os administradores da companhia.

Quanto à fiscalização indireta dos atos de gestão dos negócios sociais, o principal instrumento posto à disposição dos acionistas é o Conselho Fiscal, órgão de assessoramento da assembléia geral na fiscalização dos atos praticados pelos administradores da companhia. Conforme Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p.228), o conselho fiscal é órgão de assessoramento da assembléia geral, na apreciação das contas dos administradores e na votação das demonstrações financeiras da sociedade anônima, sendo de existência obrigatória, mas de funcionamento facultativo27.

Assim, uma vez em funcionamento, o conselho fiscal torna-se relevante instrumento de fiscalização dos atos de gestão dos negócios da companhia, pois a

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Na hipótese do conselho fiscal não estar em funcionamento, acionista ou grupo de acionistas titular de, no mínimo, 5% do capital votante ou, pelo menos, 5% do capital não votante, poderá convocar assembléia geral para a sua instalação, se os administradores não atenderem, no prazo de 08 dias, a pedido para a convocação da assembléia geral. Ademais, o conselho fiscal poderá ser instalado em qualquer assembléia geral, a pedido de acionistas que representem, no mínimo, 10% das ações votantes, ou, pelo menos, 5% das ações não votantes.

esse órgão compete: a) fiscalizar, por qualquer de seus membros, os atos dos administradores e verificar o cumprimento de seus deveres legais (artigo 163, inciso I da Lei 6.404/76); b) opinar sobre o relatório anual da administração, fazendo constar do se parecer as informações complementares que julgar necessárias ou úteis à deliberação da assembléia geral (artigo 163, inciso II da Lei 6.404/76); c) opinar sobre as propostas dos órgãos da administração, a serem submetidos à assembléia geral, relativas a modificação do capital social, emissão de debêntures ou bônus de subscrição, planos de investimento ou orçamentos de capital, distribuição de dividendos, transformação, incorporação, fusão ou cisão (artigo 163, inciso III da Lei 6.404/76); d) denunciar, por qualquer de seus membros, aos órgãos de administração e, se estes não tomarem as providências necessárias para a proteção dos interesses da companhia, à assembléia geral, os erros, fraudes, ou crimes que descobrirem, e sugerir providencias úteis à companhia (artigo 163, inciso IV da Lei 6.404/76); e e) analisar o balancete e demais demonstrações financeiras da companhia, cabendo aos órgãos de administração colocar à disposição dos membros do conselho fiscal, dentro do prazo legal, cópias das atas de suas reuniões, balancetes e demais demonstrações financeiras e, quando houver, dos relatórios de execução de orçamentos da companhia, prestando, ainda, sempre que solicitados pelos conselheiros fiscais, todas as informações e esclarecimentos solicitados (artigo 163, inciso VI, §1º e §2º da Lei 6.404/76).

Outro instrumento de fiscalização indireta dos atos de gestão dos negócios sociais é a auditoria independente, obrigatória para as companhias abertas, nos termos do artigo 177, §3º da Lei 6.404/76. Conforme Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 294):

a auditoria independente consiste num conjunto de procedimentos de verificação da regularidade da escrituração mercantil e das demonstrações contábeis da sociedade anônima, e é procedida por empresas especializadas, que devem ser registradas na Comissão de Valores Mobiliários, para prestarem serviços a companhias abertas.

Após a análise dos principais instrumentos postos à disposição dos acionistas para a fiscalização dos administradores das sociedades anônimas, é relevante ressaltar que o direito essencial de fiscalização pressupõe o conhecimento exato dos negócios da sociedade e dos atos praticados pelos administradores. Por isso, torna-se impossível imaginar o exercício do direito de fiscalização dissociado do direito à informação, que apesar de não ter sido expressamente previsto no artigo 109 da Lei 6.404/76, como sendo um direito essencial, deve ser considerado como tal, dada a sua importância. Neste sentido, conforme Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 206), “o direito à informação é indissociável do direito de fiscalização e, assim, embora não relacionado especificamente na lei, deve ser tido como essencial, no sentido de que não pode ser suprimido nem pelo estatuto, nem pela assembléia”.

Para Modesto Carvalhosa (2003, v. 2, p. 352), os direitos de informação, de fiscalização e de inspeção, e correspondentes direitos de ação, exercidos pelos acionistas individualmente ou na qualidade de minoritários, fundam-se no princípio da verificação da legalidade e da legitimidade (abuso e desvio de poder) dos atos praticados pelos órgãos da companhia e pelos controladores, podendo, qualquer cerceamento ou impedimento ao exercício desses direitos, ser objeto de medida judicial ou arbitral de anulação do ato ilegal praticado, e de reparação por perdas e danos cabíveis.