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O direito a edificar nos lotes é ainda condicionado, com o sentido de a

No documento Direito do Urbanismo (páginas 87-91)

edificação a empreender estar salvaguardada apenas pelas especificações contidas no título da operação de loteamento, o que significa que as obras não ficam desobrigadas de cumprir as prescrições legais e regulamentares a que pela sua natureza, características e localização devam subordinar-se. Por outras palavras, o controlo administrativo de obras em área abrangida por operação de loteamento não se esgota em verificar a conformidade com a licença ou comunicação prévia de loteamento. Esta conclusão encerra em si duas partes que têm de ser devidamente entendidas sob pena de “deitarem por terra” todas as conclusões anteriormente assumidas pelo Parecer da PGR aqui

em análise.

Assim, decorrendo das conclusões anteriores que a licença de loteamento confere ao proprietário do lote, enquanto aquela licença ou comunicação se mantiver validamente em vigor, o direito de obter uma licença ou comunicação prévia de obras de edificação que se conforme com ela, dúvidas não restam que o bloco normativo que deve ser convocado em primeira linha na apreciação do projeto de edificação a erigir nos lotes é o que consta das prescrições urbanísticas naquela contidas. Com efeito, as especificações contidas na licença ou comunicação prévia de loteamento garantem o direito a edificar em conformidade com o seu teor. O que significa, como se afirma nesta conclusão 13.º, que o direito a edificar nos lotes está salvaguardado pelas especificações contidas no título da operação de loteamento.

O que decorre desta conclusão 13.ª é que, para além delas, não deixarão de se aplicar à referida edificação outras “prescrições legais e regulamentares a que pela sua natureza, características e localização devam subordinar-se”. Terá é de se definir com rigor que normas são essas, sob pena de se colocar a Administração a controlar mais em áreas onde já definiu previamente a normativa aplicável do que naquelas em que as normas mobilizáveis são mais “abertas”. E não se esqueça que a figura da comunicação prévia (que é o procedimento regra a desencadear no caso de construção nos lotes) não tem apenas como objetivo introduzir um fator de maior simplificação procedimental, mas também de introduzir uma maior responsabilidade do promotor em detrimento da responsabilidade da Administração por este saber à partida as regras mobilizáveis. Como efeito, e como é sabido, a comunicação prévia tem na sua origem a figura da autorização da versão inicial do RJUE, que se distinguia da licença precisamente por implicar uma maior vinculação da Administração na apreciação dos projetos (por a área ser abrangida por instrumentos urbanísticos mais concretos e precisos) e por pressupor que a posição dos interessados se encontra mais consolidada, precisamente por os parâmetros aplicáveis à sua pretensão serem mais concretos, sabendo o interessado à partida (e de antemão) o que contar da Administração.33

Assim, o pressuposto para a mobilização da comunicação prévia é, precisamente, a área em causa estar abrangida por instrumentos urbanísticos com um conteúdo preciso, quer se trate de um plano (plano de pormenor com um determinado conteúdo), quer de um ato administrativo (informação prévia qualificada34 ou uma licença de loteamento) quer pela

situação de facto consolidada a manter (zona urbana consolidada que tenha determinadas caraterísticas). De onde resulta (tem de resultar), que no caso de comunicação prévia, a apreciação municipal (apreciação que sempre terá de ocorrer, ainda que não num procedimento de controlo preventivo, por o interessado não ter de esperar a apreciação municipal, mas sucessivo) é sempre mais limitada do que num tradicional procedimento de licenciamento (em que os parâmetros aplicáveis à pretensão, por não estarem previamente definidos com precisão, conferem maior discricionariedade à administração).

E o caso não muda se o interessado, em vez de uma comunicação prévia, optar, numa área abrangida por loteamento, por um procedimento de licenciamento. Nesta situação, o que o

33 Cfr. Pedro Gonçalves e Fernanda Paula Oliveira, “A nulidade dos actos administrativos de gestão

urbanística”, in RevCEDOUA, n.º 3, 1999.

interessado busca é uma maior segurança − que resulta de uma apreciação prévia (e expressa) por parte dos órgãos municipais − e um faseamento do seu “investimento” − que resulta do facto de este procedimento ser ele próprio faseado: aprovação do projeto de arquitetura, entrega de projetos de especialidade havendo posteriormente um prazo (que pode ser prorrogado) para requerer o alvará e apenas depois iniciar as obras.

Porém, ainda que o interessado faça esta opção pela licença, os parâmetros de controlo continuam a ser os mesmos que seriam se tivesse optado pela comunicação prévia: a mobilização do procedimento não afasta o facto de estar em vigor um instrumento urbanístico preciso e concreto, que é aquele que, em primeira linha, deve ser mobilizado na apreciação do projeto.

É por isso, que tem de ser lido com algum cuidado o que dispõe o n.º 8 do artigo 35.º do RJUE, que permite à câmara municipal inviabilizar a execução da construção objeto de comunicação prévia quando verifique “que não foram cumpridas as normas e condicionantes legais e regulamentares aplicáveis” na medida em que não se pode pretender que esse controlo seja tão ou mais intenso do que aquele que é levado a cabo no âmbito de um típico procedimento de licenciamento.

Acresce que, como é sabido, a conceção atual é de que nem tudo tem de passar por um controlo municipal, existindo outros controlos (e outras entidades ou atores) responsáveis por esse cumprimento. Assim é hoje com o controlo dos aspetos interiores das edificações: estas estão atualmente excluídas de controlo municipal, tal como decorre do disposto no n.º 8 do artigo 20.º segundo o qual as declarações de responsabilidade dos autores dos projetos de arquitetura no que se refere a estes aspetos constituem garantia bastante do cumprimento das normas legais e regulamentares aplicáveis. Por sua vez também não são atualmente objeto de apreciação municipal grande parte dos projetos de especialidade.

Tudo a significar que o controlo municipal se destina essencialmente a verificar o cumprimento das normas legais e regulamentares relativas ao aspeto exterior e à inserção urbana e paisagística das edificações bem como a adequação ao uso (artigo 20.º do RJUE).

Ora, se isto assim é nos típicos procedimentos de licenciamento, não há motivos para que assim não seja nos procedimentos de comunicação prévia.

Acresce que, mesmo em relação ao aspeto exterior e à inserção urbana e paisagística da edificações, o controlo que possa ser feito é sempre mais limitado quando se trate de construir em lotes integrados numa operação de loteamento, na medida em que, tendo existido um projeto global para a área (e cuja licença o avaliou globalmente) e no qual se determinaram as especificações a respeitar para a construção a erigir em cada um dos lotes, o cumprimento daquelas exigências não pode, em caso algum, colocar em causa estas mesmas especificações. Dito de outro modo, não podem estas outras normas mobilizáveis (incluindo as de inserção urbanística) colocar em causa o direito do proprietário do lote de obter uma licença ou comunicação prévia de obras de edificação que se conforme com as prescrições definidas para os lotes. Podem, é certo, em especial quando o loteamento não o tenha definido, ser impostas condições para a concretização daquelas prescrições previstas para os lotes; porém, tais

condições não podem impedir, diminuir ou restringir a edificabilidade definida para o lote, já que a licença de loteamento, sendo válida e mantendo-se eficaz, concede precisamente ao interessado o direito de concretizar uma edificação que cumpra aquelas prescrições.

Assim, ainda que seja verdade que o controlo administrativo de obras em área abrangida por operação de loteamento não se esgota na verificação da conformidade com a licença ou comunicação prévia de loteamento, a verdade é que a mobilização de outras disposições legais e regulamentares aplicáveis à edificação não podem colocar em causa o direito que foi definido no loteamento (que apenas é condicionado nos termos definidos nas conclusões 9.ª a 12.ª do Parecer da PGR).

Se assim se não entender esta conclusão do Parecer da PGR, perderiam qualquer efeito útil as suas conclusões 7.ª e 8.ª supra, referidas, o que seria totalmente incompreensível.

Para ilustrar como uma errada interpretação desta conclusão pode colocar em causa as anteriores conclusões, referimos aqui um caso concreto (e real): em causa está a comunicação prévia efetuada para um lote decorrente de um alvará de loteamento licenciado em 1982, mas ainda eficaz por o promotor ter cumprido todos os ónus e encargos que se lhe impunham por força daquela licença, designadamente no que concerne à conclusão das obras de urbanização destinadas a servir os lotes respetivos.

O alvará que serviu de título à licença de loteamento continha, de forma detalhada, todas as prescrições urbanísticas aplicáveis ao lote.

Em momento posterior à licença de loteamento (1987) foi criada uma área de paisagem protegida que passou a abranger o referido loteamento; a área deste loteamento foi, entretanto, abrangida, também, por um plano de ordenamento da orla costeira (1999), tendo sido aprovado em 2008 o plano de ordenamento da referida área protegida.

Por força destes dois instrumentos de gestão territorial (ambos planos especiais de ordenamento do território) o loteamento em referência ficou integrado numa área designada de área de intervenção específica de núcleo turístico coincidente com uma unidade operativa de planeamento e gestão, a qual condicionava qualquer intervenção urbanística (incluindo edificação) à prévia elaboração de um plano de pormenor que, ademais, teria de cumprir os parâmetros urbanísticos expressamente definidos naqueles planos especiais.

Em 2017 o proprietário de um dos lotes apresentou comunicação prévia para construir. Consultada a APA, esta deu parecer favorável com o fundamento de que se tratava de uma operação de loteamento já licenciada à data da entrada em vigor do plano de ordenamento da orla costeira, impondo, porém, que a cota de soleira do edifício se situasse acima da cota de cheia, uma vez que a área do lote integrava zona ameaçada pela cheia. Ou seja, assumiu esta entidade, e bem, que por o loteamento ser anterior ao plano especial em causa, este não se aplicava àquele, ainda que tenha feito aplicar à construção uma norma que não decorria expressamente das prescrições do alvará, na medida em que o seu cumprimento não colocava em causa os direitos adquiridos, apenas exigia que os mesmos fossem concretizados de uma determinada forma.

Consultado o Instituto da Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), veio este, já em sede de resposta a recurso interposto pelo interessado ao seu parecer desfavorável, manter o sentido desse parecer invocando, precisamente, a conclusão aqui em análise, na parte em que afirma que as obras não ficam desobrigadas de cumprir as prescrições legais e regulamentares a que pela sua natureza, características e localização devam subordinar-se” e que “o controlo administrativo de obras em área abrangida por operação de loteamento não se esgota em verificar a conformidade com a licença ou comunicação prévia de loteamento”. Destes extratos concluiu o ICNF ter aplicação àquele lote a norma dos planos especiais que interditam a edificação até ser aprovado o plano de pormenor. Ou seja, ainda que o loteamento fosse anterior aos referidos planos especiais, tendo a respetiva licença, como reconhece o Parecer da PGR, concedido um direito de construir incompleto (dependente da apresentação da comunicação prévia de construção e de a licença de loteamento permanecer em vigor – ambos cumpridos na presente situação), ainda assim entendeu o ICNF não poder o interessado concretizar o direito dela decorrente por força do plano entrado em vigor em momento posterior à licença de loteamento.

Ora, quanto a nós, esta interpretação do referido na conclusão 13.ª é manifestamente errada, inviabilizando toda a doutrina expressa no Parecer da PGR quanto à natureza e aos efeitos das licenças de loteamento, doutrina essa que, curiosamente se invoca como fundamento para o parecer desfavorável do ICNF).

No documento Direito do Urbanismo (páginas 87-91)