• Nenhum resultado encontrado

Direito à reprodução como direito da personalidade (Art 1.º, III, CF, arts.

4 DIREITOS E PRINCÍPIOS DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

4.3 Direito à reprodução como direito da personalidade (Art 1.º, III, CF, arts.

Neste tópico o objetivo é demonstrar que o direito reprodutivo é um direito de personalidade, na medida que respeita ao âmago da pessoa caracterizando-se como uma forma de exteriorização da sua personalidade.127

Os direitos de personalidade, ou direitos pessoais, no ordenamento jurídico brasileiro são descritos – exemplificativamente -, nos artigos 11.º ao 21.º do Código Civil Brasileiro (CCB). A análise destes direitos deve ser realizada sob aspecto civil- constitucional128, pois antes da previsão civil já havia disposições na CRFB, notadamente o artigo 5.º que trata dos direitos e garantias fundamentais e ainda o princípio da dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da CRFB do qual decorre tais direitos.

Não obstante a discussão doutrinária acerca da identificação129 ou não130 de um direito geral da personalidade, tendo em foco a lei brasileira, toma-se partido do entendimento do professor Gustavo Tepedino131, para quem, os direitos de personalidade dispostos no CCB são exemplificativos e constituem verdadeiras expressões da dignidade da pessoa humana (art. 1.º III, CRFB)132.

E o que é atribuído conceitualmente ao direito de personalidade? Segundo Maria Helena Diniz,

o direito de personalidade é o que apoia os direitos e deveres que dela irradiam, é objeto de direito, é o primeiro bem da pessoa, que lhe pertence como primeira utilidade, para que ela possa ser o que é, para

127 VERA LUCIA RAPOSO, O Direito à Imortalidade..., cit., p. 70.

128 FLÁVIO TARTUCE. Manual de Direito Civil: volume único. 6.ª ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro:

Forense, 2016. p. 97.

129 RABINDRANATH VALENTINO ALEIXO CAPELO SOUZA. O direito geral de personalidade.

Coimbra: Coimbra, 2011. p. 93.; e JOSÉ OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil. Teoria Geral, I Volume, Coimbra: Coimbra, 1998, p. 78. Discussão doutrinária entre as escolas de Direito de Lisboa e Coimbra, onde naquela, a exemplo, José de Oliveira Ascensão defende a inexistência do direito geral, enquanto que em Coimbra, especialmente Rabindranath V. A. Capelo de Souza defende a cláusula geral do direito de personalidade.

130 Neste sentido: JOSÉ MELO ALEXANDRINO, Direitos fundamentais..., cit.,; DIOGO COSTA

GONÇALVES. Pessoa e Direitos da Personalidade-Fundamentação ontológica da tutela. Almedina: Coimbra, 2008; e PEDRO PAIS DE VASCONCELOS. Direito de Personalidade. Coimbra: Almedina, 2006.

131 GUSTAVO TEPEDINO. A tutela da personalidade no ordenamento civil-constitucional brasileiro.

Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 50.

132 Neste sentido em Portugal “O que parece fora de dúvida – e o que nos interessa neste momento – é

todavia, que o reconhecimento do direto geral de personalidade, fundado na garantia da dignidade humana, que serve como linha de interpretação para densificação da força protetora do direito fundamental contra medidas estatais (...) PAULO MOTA PINTO. O Direito ao livre desenvolvimento da personalidade. Portugal-Brasil Ano 2000. Tema Direito. Stvdia Ivridica 40. Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra. Coimbra: Coimbra, 1999. p.183.

sobreviver e se adaptar às condições do ambiente em que se encontra, servindo de critério para aferir, adquirir e ordenar outros bens.133

Jorge Miranda refere que

os direitos de personalidade são posições jurídicas fundamentais do homem que ele tem pelo simples facto de nascer e viver; são aspectos imediatos da exigência de integração do homem; são condições essenciais ao seu ser e devir; revelam o conteúdo necessário da personalidade; são emanações da personalidade humana em si; são direitos de exigir de outrem o respeito da própria personalidade; têm por objeto, não algo de exterior ao sujeito, mas modos de ser físicos e morais da pessoa ou de bens da personalidade física, moral e jurídica ou manifestações parcelares da personalidade humana.134

Para Limongi França135, “direitos da personalidade dizem-se as faculdades jurídicas cujo objeto são os diversos aspectos da própria pessoa do sujeito, bem assim da sua projeção essencial no mundo exterior.” Cristiano C. De Farias e Nelson Rosenvald136,

consideram que são “(...) direitos essenciais ao desenvolvimento da pessoa humana, em que se convertem as projeções físicas, psíquicas e intelectuais do seu titular, individualizando-o de modo a lhe emprestar segura e avançada tutela jurídica”.

Os direitos de personalidade são direitos essenciais porque constituem, segundo expressão utilizada por Adriano de Cupis137, a “medula da personalidade” necessária para

o completo desenvolvimento da pessoa, protegendo a integridade de cada ser humano em seu aspecto físico, psicológico e moral, conferindo-lhe dimensão particular.138

Sílvio De Salvo Venosa caracteriza os direitos de personalidade como inatos e vitalícios, porque nascem com a pessoa e a persegue pela vida toda, imprescritíveis sendo oponíveis a qualquer tempo, indisponíveis e absolutos139. Embora considerados inatos140, ressalta-se que a proteção da personalidade não dirige apenas ao que o indivíduo é141, mas

133 MARIA HELENA DINIZ Curso de Direito Civil Brasileiro. Vol. 1. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 121. 134 JORGE MIRANDA, Manual de..., cit., p. 58.

135 RUBENS LIMONGI FRANÇA, Direitos da Personalidade coordenadas fundamentais. Revista do

Advogado – AASP – Associação dos Advogados de São Paulo. Nº 38/92. p. 05.

136 CRISTIANO CHAVES FARIAS; NELSON ROSENVALD,. Direito Civil. Teoria Geral. Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 102.

137 ADRIANO CUPIS. Os Direitos da Personalidade. Tradução: Adriano Vera Jardim e Antonio Miguel

Caeiro. Livraria Morais Editora: Lisboa, 1961. p. 3.

138 JOSAPHAT MARINHO, Os direitos da personalidade no projeto de novo código civil brasileiro. In:

Portugal-Brasil Ano 2000. Tema Direito. Stvdia Ivridica 40. Coimbra: Coimbra, 1999. p. 251.

139 SÍLVIO DE SALVO VENOSA. Direito Civil – parte geral. São Paulo: Atlas, 2009. p. 199.

140 Quanto à característica de inatos, o autor ressalva o fato de que todo direito inato é um direito essencial

e da personalidade, mas pode haver direito da personalidade revelado, não sendo inato, mas adquirindo essencialidade posteriormente. ADRIANO CUPIS. Os Direitos..., cit., p. 20.

também ao que é chamado e que virá ser142, são direitos exemplificativos143,

acompanhando o desenvolvimento da personalidade.

Desta forma, cada pessoa é titular exclusivo dos direitos que incidem sobre a sua personalidade, de modo que ninguém pode apropriar ou adquirir direitos que irradiam sobre a personalidade de outra pessoa144.

Na CRFB não há explicitamente a disposição do direito ao desenvolvimento da personalidade145, como há na CRP por exemplo, no entanto, este direito encontra recepção no princípio da dignidade da pessoa humana146 e na própria definição de direito da personalidade.

Como assinala Paulo Mota Pinto147, o direito de desenvolvimento da personalidade decorre da dignidade da pessoa humana148, que é um princípio fundamental constitucional norteador de todo o ordenamento jurídico.

Na CRFB, a dignidade da pessoa humana é considerado o princípio fundante, e por assim ser deve ser resguardado diante de qualquer situação. Jorge Duarte Pinheiro149, aponta que deste principio decorre que “a pessoa deve ser assim tratada, como um fim em si mesmo, que à todo ser humano deve ser reconhecido autonomia e autodeterminação, não deve ser coisificado, nem instrumentalizado ou ainda comercializado”.

142 Neste sentido, referindo-se ao direito de desenvolvimento da personalidade, o autor dispõe que a pessoa

(personalidade) é protegida “naquilo que é, naquilo que vai sendo e naquilo que virá a ser”. DIOGO COSTA GONÇALVES. Pessoa e..., cit., p. 75.

143 Neste sentido foi o pronunciamento do STF no recurso extraordinário (RE) interposto por uma transexual

que foi impedida de entrar no banheiro feminino. Entendeu a Suprema Corte, ao reconhecer a existência de repercussão geral no RE, que o exercício da identidade sexual é direito de toda pessoa, configurando, quando não se pode exercê-lo, violação à dignidade da pessoa humana e direitos da personalidade. Nota-se que a identidade sexual não vem descrita seja no CCB ou na CRFB explicitamente, mas é direito personalíssimo decorrente da dignidade da pessoa humana, com reconhecimento jurisprudencial. (STF; RE 845.779/SC; Rel. Min. Roberto Barroso, Julgado em Plenário; DJE: 10/03/2015).

144 RABINDRANATH VALENTINO ALEIXO CAPELO SOUZA. O direito..., cit., p. 533.

145 MÁRCIO ANTÔNIO BOSCARO. Direito fundamental ao reconhecimento da identidade genética. I

Congresso Luso-Brasileiro de Direito. Coord. Jorge Bacelar Gouveia e Heraldo de Oliveira Silva. Almedina: Coimbra, 2014. p. 160.

146 PAULO MOTA PINTO. O Direito..., cit., p.153. 147 PAULO MOTA PINTO. O Direito..., cit., p.159.

148 Neste sentido, o STF ao julgar medida cautelar interposta em uma reclamação, na ocasião tratando a lide

do direito à liberdade de expressão e as censuras jornalísticas, dispôs que aquele direito decorre de fundamentos filosóficos, entre eles “a dignidade humana, ao permitir que indivíduos possam exprimir de forma desinibida suas ideias, preferências e visões de mundo, bem como terem acesso às dos demais indivíduos, fatores essenciais ao desenvolvimento da personalidade, à autonomia e à realização existencial.” A Suprema Corte chega a declarar sobre a essencialidade do desenvolvimento da personalidade, ainda que tenha sido na altura aplicado em um contexto. (STF MC Rcl. 22328/RJ – 0007915- 89.2015.1.00.0000 – Rel. Min. Roberto Barroso. DJE 26/11/2015)

Do princípio da dignidade humana, unificador de todas as disposições constitucionais, decorre não somente o reconhecimento da personalidade jurídica, mas também o estabelecimento de meios de tutela dos direitos essenciais da pessoa.150

Ainda que no ordenamento jurídico brasileiro não haja a previsão do direito ao desenvolvimento da personalidade, que a nosso entendimento recepciona o direito a reprodução, inclusive por meio das técnicas de PMA, a dignidade da pessoa humana o fundamenta.

Além disso, não se pode deixar de mencionar que a reprodução biológica (no caso, a falta dela) afeta diretamente a integridade psíquica da pessoa, a qual está protegida no âmbito do direito fundamental à integridade física151, já que não há saúde física sem uma saúde mental.

Sobre a ausência de constitucionalização das disposições referentes a reprodução assistida, Jorge Duarte Pinheiro, estabelece que os princípios fundamentais que são aplicados neste âmbito são sobretudo os princípios relacionados e que abrangem o direito da personalidade e o direito da família, independentemente destes serem estabelecidos constitucionalmente.152

O exercício da paternidade e maternidade, seja realizado pela reprodução biológica ou natural, ou ainda pela adoção, é um direito fundamental comum a todas as pessoas, consideradas individualmente, e a sua reivindicação, especialmente quando o indivíduo aceita passar pelo árduo processo reprodutivo que envolve as técnicas de PMA, é porque reproduzir significa, incontestavelmente, uma forma de atingir a plena formação individual, que respeita à sua personalidade.153