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O Direito à honra

No documento MARCELO DE OLIVEIRA BURGATI (páginas 32-35)

1.4 Os Direitos à intimidade, vida privada, honra e imagem como direitos constitucionais

1.4.2 O Direito à honra

Para determinar o que é honra é preciso determinar o espaço/tempo em que se considerará tal conceito, uma vez que a percepção das pessoas e da sociedade muda com o passar do tempo e com as mudanças sociais ocorridas em relação ao que se deve considerar ou não como ferindo a honra.

O conceito de honra é inexato e muda de acordo com o passar do tempo, caracterizando-se pelo seu condicionamento histórico-cultural. (SILVA, 2000, p. 157-158)

Sarlet (2014, p. 437) afirma “[...] que o conceito de honra, na sua origem e durante muito tempo (e, de certo modo, ainda hoje), guarda uma forte relação com uma organização e uma estrutura aristocrática da sociedade, não tendo um caráter igualitário, [...]” servia para destacar alguns membros da sociedade, como os nobres, tidos como pessoas honradas, das outras pessoas menos honradas ou mesmo não honradas. Entretanto, afirma:

Com a evolução da noção de dignidade da pessoa humana – não se deve olvidar que, especialmente no período clássico, dignidade e honra como valor social do indivíduo era a versão prevalente! – e sua definição como atributo de todos os seres humanos, o direito à honra foi universalizado e passou a ser considerado como elemento importante da igual dignidade de todas as pessoas, afastando-se, na quadra nobiliárquico, que restrinja o direito à honra aos que são “mais dignos” do que outros.

Araujo e Nunes Júnior (2014, p. 205) advertem que apesar da variação semântica que sofre o conceito de honra, este não implica em modificação do seu âmbito de proteção

jurídica, ou seja, “[...] uma coisa é a honra, outra o direito à honra.”, assim “[...] se o conceito de honra protege a dignidade, essa proteção conceitual não sofreu modificações; o que pode variar, segundo as condições de tempo e lugar, é o conceito de dignidade.”

Beccaria (2013, p. 79) já indicava essa imprecisão afirmando que: “A palavra honra é uma daquelas sobre as quais se fizeram os mais brilhantes raciocínios, sem ligar-se a qualquer ideia fixa e precisa.”, entretanto deu-lhe sua definição ao dizer que “As injúrias pessoais, contrárias à honra, isto é, a essa justa porção de estima que todo homem tem o direito de esperar dos seus concidadãos, devem ser punidas pela infâmia.”

René Ariel Dotti em sua obra sobre a proteção da vida privada e a liberdade de informação diferencia honra e intimidade como bens juridicamente diversos e utiliza como definição de honra a de Abbagnano: “toda manifestação de consideração e de estima tributada a um homem por outros homens. Assim como a autoridade, ou o prestígio, o cargo do qual é reconhecidamente empossado”. (ABBAGNANO, p. 491 apud DOTTI, 1980, p. 85)

Tadeu Dix (2000, p. 172-174), após trazer diversas concepções de honra, termina por conceituá-la de acordo com o conteúdo constitucional no estado democrático de direito e a equipara a própria dignidade da pessoa humana, elevando-a a categoria de valor fundamental da Constituição e afirma:

A honra, assim compreendida, revela-se um bem jurídico que se fundamenta em um juízo pessoal e normativo. Pessoal – e não subjetivo, nem social ou moral – como atributo de toda pessoa, independente de auto-estima (sic) ou autodesprezo individual (honra subjetiva), da efetiva valoração social (honra social) e de apreciações éticas (honra moral). Juízo normativo, porque a honra descansa sobre a dignidade humana, e não em uma constatação fática.

[...]

Fundada a honra na dignidade da pessoa humana, inerente a sua própria condição, não se pode negar que, de acordo com o ordenamento constitucional, o ataque à honra será aquele que seja dirigido contra esta dignidade com independência dos méritos ou deméritos do indivíduo a qualquer outra circunstância: [...]

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela resolução 217-A (III) da Assembleia das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, em seu artigo XII traz a proteção ao direito à honra nos seguintes termos: “Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques a sua honra e reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.” (grifo nosso)

Na normatização pátria a inviolabilidade do direito à honra encontra proteção constitucional no mesmo artigo 5º, X, que trata do direito à intimidade e à vida privada.

José Afonso da Silva conceitua honra como “o conjunto de qualidades que caracterizam a dignidade da pessoa, o respeito dos concidadãos, o bom nome, a reputação.”

Segundo Cupis “o direito à honra alcança tanto o valor moral íntimo do homem como a estima dos outros, a consideração social, o bom nome, a boa fama, enfim, o sentimento ou a consciência da própria dignidade pessoal refletida na consideração dos outros e no sentimento da própria pessoa.” (CUPIS, 1961, p. 111-2 apud CARVALHO, 2011, p.

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Sarlet afirma que são titulares do direito à honra, além dos indivíduos, brasileiros ou estrangeiros, mesmo que não residentes no Brasil, visto estar ligada à dignidade da pessoa humana. Também a pessoa jurídica se consolidou como titular do direito à honra objetiva no Brasil, em função da distinção entre honra objetiva e subjetiva no direito brasileiro, sendo destinatários tanto os órgãos estatais quanto os privados. (2014, p. 439)

Para Maria Lúcia Karam (2009, p. 32) o indivíduo tem o direito de “ter sua honra garantida, isto é, seu direito de não ser menosprezado, estigmatizado ou diminuído perante os demais indivíduos.”, impondo à honra um limite à liberdade de expressão e informação, porém sem “significar uma restrição a críticas, opiniões negativas, questionamentos ou notícias de fatos verdadeiros.”, devendo ela, quando em conflito com a liberdade de expressão e informação, somente prevalecer quando a ofensa for “efetivamente significativa, representando uma ameaça clara e presente da dignidade do indivíduo atingido.”

Ingo W. Sarlet (2014, p. 440) demonstra que também o direito à honra não é absoluto, mas representa limite a outros direitos fundamentais, como à liberdade de expressão (informação, comunicação, manifestação do pensamento). Nesse ponto há que se considerar

“[...] a possibilidade de excluir a ilicitude da ofensa à honra resultaria do interesse público na questão revelada e não no caráter público da pessoa atingida ou de sua exposição na esfera pública.”, entretanto deve-se observar que:

No limite, mesmo que a mensagem divulgada possa ser ofensiva (especialmente na ótica do titular do direito à honra), se os termos empregados na divulgação tida como ofensiva forem condizentes com o intuito de informar assunto de interesse público, há de prevalecer a liberdade de expressão. Todavia, quando a opinião emitida não apresentar interesse público, além de ter caráter manifestamente ofensivo e violador da dignidade da pessoa humana do ofendido, o direito à honra se transforma em limite da liberdade de expressão e dá ensejo à responsabilidade civil e mesmo penal (atendidos os pressupostos legais) dos autores da ofensa.

Afirma, finalmente, que há uma forte adesão por parte da jurisprudência do STF “[...]

à doutrina da preferência da liberdade de expressão e certa condescendência com

manifestações que sejam ofensivas à honra pessoal quando o ofendido for agente estatal.”, porém sendo graves, infundadas e desacompanhadas de prova de sua veracidade, as ofensas poderão ensejar dano moral indenizável, mesmo sendo a vítima agente estatal.

Como vimos a honra vai abarcar tanto a honra subjetiva, ou seja, o sentimento atinente ao que se considera sobre si mesmo, um sentimento de autoestima, de respeito por seus atributos físicos, morais e intelectuais, tanto quanto a honra objetiva, ou seja, aquilo que as outras pessoas, a sociedade pensa a respeito do indivíduo, seu apreço social, entretanto é preciso que se faça isso levando em consideração a época, o lugar, a cultura em que se insere a violação do direito.

Concordamos que liberdade de expressão deva ter maior peso quando confrontada com os direitos personalíssimos de pessoas públicas, tanto do mundo privado (atores, atletas, celebridades etc.), como ocupantes de cargos públicos, em especial políticos, uma vez que mais expostos por seus atos, atitudes e opiniões, entretanto somente quando se tratar de sua vida “em público”, permanecendo suas vidas particulares com nível de proteção comum as das demais pessoas, sem, contudo, excluir eventuais responsabilizações civis e/ou criminais por abusos e excessos graves cometidos contra a honra das mesmas em suas vidas públicas.

No documento MARCELO DE OLIVEIRA BURGATI (páginas 32-35)