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A Lei espanhola nº35 de 22 de novembro de 1988 resultou das recomendações do Informe Palacios e regulou a questão da procriação medicamente assistida, preceituando o anonimato do doador. Para contar com critérios para a elaboração da lei, em 29 de março de 1985 foi constituído no Congresso dos Deputados a Comissão Especial de estudos sobre fecundação in vitro e inseminação artificial humana, integrada por representantes dos grupos parlamentares. Também compareceram especialistas nas diferentes matérias (biologia, genética, ginecologia, derecho, teologia, moral, bioética,

352 Nesse sentido: De um lado, deve-se reconhecer que a Resolução é de caráter essencialmente ético, faltando, com isso, uma orientação jurídica propriamente dita. BENTO, Luís Antonio, Bioética: desafios éticos no debate contemporâneo, Op. cit, p. 278.

etc). O trabalho resultou na redação de um informe com cento e cinquenta e cinco recomendações e algumas sugestões353.

O grupo parlamentarista nacionalista propôs incluir no informe da Comissão a possibilidade de revelar a identidade em situações excepcionais com as devidas cautelas, com a finalidade de proteger um filho enfermo354. De concreto, a recomendação 53 aparece com a seguinte redação:

solo cuando se den circunstancias extraordinarias que comportan un comprobado peligro para la vida del hijo, debería ceder el secreto de la dación en aras de aquél interes preeminente, sin que ello implicaria reconocimiento jurídico de la paternidad ni publicidad de la identidad del donante355.

O grupo centrista sustentou que o princípio da primazia da verdade biológica, introduzido pela lei nº11 de 13 de maio de 1981 não deveria ser aplicado aos casos de reprodução humana heteróloga, em razão da necessidade de anonimato do doador: En estos casos deberá prevalecer siempre la imposibilidad de la investigación de la paternidad, y en aras de la conveniência de los próprios padres formales y del próprio hijo. Segundo eles, o artigo da Constituição deve ser entendido en el sentido de reconecer al hijo así habido el derecho a conocer los datos objetivos correspondientes al padre genético (grupo étnico, sanguíneo, genotipo, etcétera) pero no su identidad concreta356.

Assim, a lei espanhola estabeleceu que a criança ou a mãe tem direito de conhecer o genótipo, o estado de saúde e o grupo sanguíneo e étnico do doador, ou seja, suas características biofísicas sem que seja revelada sua identidade. A lei estabelece ainda no artigo 5º 357 a possibilidade de revelar a identidade do doador em algumas

353JIMÉNEZ, Pilar Nicolas, La protección jurídica de los datos genéticos de carácter personal, Op. cit,

p. 311.

354Idem, p.312.

355Diário de Sesiones del Congresso de los Diputados, II Legislatura, número 280, 1986, p. 12560 apud

JIMÉNEZ, Pilar Nicolas, La protección jurídica de los datos genéticos de carácter personal, Op. cit, p.

311 - 312.

356

Diário de Sesiones del Congresso de los Diputados, II Legislatura, número 280, 1986, p. 12565 apud

JIMÉNEZ, Pilar Nicolas, La protección jurídica de los datos genéticos de carácter personal, Op. cit, p.

312.

357 Artigo 5.5 da lei 35/1998: La donación será anônima, custodiándose los datos de identidad del donante en el más estricto secreto y en clave en los Bancos respectivos y en el Registro Nacional de donantes.

circunstâncias, como quando exista um grave perigo para a vida do filho e a identidade dos seus progenitores biológicos seja decisiva, ou quando a identidade do doador seja necessária em razão de leis processuais penais358. O artigo 8º, nº 3 da lei esclarece que a revelação da identidade do doador não implica em determinação legal de filiação359.

A lei nº 35 de 22 de novembro de 1988 estabelece ainda que, no caso de reprodução heteróloga, se o marido e a mulher tiverem prestado seu consentimento prévia e expressamente, não poderão contestar a filiação da criança nascida de tal inseminação360.

A lei nº 45 de 21 de novembro de 2003 modificou a lei 35/1988 e, em 2005, foi apresentado um Projeto de nova lei de reprodução assistida com propostas significativamente distintas de certas questões da regulação vigente. A lei nº 14 de 26 de abril de 2006 sobre reprodução humana assistida estabelece também um anonimato relativo, pois embora estabeleça um anonimato, permite que os indivíduos nascidos através dessas técnicas possam, por si ou através de representante, conhecer a informação de caráter geral sobre o doador, sem conhecer a identidade deste. No artigo 5º, alínea 5 da mesma lei foi também estabelecida outra exceção ao anonimato do doador: no caso de circunstâncias extraordinárias que comportem um perigo certo para a vida ou a saúde de filho ou quando proceda de acordo com leis processuais penais e sempre que tal revelação seja indispensável para evitar perigo ou para conseguir o fim legal proposto. Essa revelação terá caráter restritivo e não implicará em publicidade da identidade dos doadores (artículo 5.5361). Ou seja, a quebra do anonimato ocorrerá

Los hijos nacidos tienen derecho, por si o por sus representantes legales, a obtener información general de los donantes que no incluya su identidad. Igual derecho corresponde a las receptoras de los gametos. Solo excepcionalmente, en circunstâncias extraordinarias que comporten un comprobado peligro para la

vida del hijo, o cuando proceda con arreglo a las leyes procesales penales, podrá revelarse la identidad del donante, siempre que dicha revelación sea indispensable para evitar el perigro o para conseguir el fin legal propuesto. En tales casos se estará a lo dispuesto en el artículo 8º, apartado 3. Dicha revelación tendrá carácter restringido y no implicará, em ningún caso, publicidade de la identidad del donante. 20.2. Son infracciones graves: Desvelar a identidad de los donantes fuera de los casos excepcionales

previstos en la presente Ley.

358Artigo 162 do Código Penal Espanhol: Quem practicare reproducción assistida en una mujer, sin su

consentimento, será castigado con la pena de prisión de dos a seis años, e inhabilitación especial para empleo o cargo público, profesión u oficio por tiempo de uno a cuatro años. 2. Para proceder por este delito será precisa denuncia de la persona agraviada o de su representante legal. Cuando aquélla sea menor de edad, incapaz o una persona desvalidad, también podrá denunciar el Ministério Fiscal. 359Artigo 8.3 da Lei 35/1998: La revelación de la identidad del donante en los supuestos en que proceda

con arreglo al artículo 5, apartado 5 de esta Ley, no implica, en ningún caso, determinación legal de la filiación.

360De acordo com artigo 6.1.

361Art.5.5. La donación será anônima y deberá garantizarse la confidencialidad de los datos de identidad de los donantes por los bancos de gametos, asi como, en su caso, por los registros de donantes y de actividad de los centros que se constituyan.

quando entrar em choque com outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos e de igual ou maior importância que a intimidade do doador, como a vida e a saúde do filho e para facilitar investigação penal362. Nessa lei, é considerado uma infração muito grave revelar a identidade dos doadores fora dos casos excepcionais previstos pela lei (artigo 20º, nº 2). O doador deve ser maior de idade, ter capacidade de agir, ser examinado seu estado psicofísico para verificar se padece de enfermidades genéticas, hereditárias ou infecciosas transmissíveis363. Existe limitação para o número de crianças geradas com gametas de um mesmo doador: seis. É proibida a maternidade de substituição, sendo nulos os respectivos contratos. O contrato de doação deve ser secreto, formal e gratuito celebrado entre o doador e o centro autorizado364.

Na Espanha, a história clínica e os arquivos de dados são confidenciais. O registro Nacional de Doadores de Gametas e Pré-embriões, que é administrado pelo Ministério da Saúde e Consumo, é único e está formado pelas bases de dados de cada centro ou serviço autorizado que recolhe um registro individual de cada doador com seus dados de identificação e outros dados relativos ao processo reprodutivo. A informação deve ser tratada com a mais estrita confidencialidade, de acordo com a legislação vigente365. Para determinar a filiação, aplicam-se as normas vigentes com algumas ressalvas. O marido e a mulher não poderão, quando tenham prestado seu consentimento, prévia e expressamente a determinada fecundação com contribuição de doador, impugnar a filiação matrimonial do filho nascido em razão de tal fecundação. Não poderá determinar-se legalmente a filiação, nem reconhecer-se relação jurídica alguma entre o filho nascido pela aplicação das técnicas reguladas na lei e o marido falecido, quando o material reprodutor deste não esteja no útero da mulher na data da morte. Porém, o marido poderá consentir em escritura pública ou testamento, que seu

362ESPINO, Maria Lídia Suárez, El derecho a la intimidad genética, Op.cit., p. 156.

363 Art. 5.6. Los donantes deberán tener más de 18 años, buen estado de salud psicofísica y plena capacidad de obrar. Su estado psicofísico deberá cumplir las exigencias de un protocolo obligatorio de estudio de los donantes que incluirá sus características fenotípicas y psicológicas, así como las condiciones clínicas y determinaciones analíticas necesarias para demonstrar, según el estado de los conocimientos de la ciência y de la técnica existentes en el momento de su realización, que los donantes no padecen para demonstrar, según el estado de los conocimientos de la ciência y de la técnica existentes en el momiento de su realización, que los donantes no padecen enfermedades genéticas, herditarias o infecciosas transmisibles a la descendencia. Estas mismas condiciones serán aplicables a las muestras de donantes procedentes de otros países; en este caso, los responsables del centro remisor correspondiente deberán acreditar el cumplimiento de todas aquellas condiciones y pruebas cuya determinación no se pueda practicar en las muestras enviadas a sua recepción. En todo caso, los centros autorizados podrán rechazar la donación cuando las condiciones psicofísicas del donante no sean la adecuadas.

364JIMÉNEZ, Pilar Nicolas, La protección jurídica de los datos genéticos de carácter personal, Op. cit,

p. 315.

365 JIMÉNEZ, Pilar Nicolas, La protección jurídica de los datos genéticos de carácter personal, Ibid,

material genético seja utilizado nos seis meses seguintes ao seu falecimento para fecundar sua mulher. A revelação da identidade do doador não implica, em nenhum caso, determinação legal da filiação.

Na Espanha, o assunto da possível inconstitucionalidade do anonimato foi objeto de recurso apresentado contra a lei sobre técnicas de reprodução assistida. O Tribunal Constitucional entendeu, porém, pela constitucionalidade do anonimato do doador, fazendo distinção entre a pretensão posta na ação de investigação de paternidade (pretensão de estabelecer vínculo jurídico com o suposto pai da qual derivam vínculos, direitos e deveres) e a pretensão de conhecer a origem genética dos filhos nascidos de técnicas de reprodução medicamente assistida.

Para o Tribunal Constitucional espanhol, a distinção justifica a exceção feita a investigação da paternidade nos casos de reprodução medicamente assistida366. A sentença resolveu pela constitucionalidade da lei de técnicas de reprodução assistida. O Tribunal Constitucional espanhol entendeu em sua sentença nº 116/1999 que só se poderá apreciar uma violação do artigo 37º, nº 2 da Constituição367nos casos em que se impeça injustificadamente a investigação da paternidade. O Tribunal entendeu que a finalidade que se persegue com a investigação da paternidade é criação de vínculos filiais. Por outro lado, no caso de técnicas de reprodução medicamente assistida, não se estabelecerá um vínculo jurídico com direitos e obrigações, mas uma mera determinação identificativa. O Tribunal entendeu também que não há prejuízo ao nascido porque o anonimato é relativo e, portanto, a proteção de sua saúde e sua vida justificaria a quebra da regra. Em caso de conflito, estes direitos prevalecem sobre o direito do doador à intimidade368.

Contudo, María Lídia Espiro lembra que a constitucionalidade da lei em relação ao artigo 39º, nº 2 não apresenta grandes problemas, principalmente porque quando o legislador incluiu esse preceito na Constituição de 1978, tinha em mente realidade bem distinta da questão que hoje se apresenta com as técnicas de reprodução medicamente assistida. Segundo a autora, maiores problemas envolvem a questão da

366 Además, según argumenta el próprio Tribunal, en los supuestos de reprodución asistida, la investigación de la paternidad no se orienta al establecimiento de ningún vínculo jurídico del que se deriven derechos y deberes para los afectados, sino que la pretensión, en estos casos, consiste tan solo en una mera identificación en un plano distinto del previsto en el último inciso del artículo 39.2 de la Constitución. In: RUIZ, Yolanda García, Reprodución humana assistida: Derecho, conciencia y liberdad, Op. cit, p. 180.

367 O artigo 39.2 da Constituição Espanhola estabelece que la ley posibilitará la investigación de la paternidad.

constitucionalidade do anonimato com relação ao artigo 14º da Constituição Espanhola. Isso porque ao filho nascido por inseminação artificial devem-se dar as mesmas oportunidades para exercitar as ações de reclamação e impugnação da filiação que os nascidos de forma natural e os adotados. Ainda segundo a autora, nessa situação há dois conflitos de interesses: o direito do filho de conhecer sua origem e o do doador de preservar sua intimidade. Para resolver o impasse, a autora lembra que são numerosos os direitos fundamentais reconhecidos na Constituição Espanhola que apresentam alguma conexão com a bioética, tal como ocorre com o direito a uma vida digna, direito à igualdade e direito à liberdade como valores superiores do ordenamento jurídico espanhol reconhecidos constitucionalmente. Assim, deve-se considerar ilícita qualquer discriminação, entendida esta como elemento diferencial que não tem uma justificação objetiva e uma fundamentação razoável ou constitucionalmente legítima369.

Yolanda Ruiz registra que:

las leyes europeas comentadas sobre reproducción assistida y de los Informes que las han precedido han ido construyendo un derecho de los hijos nascidos mediante estas técnicas a tener un referendo paterno y outro materno. A este respecto, conviene precisar que la construcción de dicho derecho se ha realizado sobre la base de lo que se considera mejor par el futuro hijo y para su desarollo personal. Es el caso, por ejemplo, del Reino Unido, Áustria, Alemanha, Francia y Dinamarca(...) Esta regulación legislativa no reconoce, sin embaro, la possibilidad de conocer el próprio origen biológico, puesto que el anonimato de los posibles donantes permanece garantizado en los textos legales de los repectivos países370.

Porém, apesar de o Tribunal Constitucional espanhol ter considerado a legislação daquele país constitucional, o assunto ainda se cerca de grande controvérsia, havendo discordância de estudiosos em relação ao que fora decidido pelo Tribunal371.

369Idem, p. 156, 157-200. 370

RUIZ, Yolanda García, Reprodución humana assistida: Derecho, conciencia y liberdad, Op. cit, p.276

e 277.

371 Yolanda Ruiz registra, porém, que a lei permite a realização da procriação artificial pela mulher

sozinha e, com o anonimato do doador, o filho não poderá ter um referencial paterno: (...) en el supuesto

de la mujer sola, a los interrogantes planteados anteriormente, se une el hecho de el hijo carecerá no solo de rerefente paterno sino tambíén de cualquier possibilidad de tenerlo en función del anonimato del

Assim, há quem afirme que, embora o direito ao conhecimento das origens biológicas não esteja reconhecido expressamente pela Constituição Espanhola, poderia ser reivindicado com base em outros direitos fundamentais e, especialmente, pela interpretação do artigo 10º da Constituição Espanhola que ampara o livre desenvolvimento da personalidade como fundamento da ordem política e da paz social372.

6.4. ENQUADRAMENTO NO ORDENAMENTO JURÍDICO DA NORUEGA,