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A garantia da intimidade genética e controle da informação genética são indispensáveis a configuração da identidade e da personalidade, porquanto evitam discriminação, facultando a autodeterminação, bem como o livre desenvolvimento da personalidade263.

O direito à intimidade tem apresentado características distintas ao longo da história, conforme se registrou no capítulo 3. Significa dizer que a intimidade passou de privilégio de uma pequena minoria possuidora de bens à categoria de direito universal disposto no artigo 12º da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948264.

Alguns autores tentam especificar o direito à intimidade, que já protege o indivíduo de divulgações de suas informações genéticas, em uma nova vertente chamada “direito à intimidade genética”. Tal denominação é relacioanada com a proteção do direito à intimidade ligada aos diversos aspectos da genética.

261MORAES, Walter, Adoção e Verdade, 1ª edição, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1974, p. 50. 262Nesse sentido: Se o direito à identidade é aquele que a pessoa detém de ser conhecida como aquela

que é, então, somente a verdade material importa para ela, devendo prevalecer sobre qualquer outro interesse, inclusive o da família legalmente reconhecida, de manter em sigilo a origem do filho. In:

AGUIAR, Mônica, Direito à filiação e bioética, Op.cit., p.72.

263HAMMERSCHMIDT, Denise, Intimidade genética e direito de personalidade, Op.cit., p. 103. 264Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na

sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. Contra tais intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito a protecção da lei.

Como afirma Miguel Sánchez, a proteção de dados é mais complexa e mais ampla que o direito à intimidade, o qual consiste em rechaçar intromissões ilegítimas na vida privada265. Seguindo o mesmo entendimento, Seoane Rodríguez entende que o direito à proteção dos dados genéticos supera os limites do direito à intimidade genética, visto que o âmbito de proteção do primeiro seria mais amplo, pois além de englobar as informações e dados genéticos em relação ao âmbito reservado da vida dos indivíduos, engloba também as informações e dados que se encontrem no âmbito público ou de terceiros, garantindo o controle do interessado266.

O direito à intimidade genética encontra fundamento em vários documentos internacionais, como ocorre, por exemplo, no artigo 7º267 da Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos Humanos de 25 de julho de 1997268e no artigo 10º269 do Convênio de Oviedo270.

Maria Lídia Espino define intimidade genética como aquele que confere ao seu titular a faculdade de determinar as condições em que se poderá ascender à informação contida em seus genes. Afirma também que o direito à intimidade genética desborda no conceito de intimidade mais clássico, pois não é um simples direito de defesa frente às ingerências externas, mas também um direito mais ativo que confere ao seu titular a faculdade de atitudes mais ativas, como o direito de acesso, retificação, cancelamento da informação. A mesma autora destaca ainda os elementos que compõe o direito à intimidade genética: um objetivo formado por um genoma humano e, por extensão,

265SÁNCHEZ, Noelia Miguel, Tratamiento de Datos Personales en el ámbito sanitário: intimidad versus interes público, Valencia: Tirant lo Blanch, 2004, p. 32.

266 RODRÍGUEZ, José Antonio Seoane, De la intimidad genética al derecho a la protección de dado genéticos (Parte I), Op.cit., p. 85.

267Dados genéticos associados a indivíduo identificável, armazenados ou processados para uso em pesquisa ou para qualquer outro uso, devem ter sua confidencialidade assegurada, nas condições estabelecidas pela legislação.

268 O Comitê de Especialistas Governamentais, convocado para conclusão de um projeto de declaração

sobre o genoma humano, examinou o esboço preliminar redigido pelo Comitê Internacional de Bioética. Em 25/07/97, o Comitê de Especialistas Gonvernamentais, no qual mais de 80 Estados estavam representados, adotou por consenso o Projeto de uma Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos Humanos, que foi apresentado para adoção na 29ª Sessão da Conferência Geral da UNESCO de 21 de outubro e 12 de novembro de 1997.

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1. Toda persona tendrá derecho a que se respete su vida privada cuando se trate de informaciones relativas a su salud.

2. Toda persona tendrá derecho a conocer toda información obtenida respecto a su salud. No obstante, deberá respetarse la voluntad de una persona a no ser informada.

3. De modo excepcional, la ley podrá establecer restricciones, en interés del paciente, con respecto al ejercicio de los derechos mencionados en el apartado 2”.

qualquer parte do corpo cuja análise permita ascender a informação genética271, e outro subjetivo constituído pelo consentimento do titular desse direito, lembrando o conceito de autodeterminação informativa que se entende como a faculdade que tem toda pessoa para determinar as condições em que se poderá ascender a seus dados pessoais272.

Segundo ela, o direito à intimidade genética é um direito subjetivo, pois requer uma atitude ativa do titular e confere a seu titular a possibilidade de defender-se de intromissões não consentidas em sua esfera privada, embora contenha também uma dimensão objetiva. Essa dimensão objetiva, segundo a autora, devido a sua importância individual e social, requer das autoridades públicas uma atitude ativa para defender e garantir esse direito antes que ele seja lesionado. Sob esse aspecto, o direito à intimidade genética apresenta-se como um direito de liberdade e como um direito prestacional. Um direito de liberdade porque faculta ao indivíduo defender-se de intromissões indesejáveis por parte dos poderes públicos ou de particulares; e um direito prestacional porque o titular pode exigir dos poderes públicos que sejam tomadas medidas efetivas para garantir e proteger esse direito de maneira eficaz, independente de ter ou não o titular tomado medidas oportunas a esse respeito273.

Contudo, segundo Denise Hammerschmidt,

ambos os direitos, muito além do seu caráter autônomo enquanto mecanismos de direitos fundamentais desempenham uma tarefa instrumental com vistas ao livre desenvolvimento da personalidade. A garantia da intimidade genética e controle da informação genética são indispensáveis a configuração da identidade e da personalidade, porquanto evitam discriminação, facultando a autodeterminação, bem como o livre desenvolvimento da personalidade274.

O direito à intimidade genética do doador poderia embasar, em tese, o direito ao anonimato. Contudo, o direito à intimidade, longe de ser arma de argumentação contra o direito ao conhecimento das origens no caso de técnicas de reprodução medicamente

271 Segungo Susana Gonzaléz essa informação pode ser obtida mediante a realização das chamadas

análises genéticas, que revelam ou podem revelar dados biológicos sobre a saúde passada, presente ou futura, isto é, presdisposição ou suceptibilidade de padecer de alguma enfermidade e a relação biológica com terceiras pessoas ou a história familiar. GONZALÉZ, Susana Alvarez, Derechos fundamentales y

protección de datos genéticos, Op.cit., p. 42.

272ESPINO, Maria Lídia Suárez, El derecho a la intimidad genética, Op.cit., p. 89. 273ESPINO, Maria Lídia Suárez, El derecho a la intimidad genética, Op.cit., p. 89-90.

assistida, trabalha a favor. Isso porque, sendo também um direito prestacional, o indivíduo nascido através de técnicas de reprodução medicamente assistida poderá exigir do Estado medidas no sentido de garantir-lhe o conhecimento de sua origem, por exemplo, exigindo uma intervenção judicial para que lhe seja garantido o direito ao conhecimento de suas origens. A individualidade genética, e também a dignidade da pessoa humana, impedem que o indivíduo seja privado de conhecer suas origens biológicas, mesmo sob alegação de intimidade do doador.

CAPÍTULO 5: O DIREITO AO CONHECIMENTO DAS ORIGENS GENÉTICAS COMO REQUISITO PARA EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS DE PERSONALIDADE.